Anadia/AL

29 de março de 2024

Anadia/AL, 29 de março de 2024

‘Sou obrigado a apontar excessos da Lava Jato’

ABN - Alagoas Brasil Noticias

Em 24 de novembro de 2018

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Kakay estará em Alagoas para participar do lançamento da Associação Nacional de Advocacia Criminal (Foto: Poder 360 / Reprodução

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, participa do lançamento da Associação Nacional de Advocacia Criminal (Anacrim) em Alagoas, durante evento na próxima segunda-feira (26), mas antes disso ele falou à Tribuna o que pensa da Operação Lava Jato e um pouco sobre a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República. Para Kakay, a vitória do capitão reformado do Exército é desdobramento da operação coordenada por Sergio Moro, que será superministro da Justiça. O advogado nega ser um crítico contumaz da Lava Jato, mas se considera “obrigado” a questionar os erros que produz.

Tribuna Independente – O senhor advoga para réus da operação Lava Jato e tem sido um crítico contumaz da ação chefiada pelo agora ex-juiz Sergio Moro. Qual a sua avaliação da operação, ela vai deixar sequelas no Judiciário brasileiro? Por quê?

Kakay – O primeiro ato da Lava Jato foi prender Alberto Youssef e ele me chamou para advogar para ele. E quando o processo chegou ao Superior Tribunal de Justiça [STJ], eu tinha um habeas corpus [HC] que – à época a operação pequena ainda, sem destaque – com documentos que poderiam anular a Lava Jato, mas assim que entrei com o HC, os procuradores exigiram que Alberto Youssef desistisse do habeas corpus sob pena de não conceder a ele a delação premiada. Daí eu fiz uma petição demonstrando que isso era um ato indigno porque ninguém pode exigir que um cidadão desista do direito de ir ao Judiciário. Ainda naquela época, no início da operação, isso já demonstrava a sanha condenatória e punitiva que iria presidir – como preside até hoje – a Lava Jato. Ou seja, eles estavam ali começando a destruir o instituto da delação, que é importantíssimo. É um instituto extremamente relevante no combate ao crime organizado, mas já àquela época eles começaram a destruir tecnicamente este instituto ao exigir que Alberto Youssef desistisse do habeas corpus. Então, eu vi que essa seria uma regra, que infelizmente se tornou realidade. A Lava Jato, e seus principais operadores, insistindo na delação como meio único de investigação, começou a fazer uma série de abusos jurídicos, sob o prisma humanista, sob o prisma ético exigindo que pessoas fizessem delação e entregassem A ou B. Revertendo completamente o princípio técnico que permeia esse instituto: a espontaneidade, que é o primeiro elemento para qualquer delação. Então eu tive essa experiência no início e saí assim que isso correu da advocacia do Alberto Youssef, mas continuei a acompanhar a operação. Eu não sou um crítico contumaz da Lava Jato simplesmente. Eu sempre faço fortes elogios e ressalta sua importância. Não tenho dúvida que ela conseguiu resultados importantíssimos, pois desnudou um esquema de corrupção institucionalizado, capilarizado, das empresas brasileiras com o serviço e funcionários públicos. Algo que ninguém poderia prever, nem a Polícia Federal, nem os jornalistas investigativos, nem o Poder Judiciário, nem a advocacia. Então, sempre faço menção às grandes vantagens da operação, o que ocorre que eu como advogado, há 35 anos, como cidadão, não sou partidário, pois nunca tive partido, estou inserido no contexto político-institucional do país e tenho a obrigação de fazer uma crítica, aí sim dura, aos excessos da operação.

Tribuna Independente – Existe uma discussão sobre os excessos da Lava Jato em suas críticas?

Kakay – Critico esses excessos, mas quero uma discussão sobre eles. Há três anos, eu percebi que esses excessos se avolumavam devido à espetacularização do Processo Penal nessa operação. Desde cedo esse grupo que coordena a Lava Jato traçou um objetivo muito claro. Veja bem, quando tem uma ação, eles logo pela manhã fazem uma entrevista coletiva de duas horas com delegados, membros do Ministério Público e membros da Receita onde apresentam tudo o que está sendo investigado. O cidadão nem é réu ainda e já tem exposto em todo Brasil. Isso é claramente inconstitucional e abusivo. Mas é feito de forma programada para pressionar o Judiciário, que fica com dificuldade de negar uma ação de prisão ou qualquer outra; depois fazer um pré-julgamento e destruir o moral e a estrutura do investigado para levá-lo, posteriormente, a fazer delação. Tem um procurador da República que, expressamente, por escrito, deu um parecer que as prisões foram sim feitas para conseguir delação. Isso é um escárnio. O cidadão tinha de ser investigado pelo Ministério Público se ele, minimamente, tivesse o interesse de resguardar sua dignidade. Então, essa é a minha crítica e é pertinente, e acho que toda a sociedade tem que discuti-la, ao menos os operadores do Direito e aqueles que têm noção da gravidade do que é isso.

Tribuna Independente – Houve outra situação parecida no Brasil com esta da Lava Jato que o senhor aponta? Se sim, quais e por quê?

Kakay – Já houve operações que tiveram repercussão midiática, também com série de excessos como o ‘mensalão’, por exemplo. Aquilo foi uma operação que, à época, o então presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, disse que a partir do ‘mensalão’ o Brasil ia mudar e que haveria mudança no Poder Judiciário. Isso é melancólico de ouvir. Nós que conhecemos a realidade do Poder Judiciário brasileiro, um poder falido, ineficiente e sem estrutura. Vá perguntar para um cidadão no interior de Minas Gerais ou no interior da Bahia se o ‘mensalão’ ou a operação Lava Jato mudou o Poder Judiciário. É claro que não. Não fez com que fosse mais eficiente, não chegou à população como um todo. Isso é uma visão absolutamente elitista do Poder Judiciário. Eu trabalhei, desde 1992, na operação que resultou no impeachment do [Fernando] Collor. Eu trabalhei em todas elas e acho que a Lava Jato é a maior delas, sem dúvida. Ela pegou uma dimensão muito grande, é uma coisa muito trabalhada que resultou, inclusive, na eleição do Jair Bolsonaro [PSL]. Não tenho dúvidas disso. É só analisar uma figura central da operação que é o doutor [Sérgio] Moro e que ele teve um papel importantíssimo prendendo o principal opositor [Lula] do grupo que ganhou. Deu um papel efetivo da operação [na eleição] com vazamentos, operações desnecessárias, excesso de prisão. Então eu acho que a Lava Jato tem essa marca, uma marca importante porque desnudou o excesso de corrupção, mas também que fixou os excessos dessa operação com o claro desrespeito aos direitos e garantias constitucionais.

Tribuna Independente – Sergio Moro aceitou ser superministro da Justiça de Jair Bolsonaro, medida que gerou uma série de críticas ao ex-magistrado, sobretudo de fazer política com a toga que vestia. O senhor concorda com que ele fez política com a Lava Jato?

Kakay – Se formos ser fiéis ao que ele disse, fez política, sim, com a Lava Jato. Infelizmente. Acho que ele deu uma tapa na cara do Poder Judiciário ao assumir isto. Ele teria que ter uma quarentena ética, no mínimo. Ele mandou prender o principal opositor do presidente eleito, ele vazou vídeo por conta das eleições e coordenou – com mão de ferro – uma série de questões que influenciaram, evidentemente, as eleições. É só lembrar o episódio de que o desembargador, superior e a ele, deu uma liminar de liberdade ao Lula e ele, simplesmente, determinou que a Polícia Federal descumprisse. Em qualquer país civilizado do mundo Sergio Moro seria preso naquele momento, pois estava descumprindo uma decisão do Poder Judiciário superior a ele. O que ele estava fazendo ali? Política. Usando o prestígio da Lava Jato que, convenhamos, a História vai mostrar, não era dele e sim de um cargo de juiz federal – que tem de ser independente, isento, ter o respeito de todos, além de comandar uma operação importante. Agora ele resolveu se exonerar. Veja bem, num primeiro momento ele disse que só se afastaria e iria se exonerar em janeiro, o que é teratológico [decisão deformada, absurda, mal concebida] e começou a ter reações de vários setores da sociedade civil organizada. Eu mesmo fui um crítico ferrenho desde o início. Alguns blogues importantes cobraram a exoneração dele. Não é possível que um juiz, numa vara importante e coordenando uma operação importante, e que segue mandando, estivesse discutindo política pública enquanto ministro já anunciado do outro governo. Isso é um escândalo ético. Acho que por causa da pressão ele fez até uma nota, que não li, e se exonerou. Acho que ele terá muita dificuldade porque terá de enfrentar uma série de questões que colidem com a postura dele. Ele mandou prender várias pessoas no início de uma investigação porque tinha suspeita de caixa 2. O colega de ministério dele, Onyx Lorenzoni, reconheceu que recebeu caixa 2, mas não teve processo porque era um deputado do ‘baixo clero’, sem muita importância. Não tinha mídia, não teve processo. Mas o que acontece? O Moro foi questionado sobre ser colega do Onyx, mas ele respondeu ‘ele pediu desculpas’. Ou seja, inventou outra forma de extinção de punibilidade. Eu queria saber se fosse levado à frente dele, enquanto juiz, um político acusado de caixa 2 e pedisse desculpas se ele extinguiria o processo. Olha eu torço para que o Moro seja um bom ministro. Ele tem competência expressiva para tal, é um homem preparado. Ele não foi um bom juiz porque era muito parcial. Quando ele diz que não pegou um cargo político, ele está brincando com a inteligência dos brasileiros. O Ministério é um espaço político por excelência. É o espaço político número um do Brasil e ele vai ter que se relacionar, institucionalmente, com várias pessoas que investigou. Aquilo agora me parece uma fachada, já que basta pedir desculpas. Mas espero que dê certo porque o Brasil não suporta mais essa instabilidade profunda que vive hoje.

Tribuna Independente – Como o senhor avalia o papel do Poder Judiciário diante da operação Lava Jato e do comportamento ativista de Sergio Moro? Houve cumplicidade?

Kakay – O Judiciário brasileiro vive um momento grave. Infelizmente, o presidente do Supremo disse que é hora de o Poder deixar de ter o protagonismo. Na minha visão, e tenho dito isso nas palestras que tenho feito, vivemos um momento triste na História do Brasil. Temos um Judiciário completamente acuado, sem maior representação e sem combatividade. Isso, certamente, porque os principais líderes estão sendo investigados. E tem que ser. Todo mundo tem que ser investigado se tiver indício de responsabilidade criminal. Só que no Brasil as investigações não acabam nunca e são usadas também para fazer o jogo político. Esse excesso de investigação, sem terminar nunca, fez com que o Legislativo ficasse extremamente enfraquecido. Por outro lado, temos um Executivo – principalmente após o impeachment da Dilma [Rousseff, PT] – sem conexão com a sociedade. Como não existe vácuo de poder, vivemos hoje sob um superjudiciário, extremamente ativista e que nesse momento temos alguns juízes vendo esse vácuo resolveram ocupar o poder com o apoio da grande mídia. Há, sem a menor sombra de dúvida, o uso da Lava Jato com esse contorno político. Na ausência do equilíbrio dos poderes e com esse Judiciário ativista, a Lava Jato passou a ser instrumento importantíssimo de poder.

Tribuna Independente – Quando candidato, Jair Bolsonaro discursou para apoiadores que iria “varrer os marginais vermelhos”, numa clara alusão a militantes e dirigentes de partidos e movimentos sociais de esquerda. Em sua avaliação, o próximo governo vai promover “caça às bruxas” contra opositores?

Kakay – Costumo dizer que o candidato eleito tem uma grande vantagem: ele não mentiu ao povo brasileiro. Ele foi absolutamente claro. Ele disse ‘eu sou contra as liberdades, as garantias constitucionais, eu sou contra as mulheres, eu sou contra os negros, contra os homossexuais, eu sou a favor da tortura’. Então, votou nele quem apoiou esse projeto de poder. Eu não posso criticá-lo porque acho que ele foi correto. Essa tal ‘caça às bruxas’, ele disse muito claramente que ia fazer. Eu entendo – não sou partidário, nunca fui filiado a nenhum partido, mas acompanho a política como todo cidadão que quer ter uma participação ativa na sociedade – que a exclusão do político, entre aspas, tradicional, que faz a democracia ser forte, das discussões é um erro histórico. Toda democracia se fortalece com o jogo político. A democracia pode ser um regime que não seja o ideal, mas é o melhor que existe em todas as sociedades organizadas. Esse jogo feito para tirar os políticos acabou dando certo. Em Minas Gerais foi eleito um não político, um homem sem tradição política exatamente com esse jogo de não-político. O que é grave. Isso foi em Minas, meu estado e de tradições políticas fortíssimas que forjou grandes políticos brasileiros. Esse cidadão que ganhou no Rio de Janeiro, com um discurso de mandar matar as pessoas de fuzil. E, evidentemente, o discurso que nós conhecemos que o foi o qual levou esse grupo à Presidência da República.

 

Fonte: Tribuna Hoje

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