Por Cynara Menezes
Quem é que “banaliza” o Holocausto mesmo? Em novembro do ano passado, após o ataque terrorista do Hamas que matou 1200 pessoas, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu não hesitou em comparar o líder do grupo, Yahya Sinwar, a Adolf Hitler. “Sinwar não liga para seu povo e age como um pequeno Hitler em um bunker. Seu povo não está interessado nele”, disse Netanyahu.
Desde então, o governo israelense já matou em represália quase 30 mil palestinos, a maioria mulheres, adolescentes e crianças. Adequando a mesma metáfora ao número de mortos nos dois casos, seria Netanyahu então um “grande Hitler” escondido em seu bunker? Mas, enquanto o líder do Hamas, acusado de arquitetar o atentado de outubro, está jurado de morte pelo exército de Israel, o sanguinário Netanyahu continua protegido pela imprensa e pelos governantes do mundo ocidental.
O primeiro-ministro israelense acusou o presidente Lula de “banalizar o Holocausto” ao comparar o extermínio de palestinos que ele está perpetrando em Gaza ao extermínio de judeus que Hitler promoveu na Segunda Guerra, enquanto ele mesmo usa a comparação o tempo todo para tentar vitimizar seu governo genocida. Em uma entrevista à televisão norte-americana NBC, ele equiparou os estudantes que protestam nos EUA contra o massacre de palestinos a “apoiadores do nazismo”.
Para justificar o massacre que promove em Gaza, Netanyahu usa e abusa de paralelos entre o exército assassino de Israel com os Aliados na Segunda Guerra Mundial. “Contra quem você protesta? Você protesta contra os nazistas ou protesta contra os aliados? O que essas pessoas estão fazendo é protestar por pura maldade. Isto é errado. Atenção, isso é uma condenação. É uma acusação ao ensino superior em algumas de nossas universidades”, disse.
Logo que o ataque ao Hamas aconteceu, rapidamente Netanyahu lançou mão das metáforas sobre a Segunda Guerra. “É o maior ataque ao povo judeu desde o holocausto”, declarou, em entrevista à CNN dos EUA. Durante a visita do presidente francês Emanuel Macron a Tel Aviv dias após o atentado, o premiê israelense também chamou o Hamas de “o novo nazismo”.
Em janeiro deste ano, brandiu um exemplar em árabe do Mein Kampf (Minha Luta), a autobiografia de Adolf Hitler, para reforçar a comparação. “Tenho aqui o livro de Hitler em árabe, Mein Kampf. Foi encontrado pelos nossos soldados nas casas de civis na Faixa de Gaza. Eles encontraram ali uma extensa literatura antissemita e nazista. É sobre isso que eles educam seus filhos”, acusou Netanyahu, como um Bolsonaro do Oriente Médio sacudindo o “kit gay”.
Em seguida, acusou o governo sul-africano de agir “em nome dos novos nazistas” por ter acionado a Corte de Haia contra Israel: “Não há maior absurdo que precisamente ontem, na véspera do Dia Internacional do Holocausto, vieram a Haia para nos acusar da falsa e escandalosa acusação de genocídio. Em nome de quem eles vieram? Em nome do Hamas – em nome dos ‘novos nazis’– que vieram cometer genocídio contra nós.”
Vocês viram alguma voz na mídia comercial se erguer para defender o governo da África do Sul de atuar em prol do “novo nazismo”? Alguém criticou a “banalização do Holocausto” por Netanyahu? Detalhe: Israel foi um dos últimos governos do mundo em romper com a África do Sul na época do apartheid. Em 1975, chegou a assinar um acordo secreto para a venda de armas ao regime racista de Pieter Botha, com quem o então premiê Shimon Peres tinha ótimas relações. Só foi aplicar sanções à África do Sul do apartheid em 1987, por pressão dos EUA – e hoje Israel é acusado de apartheid pelos palestinos.
O filho de Netanyahu, Yair, que está confortavelmente instalado na Flórida enquanto seus compatriotas dizimam palestinos, foi pelo mesmo caminho ao comparar à milícia nazista os manifestantes que protestavam contra a controversa lei da reforma judicial que impedia a Suprema Corte do país de anular decisões do governo. “Eles usam os mesmos métodos dos camisas-pretas na Itália e da SA na Alemanha”, disse Yair. Em janeiro, por um placar apertado, a Suprema Corte derrubou a lei.
O cúmulo do uso do Holocausto por Netanyahu para atingir adversários aconteceu em 2015, quando o primeiro-ministro israelense –pasmem!– minimizou o papel de Adolf Hitler para acusar uma liderança religiosa palestina pelo extermínio de judeus. Diante da plateia do 27o Congresso Sionista, em Jerusalém, disse que “Hitler não queria exterminar os judeus naquele momento (novembro de 1941), queria expulsá-los”, mas o mufti de Jerusalém Haj Amin al Husseini “o convenceu” de que se ele não matasse todos os judeus, eles iriam para a Palestina.
As fake news são um vício da extrema direita em qualquer parte, está no DNA deles desde Goebbels. Na verdade, Hitler já havia começado a construir campos de concentração na Polônia meses antes do encontro com Al Husseini. A falsidade histórica foi tanta que historiadores judeus contestaram a versão e o próprio governo alemão se declarou responsável pelo holocausto. A então chanceler Angela Merkel o corrigiu em público, ao lado dele em uma entrevista, afirmando que os alemães têm muito claro em suas mentes que os nazistas foram os responsáveis.
Não é interessante que só Benjamin Netanyahu esteja autorizado a apontar paralelos com o nazismo? O que lhe dá o direito? Por acaso é o representante do povo judeu na Terra? Não, é apenas mais um governante de extrema direita na História a cometer atrocidades. Genocida não tem raça, não tem gênero, não tem religião, não tem origem, não tem lado ideológico. Genocida é genocida.
Redação ABN C/ Revista Fórum