O problema da segurança pública no Brasil passa, sobretudo, pelo déficit de nossas polícias. Essa é a análise do advogado Antônio Baptista Gonçalves, que presidiu a Comissão de Criminologia e Vitimologia da Ordem dos Advogados do Brasil Secional São Paulo (OAB-SP) por quase três anos e, hoje, lidera a Comissão de Valorização da Advocacia da instituição. Ele esteve na sede da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), na última terça-feira (9), para discutir o tema com membros da Entidade e do Fórum Empresarial de Modernização do Estado, órgão ligado ao Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política da Federação.
“No quadro da Polícia Militar, existem algumas distorções ainda piores, como no Rio de Janeiro, onde há mais sargentos do que soldados, o que onera o orçamento público com o pagamento de salários, e não com investimentos em tecnologia ou equipamentos. É preciso lembrar que o soldado é quem fica responsável pelas rondas e pelo primeiro acolhimento à população — e esse é o principal déficit da PM-RJ”, prosseguiu o especialista, que é pós-doutor pela Universidade de La Matanza, na Argentina, e autor do livro PCC e facções criminosas, lançado em 2020 pela editora Revista dos Tribunais. “Não é só no Rio de Janeiro; isso acontece também em Estados como Roraima e Amapá.”
Alguns dados corroboram essa percepção. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil conta com quase 405 mil policiais militares na ativa atualmente, além de 96 mil civis. Considerando o padrão utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), de 1 policial para cada 250 habitantes, o País tem um déficit de 179 mil militares e de 55 mil agentes civis. Em cidades como São Paulo, em que algumas regiões convivem com aumento de ocorrências de roubos e furtos, como o centro da metrópole, esse número é de 0,9 para cada 500 pessoas. As desigualdades, porém, fazem com que o Amapá tenha 2,1 policiais para cada 500 — quase o padrão da ONU. Há quase dez anos, um projeto (PL 391/2015) tramita no Congresso para estipular, como base, a presença de ao menos 1 agente para cada 300 habitantes.
“Como temos menos polícia do que precisávamos, o resultado é que a insegurança aumenta no dia a dia, já que falta patrulha e, além disso, não há como investigar e esclarecer os crimes, função que seria de responsabilidade da Polícia Civil. Isso gera uma série de efeitos prejudiciais para a segurança pública”, analisou Gonçalves.
Uma dessas consequências, na visão do advogado, é que os agentes na ativa acabam se comportando de forma mais reativa do que deveriam, na medida em que enfrentam a criminalidade diretamente — e não atuam para preveni-la. Trata-se de um fator explicativo para o alto número de mortes envolvendo policiais. O alto número de homicídios é outro produto do problema, mesmo com os indicadores oficiais recentes apontando queda. Para se ter uma ideia, o Brasil, com 2,7% dos habitantes do planeta, responde por 20,4% dos assassinatos que ocorridos no mundo todo. É o 11º país mais violento do mundo, com uma média de 22,36 mortes dessa espécie a cada 100 mil pessoas. “Estamos falando de pessoas jovens, de uma faixa etária entre 15 e 29 anos, que conseguem acessar armas ilegalmente com muita facilidade. Mesmo com a redução nos homicídios, o cenário brasileiro ainda é assustador”, ressaltou.
Enquanto isso, alguns locais do País permanecem em situação complexa. Em São Paulo, dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado mostraram, por exemplo, que, entre janeiro e setembro do ano passado, foram registradas, aproximadamente, 16,5 mil ocorrências de roubo apenas no centro da capital — o maior número desde o início da série histórica, em 2001. É uma média de 45 casos diários só na região, considerando que, segundo especialistas, apenas metade das vítimas apresenta notícia-crime à polícia.
Já no Estado do Rio de Janeiro, os roubos de celulares subiram 15,7% entre janeiro e novembro do ano passado, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), embora, no cômputo geral, as ocorrências de roubo tenham caído 17%.
Prejuízos econômicos
Além dos casos mais violentos, há ainda toda uma economia em prejuízo por causa desse diagnóstico. Recentemente, a FecomercioSP calculou que empresas paulistanas estão gastando cerca de R$ 60 bilhões por ano com custos envolvendo segurança — adicionando valores indiretos, esse montante chega a R$ 200 bilhões anuais no Estado.
Considerando os impactos sobre os negócios, cada consumidor paulista acaba pagando, em média, R$ 1,36 mil ao ano em custos diretos e R$ 4,54 mil em gastos indiretos, em valores que se entremeiam nos preços dos produtos e serviços consumidos. Os relatórios da Entidade ainda mostram que, em São Paulo, as despesas das empresas com segurança chegam a R$ 170 bilhões por ano. “O desafio é que estamos falando de vários tipos de crimes, desde o roubo de carga — que exige terceirização da segurança — até dispositivos instalados para tentar proteger os estabelecimentos, como circuitos de monitoramento, rastreadores, alarmes etc. Tudo isso é repassado ao consumidor de alguma forma”, observou Gonçalves.
Na conversa com os membros do Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política, o advogado lembrou que, segundo a consultoria Overhaul, o volume de roubos de cargas no Brasil aumentou 4,8% em 2023, e a previsão é que este ano registre uma nova alta (1%). O prejuízo financeiro gira em torno de R$ 1,2 bilhão, considerando um levantamento da NTC&Logística com base em 2022.
“Isso tem um impacto direto ao empresário, que absorve esse custo imediatamente. Então, precisa decidir como fazer para vender o produto ao consumidor por um preço justo e, ao mesmo tempo, não acabar pagando do próprio bolso pelo crime”.
Agenda da Fecomercio-SP
A segurança pública é parte central da agenda institucional da FecomercioSP, que defende uma ampla modernização do Estado. Nos últimos meses, a Entidade identificou, inclusive, que esse tema é o que mais preocupa o empresariado paulista, juntamente com a falta de mão de obra qualificada. Por essa razão, a Federação e seus sindicatos filiados têm se reunido com administrações locais para expor o problema e se colocar à disposição para soluções conjuntas.
Parte dessa ação envolve, aliás, documentos que serão enviados aos pré-candidatos às prefeituras dos municípios paulistas nas próximas semanas, elencando prioridades das próximas gestões — dentre estas, como sondagens recentes da FecomercioSP mostraram, a preocupação evidente com a violência.
A Entidade também mantém diálogos constantes com as autoridades municiais e estaduais em torno do assunto, levando propostas ao governo estadual. “Esse é um tema crucial para a segurança brasileira, porque nossos indicadores estão muito ruins, principalmente quando comparados a outros países”, finaliza o presidente do conselho, Antonio Lanzana.
*Redação com Fecomércio