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29 de março de 2024

Anadia/AL, 29 de março de 2024

Número de transplantes de órgãos cai em Alagoas; fila de espera ainda é grande

ABN - Alagoas Brasil Noticias

Em 26 de janeiro de 2019

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Ana Karolina Gama aguarda na fila de espera por um novo coração | Foto: CortesiaA alagoana Ana Karolina Gama de Moraes, 29 anos, que recebeu um novo coração na última terça-feira (22), acendeu um alerta quanto a prática de doação de órgãos. É que a jovem viu quatro destes órgãos compatíveis com ela se ‘perderem’ devido famílias de pacientes com morte cerebral já declarada não aceitarem o processo do ato. Ana foi diagnosticada com miocardiopatia periparto em outubro de 2017, apenas 48 horas após o parto de sua primeira filha, segundo informou seus familiares.  

De acordo com levantamento da Central de Transplantes de Alagoas concedido à Gazetaweb, até dezembro de 2018 existia uma fila de espera de 457 pessoas aguardando um doador compatível, sendo que 252 pacientes esperavam por doação de rim; 198 de córnea e sete de coração. No mesmo ano, 79 pessoas receberam novas córneas, enquanto 21 realizaram transplantes de rim e quatro de coração. Diferente do ano anterior, em 2017, quando a unidade registrou 134 procedimentos – neste caso, 109 de córnea; seis de coração e 19 de rim.

Para a coordenadora da Central de Transplantes, Daniela Ramos, são diversos os fatores para a recusa da doação, incluindo questões religiosas. “Às vezes as pessoas se assustam quando falam em doação de órgão, além de haver a questão da religiosidade em manter o corpo íntegro para o enterro. Contudo, muitos desconhecem que a cirurgia de retirada dos órgãos é um procedimento que deixa o cadáver pronto para ser velado normalmente em caixão aberto. Entretanto, se for um caso de acidente, o motivo de ser velado em caixão fechado não é devido a retirada dos órgãos e, sim, por causa da gravidade da ocorrência”, explicou. 

Daniela Ramos assegurou que a doação de órgãos só poderá ocorrer se houver autorização da família. Daí a importância do potencial doador, ainda em vida, manifestar esse interesse entre os mais próximos de sua convivência e esclarecê-los sobre o desejo de se tornar doador após a morte. 

“Não adianta deixar nada por escrito. No momento em que for comprovada a morte encefálica e o familiar não autorizar, os médicos não podem fazer nada. É preciso acatar a decisão. Então, é necessário debater sobre o assunto e sensibilizar os familiares. Pois, no momento de dor, de perda, quando fica declarado que o paciente é doador em vida fica menos difícil da família dizer um não”, observou. 

Ainda de acordo com a coordenadora, a Central de Transplantes funciona em regime de plantão, a fim de atender todas as ocorrências. “Trabalhamos 24 horas por dia. É super importante que os nossos fiscais notifique a Central sobre qualquer suspeita de morte encefálica nos hospitais públicos e privados do Estado. Temos uma equipe especializada para isso, em acompanhar, orientar de como é feito o protocolo. Quanto mais se notifica, mais protocolos de doações são fechados”, destacou. 

Notificações

“As notificações de morte encefálica são compulsórias, obrigatórias. Os profissionais de saúde têm por obrigação ligar para os telefones 3376-8186/3315-7440 e avisar da possibilidade de doação de órgãos. É aí que a gente entra em cena para saber da família se concorda com a doação. Se concordar, preparamos os documentos e os médicos iniciam a cirurgia para retirada do órgão”, frisou.

Doação só acontece se família autorizar, diz Daniela Ramos | Foto: Carla Cleto

Em Alagoas, os transplantes de rim são realizados na Santa Casa, no Hospital Vida e no Arthur Ramos. Transplante de coração somente na Santa Casa. Em Arapiraca, no Agreste, o Centro Hospitalar Manoel André realiza transplante de rim. Os transplantes de córnea são feitos no Instituto da Visão, no Instituto de Olhos, no Hospital Santa Luzia e no Hospital Universitário (HU), este vinculado à Universidade Federal de Alagoas (Ufal), onde funciona o Banco de Olhos, que faz captações.

Daniela Ramos ressaltou também que a família do doador não tem despesa alguma com o procedimento da doação, que é custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No País, 89% dos transplantes de órgãos são realizados pelo SUS, segundo dados do Ministério da Saúde (MS). Os órgãos do potencial doador serão transplantados nos pacientes inscritos na lista única, de acordo com a compatibilidade entre o doador e a pessoa que precisa do órgão.

Três tipos

O estado de Alagoas só está credenciado para o transplante de rim, córnea e coração. A Central de Transplantes de Alagoas é a responsável em estruturar e gerenciar as listas de espera. “O trabalho com os três órgãos não impede a doação dos outros, pelo contrário, no momento da autorização da família, há o contato imediato com a central nacional para a discussão sobre como será enviado para outro local”, acrescentou Daniela Ramos.

“Quando ocorre a morte encefálica, mais conhecida como morte cerebral, o coração permanece batendo por pouco tempo e, é neste período, que os órgãos podem ser utilizados para transplante. Já quando o doador é uma pessoa falecida, podem ser retirados para transplante córneas, rins, pulmões, fígado, coração, entre outros. Ou seja, um único doador pode salvar muitas vidas. Além de ser possível ser um doador em vida, sem comprometer a saúde. Nesses casos, é possível doar tecidos, rim e medula óssea”, explicou. 

Após a fila de espera

Lorena sofria de miocardiopatia dilatada e recebeu coração há 9 meses | Foto: Ailton Cruz

Depois de quase cinco meses de espera na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) infantil do Instituto do Coração (Incor), em São Paulo, a menina Lorena Torres, de quase 2 anos de idade, passou por um transplante de coração. O procedimento foi realizado há nove meses, no mesmo hospital. A criança sofria de miocardiopatia dilatada, doença que limitou o funcionamento de seu coração a apenas 11% da capacidade total. O órgão estava tão frágil que foi necessário, na época, o implante de dois corações artificiais enquanto aguardava por um doador compatível.

De acordo com a mãe de Lorena, Larissa Farias, a batalha na fila de espera foi composta por uma mistura de sentimentos. “Tinha momento em que eu pensava que seria impossível achar um doador para a minha filha mas, também, tinha uma fé muito grande e algo dentro de mim dizia que ia aparecer. O desespero era maior quando o quadro dela piorava, contudo, acreditava que no momento certo Deus ia preparar uma família que aceitaria doar”.

Larissa Farias contou que recebeu o telefonema da equipe médica informando de um possível doador compatível às 5h de um sábado. Depois de exames, constatou-se que o órgão poderia ser transplantado e a cirurgia foi marcada. A operação durou cerca de seis horas. “O procedimento cirúrgico demorou mais porque foi preciso retirar os dois corações artificiais. Mas, quando colocaram o coração doado, já começou a bater. Foi lindo”, disse. 

Sobre a rotina após o transplante, Larissa informou que a filha vem levando uma vida normal, mesmo tendo que dividir seu tempo com as consultas médicas. “Lorena faz fisioterapia 5x por semana e fonoaudiologia 3x. Ela também vai fazer terapia ocupacional porque a parte motora dela atrasou muito devido ao tempo de internação. Ela tinha quatro cânulas dentro da barriga e não podia fazer fisio, além de ter dificuldade para sentar, se mexer, então estamos correndo atrás do tempo perdido. No momento ela já está podendo sair para lugares abertos e, até, frequentar a praia. Ainda existe uma restrição a lugares aglomerados. Se for, apenas para consulta médica que, às vezes, é em clínica ou hospital. Já em relação a alimentação, Lorena pode comer tudo, no entanto, os médicos falam em um certo limite. Ter cuidado com o açúcar e ficar de olho no colesterol”.

Larissa também se disse confiante em relação ao desenvolvimento da filha no futuro. “É nítido o avanço quando comparamos com os dias em que a Lorena estava bastante debilitada. Hoje ela já me chama por mamãe, está começando a formar algumas palavrinhas, fazendo gracinhas de crianças. Atividades físicas ela também vai poder fazer, visto que é muito importante para a vida dos transplantados. Então ela vai ter uma vida normal. Vai ser uma criança que vai estudar e brincar”, ponderou. 

Claret Diogo passou 255 internados até receber novo coração | Foto: Cortesia | Gazeta Web

Quem também passou pelo mesmo transplante no ano passado foi o comerciante Claret Diogo Pinto, 49 anos. O novo órgão foi necessário após descobrir uma miocardiopatia dilatada em 2012. De lá pra cá, viu tudo em sua volta mudar. Após uma recaída em 2017, teve de ficar internado à espera de um novo coração. No total, foram 255 dias de internação entre um hospital de Maceió e o Incor, em São Paulo. 

Sobre os dias em que ficou na fila de espera, Diogo foi franco.”É sempre uma situação sofrida, muito complicada. Fiquei na UTI por muito tempo, na esperança se ia, ou não, chegar o meu coração. Eram dias de muita angústia”. 

Após o transplante, o comerciante garantiu que a luta valeu a pena. “Tudo na minha vida mudou. Para se ter uma ideia, antes eu nem aguentava andar um metro de distância. Já depois do transplante, logo no terceiro dia de recuperação, comecei a caminhar normalmente e com uma sensação melhor”. 

Ele também contou que são mínimas as restrições após o procedimento cirúrgico, bem diferente do que muitos pensam. “O paciente se submete ao transplante para ficar bom, não para sentir dor ou ter complicação. Hoje levo uma vida normal. Acordo cedo e vou trabalhar. São poucas as limitações de comidas também. É só tomar os remédios na hora certa que a chance de rejeição é mínima”, assegurou ele, que é pai de uma menina de sete anos e espera mais uma filha com a sua esposa, Pauline. 

Ciente do quadro clínico da alagoana Ana Karolina, citada no início da reportagem, Diogo disse que já a visitou no hospital e torce para a sua vitória. “Venho conversando e visitando a Karol. Digo a ela e a todos que estão na mesma situação que é preciso ter esperança e que o novo órgão uma hora ou outra vai chegar. Só não sabemos o dia e a hora, então, precisamos ter fé”, concluiu. 

Após um ano do procedimento cirúrgico, Diogo viajou com a família até Canoa Quebrada, no estado do Ceará. Na ocasião, o comerciante aproveitou para saltar de tirolesa. “Atualmente faço coisas que antes eram impossíveis. Estou me aventurando mais”, brincou. 

Falta de imunossupressores

Pacientes transplantados estão com dificuldades para conseguir acesso a dois imunossupressores importantes para a continuidade do tratamento após a realização do transplante de órgão. Os medicamentos em falta são Microfenolato de Sódio e o Tracolimo, que são fornecidos pelo Ministério da Saúde (MS) e distribuídos pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) aos municípios e para os pacientes, que retiram a medicação no Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (Ceaf) .

Dois imunossupressores estão em falta no estado de Alagoas | Foto: Divulgação

Lilian Ferreira, 29 anos, que durante sete anos passou por inúmeras sessões de hemodiálise e há 10 meses conseguiu fazer o transplante de rim em Recife, no estado de Pernambuco, contou que corre o risco de perder o órgão caso não receba o medicamento. “Estou desesperada. Não consegui pegar minha medicação e só tenho para mais alguns dias. No mês passado já estava faltando o Tracolimo e, nesse mês, só peguei o medicamento de 1 mg.  Agora estou tomando uns que um colega me cedeu”.

“Já sofri muito, pois quem faz hemodiálise sabe o quanto  almejamos um transplante para poder viver com uma qualidade de vida melhor”, acrescentou ela, que é moradora do município de União dos Palmares, no interior do Estado.

Cada paciente toma uma quantidade diferente dos medicamentos. O que mais falta, segundo Lilian, é o de 5 mg. Para suprir a falta, o órgão vem distribuindo uma dosagem menor, o que equivale a 1 mg.

Em nota, a Sesau esclareceu que os medicamentos integram a lista dos medicamentos cuja aquisição é de responsabilidade do Ministério da Saúde (MS), que informou ter havido um incêndio na fábrica do Laboratório EMS de Hortolândia (SP), resultando no atraso da produção, o que comprometeu a distribuição para todos os estados.

Fonte: Gazeta Web

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