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28 de março de 2024

Anadia/AL, 28 de março de 2024

‘Justiça do Trabalho é a ponte para dirimir conflitos’

ABN - Alagoas Brasil Noticias

Em 8 de dezembro de 2018

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Para Anne Inojosa, é preciso que empregador tenha ciência das suas obrigações sociais com funcionários (Foto: Sandro Lima)

No último dia 30, a desembargadora do Trabalho Anne Inojosa tomou posso como presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) em Alagoas para os próximos dois anos. A magistrada assume o comando da Corte trabalhista no estado em meio a mudanças na legislação e questionamento sobre a própria existência da Justiça do Trabalho. À Tribuna, além de falar sobre as relações de trabalho, ela também critica a maneira como a reforma trabalhista foi aprovada, mas elogia o fim da contribuição compulsória aos sindicatos, o chamado imposto sindical. “A cobrança gerou sindicatos que não cumprem com suas obrigações, não reivindicam efetivamente os direitos de seus associados”.

Tribuna Independente – A senhora toma posse como presidente do TRT em meio a mudanças na legislação trabalhista. Qual a sua avaliação sobre a reforma trabalhista?

Anne Inojosa – Entendo que deveria ter tido mais diálogo sobre a reforma, com os diversos setores interessados. Entretanto, eu vejo que ela trouxe algumas coisas que, de fato, no meu ponto de vista, precisavam ser mudadas. Por exemplo, essa cobrança compulsória de contribuição aos sindicatos, em que os empregados – sindicalizados ou não – tinham que retirar um dia de salário no ano para pagar os sindicatos. Dizem que isso era devido ao fato de que era para cobrir os custos de justiça gratuita, advogados, face às reclamações trabalhistas. Mas existe a convenção 97 da OIT [Organização Internacional do Trabalho] que prega a liberdade sindical, passando por aí essa não compulsoriedade de cobranças a empregados que não queiram participar dos sindicatos. A meu ver a cobrança gerou sindicatos que não cumprem com suas obrigações, não reivindicam efetivamente os direitos de seus associados – no Brasil são 16 mil sindicatos que existem neste país, em detrimento de centenas na Europa e nos Estados Unidos – e faz com que diretorias ali permaneçam por anos e anos sem haver troca de poder. Por quê? Por que esse dinheiro vem para os sindicatos e sequer eles têm de prestar contas desse dinheiro. Isso para mim não se constitui liberdade sindical, não segue a convenção da OIT. Entendo que isso – a retirada da compulsoriedade – já foi um passo. Resta um item que ficou de fora, que é a unicidade sindical, que ainda, no meu entender, prende os sindicatos na sua liberdade, que deve ser conseguida como nos demais para que a convenção da OIT seja observada. E essa questão da diminuição da quantidade de ações na Justiça do Trabalho, eu prefiro que o tempo passe para observar melhor o que está acontecendo. Eu sou uma pessoa que acompanha a Justiça do Trabalho desde criança. Sempre observei que alguns colegas tentavam forçar a barra para conseguir mais coisas, como incluir horas extras nos processos. É preciso ter mais responsabilidade. Não estou dizendo que não tem patrão que não cumpre as obrigações, mas também tem os que cumprem. Essa questão de capital e trabalho, como disse em meu discurso de posse, é uma relação muito conflituosa – e sempre vai ser – porque são coisas muito antagônicas, mas um não pode viver sem o outro.

Tribuna Independente – Nesse bojo do debate sobre a reforma trabalhista houve quem defendeu a extinção da Justiça do Trabalho. A senhora acredita nessa possibilidade?

Anne Inojosa – Acho isso tudo muita precipitação. ‘Vamos acabar com a Justiça do Trabalho’, mas as relações de trabalho vão permanecer. Então, qual a Justiça que vai decidir sobre essas questões? A comum, a Federal? Elas teriam que se subdividir com ramos especializados em Direito Trabalhista. É um Direito muito específico, com muitos detalhes e não é fácil. A gente não tem, por exemplo, um código de processo do trabalho. Se utiliza muito o Código de Processo Civil. Eu sempre fiz questão de aplicar a CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas] em tudo que estivesse ali. Eu sou trabalhista e vou aplicar a legislação do trabalho. Eu sou juíza do Trabalho. Acabar a Justiça do Trabalho, eu acho, que não é possível porque ela faz, justamente, essa ponte, dirime os conflitos que vão sempre existir.

Tribuna Independente – Neste ano em Alagoas cerca de 90 pessoas foram resgatadas de situação análoga à escravidão. Como a senhora avalia a relação entre patrões e empregados nos dias atuais, está mais civilizada?

Anne Inojosa – Deve, e tem que estar, diante de tanta propaganda e tanta fiscalização feitas. O que vejo é que cabe a cada um, a cada empregador, ter consciência das obrigações sociais e de ver o outro como uma pessoa que presta serviço e deve ser respeitado como tal e se dar o mínimo de condições – pelo menos naquele local, mesmo que em casa não se tenha isso. Eu, como empregador, tenho a obrigação de dar condições mínimas de trabalho àquele que estar prestando serviços para mim. Seja de higiene, local decente para dormir, para tomar banho ou para interagir com amigos que também prestam serviço. A minha visão é essa, que os empregadores têm que esquecer que um dia já tiveram escravos, que entendam que as coisas mudaram e que os trabalhadores são seres humanos como quaisquer outros. Tem de se colocar na situação, se gostaria de trabalhar em condições adversas, sem ter onde repousar ou comer. Tem de ter essa conscientização, claro que com a participação do Estado, do Ministério Público e do Ministério do Trabalho.

Tribuna Independente – A senhora citou o Ministério do Trabalho agora. Qual sua opinião sobre a proposta do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) em extinguir o órgão e distribuir suas funções a outros?

Anne Inojosa – Como é uma coisa muito recente, eu prefiro não opinar. Deixo para fazê-lo depois de isso já estar concretizado, pois assim vou saber como tudo vai se dar de maneira concreta. Agora, qualquer coisa que diga será sem fundamentação. O Ministério do Trabalho já foi junto com o da Previdência Social, que às vezes as pessoas não lembram ou não é mencionado. Não é o Ministério do Trabalho quem dá ou tira direitos. Ele regulamenta e fiscaliza se os direitos previstos na Lei são cumpridos. Vamos ver como vai ficar isso. Também é preciso analisar a situação atual do Ministério do Trabalho – e não estou sendo nem contra nem a favor da extinção – estou fazendo uma análise do que ocorre agora. Neste ano houve um escândalo no Ministério sobre a criação de sindicatos. De cada um que pedia autorização para funcionar se cobrava R$ 4 milhões. Aí eu pergunto: por que tanto interesse em ter tanto sindicato? O dinheiro vem fácil. Tem muitos que atuam bem, mas outros que só existem no papel. Você já ouviu falar no Sindicato dos Sapatos Femininos de São Paulo? Li sobre ele quando estava estudando para fazer uma palestra.

Fonte: Tribuna Hoje

 

 

 

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