Instrutora de tiros Júlia Nunes aponta as facilidades dadas pelo governo federal à aquisição de armas como responsáveis pelo aumento de registros (Foto: Edilson Omena) | 12:11
O número de alagoanos que adquiriram autorização para o uso de arma de fogo aumentou no ano passado em mais de 100% quando comparado com os números de 2019. Foram 2.515 registros de novas armas pela Polícia Federal (PF) em 2020, contra 1.253 em 2019.
A liberação do acesso a armas de fogo é uma das principais bandeiras do presidente Jair Bolsonaro que defende o acesso para defesa pessoal. No entanto, estudiosos da área criminal dizem que mais armas circulando causam aumento da violência e dos homicídios em todo o país.
De acordo com a instrutora de tiros, Júlia Nunes, o aumento no número de registros se deve pelas facilidades dadas pelo Governo Federal para a aquisição de armas, sobretudo no período de confinamento vivido em 2020, em que as pessoas se sentiram inseguras em suas casas e decidiram adquirir a arma de fogo.
“A posse [autorização para ter arma em casa ou em estabelecimento] é para ter uma arma de fogo em sua residência ou no trabalho. Isto é, local fixo, não podendo sair. Já o porte não. Ele dá direito ao indivíduo de transitar com a arma de fogo. A renovação do porte ou da posse vai depender de uma análise da Polícia Federal, que vai avaliar a necessidade efetiva, já que é o órgão que determina o prazo”, explica Júlia Nunes.
De acordo com o presidente da Comissão de Estudos Criminais da OAB/AL, advogado Marcelo Herval, o aumento significativo observado, no último ano, nas solicitações para registro de armas de fogo se justifica, em grande medida, devido à postura ideológica abraçada pelo atual Governo. “O atual presidente da República, desde suas campanhas eleitorais, vem se colocando manifestamente favorável à ampliação das hipóteses de concessão de armas de fogo no Brasil. Isso vem reverberando nos últimos atos normativos editados pelo chefe do Executivo”.
No entanto, o advogado alerta: “muitos desses decretos são nitidamente inconstitucionais. Isso porque extrapolam sua função meramente regulamentar, contrariando o que está disposto na legislação ordinária — neste caso, no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003)”.
Segundo o presidente da Comissão de Estudos Criminais, o Decreto Executivo tem o objetivo de apenas esclarecer e facilitar o cumprimento daquilo que está previsto em uma lei. “Ele não pode ser contrário ao que a lei dispõe, porque sua hierarquia é inferior a esta. Existem, hoje, diversas ações em trâmite no Supremo Tribunal Federal, objetivando anular os decretos editados pelo presidente da República”, destaca.
“Em uma dessas ações, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6.134/DF), houve recente parecer da Procuradoria-Geral da República reconhecendo a inconstitucionalidade dos decretos presidenciais que alteram o Estatuto do Desarmamento. Significa que o Ministério Público Federal entendeu que esses atos editados pelo Presidente são inválidos. Ao que tudo indica, a Suprema Corte deverá julgar em breve essa ação, com possibilidades significativas de frear as tentativas do presidente de ampliar o acesso às armas de fogo, visto que caberia ao próprio Congresso Nacional legislar e decidir sobre a matéria”, explica Marcelo Herval.
Cadastro para colecionadores, caçadores e atiradores desportivos sobe 150%
De 1.995 em 2019 para 4.984 em 2020. Este foi o crescimento de processos aprovados para o cadastramento de novas armas para colecionadores, atiradores esportivos e caçadores em Alagoas (denominada CACs), um aumento de quase 150% em comparação ao mesmo período do ano anterior. Os dados são da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados, do Exército Brasileiro – 7ª Região Militar.
Conforme André Sampaio, advogado criminalista, a utilização de armas de fogo deve ser feita, em regra, pela polícia, que é quem deveria ter o preparo psicológico e técnico, além da devida fiscalização contínua, acerca de sua utilização.
Para ele, armar a população significa, em última análise, “terceirizar” o ofício público da manutenção da segurança social para o indivíduo. O que em um primeiro momento abrange os mais ricos, tendo em vista o custo para a aquisição de armas de fogo. Mas que em última instância também alcança as populações pauperizadas, já que a maioria das armas clandestinas no Brasil é adquirida justamente por meio da subtração de armas legais.
“O desejo de certa parcela da população de se armar não é recente, mas encontrou na plataforma política do atual presidente um catalisador; por mais que em um primeiro momento possa refletir uma postura proativa da população face às políticas de segurança pública, pouco eficazes, os verdadeiros motivos podem ser bem mais profundos e ligados à própria construção social do masculino, adestrado socialmente para se impor pelo medo”, salientou André Sampaio.
CRIMES VIOLENTOS
O advogado e membro da Comissão de Estudos Criminais reforçou que um maior número de armas de fogo não só não aumenta a segurança como incrementa o risco de crimes violentos. Para ele, quando se fala de causas de crime o problema é sempre complexo, pois se tratam de múltiplos fatores, mas há inúmeros estudos que comprovam a tendência de um aumento de crimes violentos com a introdução de mais armas de fogo, como os citados acima.
“Até se pode imaginar que campanhas massivas de desinformação possam ter alimentado o imaginário, incitando a imagem do homem “seguro, pois armado”, porém facilitar o acesso a armas, além de se tratar de medida irresponsável, socialmente falando, veio agregada à supressão de ao menos dois elementos de segurança – que permitem rastrear a origem das armas quando os itens de identificação comuns; em portaria do dia 22 de julho de 2020, o ministro de Estado da Justiça e da Segurança Pública retirou a obrigatoriedade de as armas da Força Nacional terem dois itens dessa categoria — um chip que possibilita a identificação por radiofrequência de códigos indeléveis, e códigos criptografados alfanuméricos, impressos em locais distintos da arma”, detalha André Sampaio.
“Tratam-se de portarias de constitucionalidade duvidosa, mas para, além disso, convém se analisar politicamente, para buscarmos responder a ainda insolúvel questão: o que deseja o governo ao dificultar o rastreio de armas de fogo?”, conclui.
Campanha do desarmamento perdeu força em Alagoas
Para a secretária de Prevenção à Violência de Alagoas (Seprev/AL), Esvalda Bittencourt, o Brasil passou por um momento de transição política, cujas políticas públicas precisaram ser reformuladas ou seguem aguardando definições, como a política nacional de desarmamento.
Em 2019, foram liberados os portes e posses de armas de fogo para novas categorias profissionais, que antes não possuía, como por exemplo, os guardas municipais e agentes socioeducativos. Para a secretária Esvalda Bittencourt, esta liberação também pode ter acarretado no aumento do número de porte de armas de fogo em Alagoas, como em todos os estados brasileiros.
“Infelizmente a cultura do armamento não é nova no Brasil. Exatamente por isto a Seprev teve sempre o cuidado de não trabalhar de forma a ‘desarmar’ a população, mas sim de conscientizá-la sobre os riscos da arma de fogo, orientando para a entrega voluntária”, garantiu.
A secretária de Prevenção à Violência de Alagoas finalizou fazendo um alerta para que se siga buscando formas de trabalhar este conceito, esta temática, educando a população para a mediação de conflitos, para a prevenção da violência, sem armas de fogo.
Fonte: Tribuna Hoje