Durante a alta temporada de verão em Florianópolis, muitos argentinos e turistas do Mercosul que visitam a cidade viralizaram com vídeos curiosos no Tiktok. Nos vídeos, os turistas se impressionam com os valores da comida e das roupas, e afirmam que a capital catarinense é o melhor lugar para comprar os itens, com o melhor custo.

“Adivinhando quanto gastamos no supermercado (comida para aproximadamente 9 dias)”, é o título de um dos vídeos que viralizaram na última semana nas redes sociais, com mais de 765 mil visualizações. No conteúdo, uma família argentina brinca de tentar adivinhar o valor da compra, e quanto eles teriam gastado comprando as mesmas coisas na Argentina.

O maior valor estimado pela família foi de 420.000 pesos argentinos (R$ 2.289,26), mas o valor da compra nos supermercados de Florianópolis foi de 107.956,38 pesos (R$ 588,44).

A criadora de conteúdo Agos Gatti, que fez o vídeo com a família, diz que a maioria dos argentinos estão surpresos com os valores de mercado no Brasil, devido a alta nos preços na Argentina. Segundo Agos, o carrinho de compras tinha o que eles consideravam confortável para passar nove dias, em uma viagem com quatro pessoas. Além de comida, ela explica que o que deixou eles impressionados com o valor, é que eles também compraram outras coisas como cooler e pranchas de bodyboard, entre outros itens.

Esse tipo de comparação acabou virando uma febre entre os turistas. A influencer Florencia Figola também fez alguns vídeos mostrando os valores de roupas em shoppings na Grande Florianópolis. No vídeo, Florencia explora lojas e expõe a diferença de câmbio nos valores, principalmente em camisas de futebol.

Segundo ela, o que mais impressiona é a qualidade da “roupa de shopping” ser tão boa e de baixo custo, pois de acordo com Florencia, na Argentina os valores de roupas em shoppings são exorbitantes.

A criadora de conteúdo, Chule Reale também fez alguns vídeos mostrando os valores de mercado em Florianópolis. No vídeo, a criadora de conteúdo começa dizendo: “eu vou vir morar no Brasil”, e depois mostra a diferença de valores, entre o peso argentino e o real, de bebidas alcoólicas, chocolates e salgadinhos em uma rede de supermercados.

Chule conta que veio para o Brasil sem nada e está na casa de um amigo. Para ela, fazer compras no Brasil está sendo “muito mais vantajoso, para conseguir comprar mais por menos”.

Comida, roupa e até pneus

De acordo com a gerente de marketing do Villa Romana Shopping, Cláudia Janjar, a maior procura dos argentinos é pelos baixos preços em marcas internacionais, já conhecidas por eles, mas com um custo mais baixo. Lojas como Sephora, Zara, Tommy Hilfiger, Cotton On, Adidas, Lacoste, e principalmente itens de esporte são as preferidas dos “hermanos”.

Além disso, a influência das redes sociais, como o Tiktok, por exemplo, acaba impulsionando as vendas de produtos brasileiros, como a Havaianas. Segundo a gerente, a marca entra dentro do catálogo de lojas que fazem parte do crescimento de vendas durante essa “onda argentina”. Além dela, lojas como Renner e O Boticário também integram a grande procura dos turistas.

— Eles vêm para o shopping determinados a comprar, eles não estão interessados no lazer ou ficar perdendo tempo tomando drink num restaurante. As lojas estão cheias, você passa pelo shopping e vê elas movimentadas, não somente os corredores — diz a gerente.

Segundo as influencers, além das roupas, os turistas também buscam alimentos que não estão conseguindo consumir na Argentina. Os criadores de conteúdo, Milene Acosta e Marcos Paris compartilham experiências gastronômicas e viagens com a página TeGustoParis? no Tiktok. Nas últimas semanas, eles viralizaram na plataforma com conteúdos que mostram a diferença de valor entre a Argentina e o Brasil. Os mais acessados são aqueles vídeos que mostram o quanto um turista pode chegar a gastar em uma praia ou loja na região Sul, principalmente em Florianópolis.

Em um desses vídeos, Marcos decidiu fazer um levantamento dos valores que paga fazendo compras em um mercado na Argentina, comparando com os do Brasil. No vídeo, o influencer faz um balanço entre a rede de mercados Fort Atacadista e a rede argentina Magia.

Produto Brasil Argentina
Coca-cola 2,5L R$ 11 $ 3.690
30 Ovos R$ 20 $ 6.385
Bolacha recheada 280 g / 180 g R$ 10 $ 2.660
Bolacha salgada R$ 4,79 $ 2.260
Pão de forma R$ 5,99 $ 3.691
Batata Frita 2 kg / 1.4 kg R$ 32 $ 9.371
Macarrão 500 g R$ 3,85 $ 1.299
Arroz 1 kg R$ 6,39 $ 2.710
Água 5L / 6L R$ 6 $ 1.619
Cerveja R$ 6 $ 3.019
Repelente R$ 24 $ 3.376
Protetor Solar R$ 30 $ 12.375
Cachaça R$ 16,90 $ 3.998
Cerveja (outra marca) R$ 3,29 $ 750
Café 500 g R$ 11,79 $ 4.798
Queijo 150 g R$ 7 $ 2.398
Presunto R$ 6 $ 1.598
Papel Higiênico (8 rolos) R$ 6 $ 1.658
Fonte: levantamento feito pelo argentino Marcos Paris.

Somando tudo, o valor da compra na rede de mercados brasileira foi de 39.108,64 pesos (R$ 211), na rede argentina os gastos sairiam por 67.655 pesos (R$ 375,01). Segundo Marcos, essa diferença atrai os argentinos. Ele conclui que há mais vantagem em “dirigir alguns quilômetros a mais” para fazer compras no Brasil, mesmo com os gastos da gasolina.

Carne bovina e fast food

Dentro e fora do mercado, os argentinos também buscam a carne bovina. A carne é um alimento “sagrado” para os argentinos, que são os maiores produtores de carne bovina e de frango da América do Sul, depois do Brasil, conforme as informações do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.

Dados da Bolsa de Comércio de Rosário mostram que o consumo de frango, na Argentina, saltou em 2024 para 49,3 kg per capita, superando o de carne bovina, que caiu para 48,5 kg. A carne suína subiu para 17,7 kg per capita.

O consumo de fast food também apresenta um significante crescimento dentro dos shoppings, segundo a gerente Claudia Janjar. De acordo com a edição de janeiro do Índice Big Mac, feito pela revista britânica The Economist, o peso argentino está sobrevalorizado em 20,1%.

Olhando pelo outro lado do ranking, ainda sobre os dados da revista, o real aparece como uma das moedas mais desvalorizadas. O Big Mac custa R$ 23,90, o que equivale a 4 dólares. O valor do lanche é 30,5% mais baixo do que o cobrado nos EUA.

Ou seja, comer um Big Mac em Florianópolis sai 30% mais barato do que comer o mesmo lanche em Miami. A distorção acontece devido à taxa de câmbio que tem subido menos do que a inflação argentina.

Veja fotos de argentinos em Florianópolis

Peso argentino valorizado em relação ao dólar

De acordo com o professor de comércio internacional do curso de Administração da Udesc/Esag, Marco Seifriz, essa busca por valores mais baixos acontece porque a Argentina ficou mais cara em dólares, já que o governo manteve o controle sobre a cotação do peso, permitindo uma desvalorização da moeda mais lenta do que a inflação.

Além disso, o peso argentino valorizou-se mais em relação ao dólar do que o real, criando um cenário que tornou o Brasil, e consequentemente Florianópolis, um destino cada vez mais atrativo para os turistas que utilizam o dólar como moeda de pagamento.

O professor explica ainda que há uma análise sobre o perfil dos turistas que frequentam essas lojas. Segundo ele, na Argentina quase 50% da população está abaixo da linha da pobreza, ou seja, na classe D, e quem está vindo para o nosso litoral são as pessoas da classe B, com maior poder aquisitivo.

— Estamos muito acostumados com a presença de argentinos aqui desde a década de 70, mas consumo, comportamento consumidor dessa forma eu particularmente nunca vi. Algum artigo ou item, tipo da Decathlon que explodiu nesse verão, você compra por 50% a menos aqui no Brasil, em função desse ganho cambial para quem está com dólar na mão — diz o professor.

Número de turistas argentinos quase dobrou

Segundo o Observatório de Migrações Internacionais, só em dezembro de 2024, Santa Catarina registrou a entrada de mais de 44 mil argentinos, 90% a mais do que no ano anterior. Mais de 93 mil argentinos entraram no Brasil pelo Rio Grande do Sul, representando um aumento de 102,2% em relação ao mesmo período em 2023.

Seifriz explica que essa vinda ao Brasil acontece pois, mesmo com a desvalorização do real, os estoques de comércio no Brasil estão bem posicionados em função de não haver nenhuma crise de oferta ou demanda. Ao contrário da Argentina, onde os estoques estão zerados em alguns setores, em função dos processos hiperinflacionários, que ainda se recuperam.

A Argentina viveu nos últimos 15 anos um processo recessivo bem expressivo, perda da capacidade salarial e perda do poder de compra que desgastaram muito e enfraqueceram o bolso do argentino. Durante essa fase aguda de desaceleração da economia argentina, muitos turistas, sobretudo das classes média e alta, começaram a fazer depósitos em dólar no exterior, no sentido de se proteger das oscilações econômicas do país, segundo diz o professor.

— O que está acontecendo agora mais recentemente? Em função de um novo status de gestão governamental, eles começam a apresentar sinais de crescimento econômico, colocando um fim ao período recessivo. Dentro dessa perspectiva, muitos desses argentinos que mantinham depósitos de valor em dólar, estão repatriando essa poupança. Ou seja, o ambiente econômico argentino inchou, digamos assim, de dólar, fazendo com que a própria moeda peso argentino se valorizasse frente a esse dólar.

Por fim, Seifriz explica que as redes sociais, hoje em dia, são um “gás” a mais dentro do que vem sendo a economia e a vontade do consumidor de gastar menos. Segundo o professor, o comprador argentino é atraído através da experiência de outros consumidores.

— Você abre um vídeo e vê, “olha que barato, estou aqui no Brasil”, e isso abre uma margem para a pessoa que está vendo aquele vídeo querer fazer aquilo também, querer gastar pouco. O pessoal está com o dólar na mão, eles vão embarcar num carro, vão pegar um avião, vão entrar no ônibus e vão curtir Floripa e ainda comprar muito bem com essa moeda forte (dólar) — conclui.

Como o comércio vê a “onda argentina”

A busca pelo custo mais baixo fez os lojistas de Florianópolis estimarem que as vendas de janeiro tenham ultrapassado as de dezembro, que normalmente é o mês com melhor movimento no comércio devido as festividades de fim de ano.

A Federação de Comércio de Santa Catarina (Fecomércio-SC) aponta que os argentinos estão gastando 37% a mais do que na última temporada.

A Fecomércio garante que, apesar da alta procura, os comerciantes estão preparados para atender a esse aumento no volume de vendas, por conta dos estoques abastecidos. Mas a procura recorde dos “hermanos” pelos produtos do comércio catarinense também gera preocupação e exige adaptações na logística das empresas.

Dentro dos shoppings, a gerente de marketing do Villa Romana Shopping aponta que, entre janeiro de 2024 e de 2025, as vendas cresceram em 75%. Para comparação, entre janeiro de 2023 e 2024 o aumento das vendas foi de apenas 10%. Segundo Janjar, grande parte desse resultado se da devido à preparação do shopping diante das possibilidades de uma alta temporada.

— Nós investimos, se preparando para a temporada. A gente tem pessoas já capacitadas para atendimento em espanhol nos dois turnos. Isso acaba gerando muito mais empregos.

A gerente diz que é possível dizer que as vendas de dezembro superaram as vendas de janeiro, em percentual. Em dezembro, as vendas do shopping aumentaram em 20%, em comparação a dezembro de 2023. Ou seja, comparando o crescimento das vendas de janeiro a janeiro e de dezembro a dezembro, o shopping lucrou mais durante a “onda argentina”.

— Esse crescimento é extremamente positivo, não só para o shopping, mas principalmente para a cidade, porque todo o nosso potencial aumenta em ganho para a economia local. Os empreendedores, o varejista, o comerciante, eles têm a oportunidade de economicamente fazer esse dinheiro girar e se capitalizar muito mais e reinvestir — conclui.

Redação com NSC Total

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