Por: Caique Oliveira
Pais e filhos, primeiro, é uma relação difícil de explicar o que é. Por mais que se apresentem e coloquem inúmeras definições tanto do ponto de vista de um lado, quanto do outro, sempre ficarão dúvidas e um sentimento de falta no fim dessa longa discussão.
Um segundo fator implica essa relação nos dias de hoje, a configuração de família mudou. Hoje, na psicologia, nós trabalhamos com outro conceito de família, que é aquele em que família é aquilo que o sujeito nomeia como família. Hoje até um animal pode ser considerado um membro da família.
E as figuras do pai e da mãe também mudaram, qualquer pessoa, de qualquer sexo podem exercer essas funções hoje. Porque ser pai e ser mãe não se define a um corpo e/ou um sexo, e/ou gênero, mas sim em exercer uma função.
A cultura e suas produções de estereótipos de pai e mãe na família.
Historicamente, a cultura em que estamos inseridos inventa e reinventa lugares e funções para as pessoas nas relações. Na família, por exemplo, a gente nasce com a ideia perpetuada pela cultura de que cabe aos pais o papel de serem os provedores, no sentido financeiro e no sentido de rumo, pai e mãe são uma espécie de GPS para os filhos.
E isso se dá através de uma relação vertical, hierárquica, de cima para baixo. Aonde obediência e respeito são requisitos fundamentais direcionados e cobrados ao papel dos filhos.
Desafio x equilíbrio: autoridade/amizade.
Um grande desafio histórico também é a construção de uma relação de equilíbrio entre autoridade e amizade entre pais e filhos. Na cultura atual, os primeiros, no geral, parecem fixados na ideia da autoridade, mas também há pais hoje que não se incubem de desempenhar o seu papel de autoridade e colocar limites aos filhos, e os últimos buscam atenção de várias maneiras pela relação de amizade.
A questão, me parece, que essa dupla precisa ser manejada e discutida constantemente. São lugares e papéis de responsabilidade dos dois lados. Ninguém sobrevive bem da rigidez solo da autoridade, nem da vibe “tá tudo liberado!” da amizade.
TERRADOIS, o que é? Isso já existe, nós já estamos em TERRADOIS, e é bom a gente saber disso!
O médico psiquiatra e psicanalista brasileiro Doutor Jorge Forbes, criou dois termos mais acessíveis para se referir à modernidade e a pós-modernidade, nomeando a primeira de TERRAUM e a segunda de TERRADOIS. E implica que houve uma mudança radical nos modos de viver nos últimos vinte, e/ou trinta anos. Aonde o laço social não é mais vertical, de cima para baixo, onde o presidente sabia o que era o melhor para a pátria, o chefe sabia o que era melhor para a empresa e o pai sabia o que era o melhor para a família.
Já em TERRADOIS o laço social é horizontal, aonde não há um saber maior e sim uma diversidade de saberes. Em TERRADOIS vivemos em uma sociedade em rede e não mais sob uma ordem hierárquica, de cima para baixo.
Nas palavras de JORGE FORBES: “Chamo de TERRADOIS esse novo planeta que habitamos. TERRADOIS é igual à TERRAUM, geograficamente, e seus habitantes são muito parecidos. Só. A partir daí, tudo muda. Do nascimento à morte, passando por todas as etapas da vida: educar, estudar, amar, casar, trabalhar, procriar, profissionalizar, divertir, aposentar, tudo é radicalmente diferente”.
Forbes ainda pontua que se essa mudança radical nos modos de viver trata-se de uma revolução. Tanto no sentido da nossa orientação, que não é mais idealizada como sendo uma realização dos deuses, e/ou da natureza, e/ou da razão. E também como uma chance incrível para espécie humana no sentido de que agora, nós temos a possibilidade de inventar e se responsabilizar pela invenção de uma nova vida.
A relação pais e filhos em TERRADOIS.
A relação pais e filhos em TERRADOIS mudam muito. Os pais não são mais o GPS que aponta os caminhos a serem seguidos, e assumem uma característica de inspiração, como sendo aqueles que podem se responsabilizar por uma vida que escolheu (os filhos), e com isso fazer com que os filhos também possam escolher o que vai ser da sua vida.
Essa mudança é muito importante, porque vai levar a uma insegurança por parte tanto dos pais, quanto dos filhos. E essa insegurança não deve produzir efeito paralisador, mas sim buscar assumir uma posição de exploração e criatividade.
Segundo JORGE FORBES: “Essas mudanças têm sido tratadas com velhos remédios, por falta de algo melhor. São necessários novos conceitos e práticas para legitimar TERRADOIS”.
A relação pais e filhos adultos em TERRADOIS.
Os filhos de modo geral não entendem tanto a casa, como a casa dos pais, eles entendem a casa, como a casa deles também. E isso ainda pulsa nos filhos na idade adulta. Ao longo da vida, é muito comum os filhos quererem congelar os pais em uma determinada posição. Os filhos ficam achando que os pais são bobos, o amor, por seu caráter infantil, nos transforma em bobos.
Em TERRAUM essa passagem, essa hereditariedade está marcada ainda pelo bem material, pelo dinheiro. E há uma passagem progressiva acontecendo em TERRADOIS para outro tipo de hereditariedade. Antigamente se discutia, qual é a herança que eu vou dar para o meu filho, dinheiro ou educação? Hoje, em TERRADOIS, a ideia em construção me parece ser sobre qual herança eu vou dar para o me filho, dinheiro ou desejo de vida?
E atenção pais leitores: a destituição do local do provedor é maravilhosa! Caminhar no sentido da independência e da auto responsabilização dos filhos é fantástico, e um caminho de TERRADOIS.
A Psicoterapia como via de transformação, e o profissional da psicologia na função de espelho.
Falar de relação pais e filhos é uma questão complexa porque todos nós estamos implicados nessa passagem da vida. E as dificuldades, e o choque cultural entre gerações nessa relação podem ser discutidas, ressignificadas e reinventadas através do processo de psicoterapia.
Muito da nossa personalidade, das nossas questões e do nosso sofrimento é atravessado por essa relação entre pais e filhos. No processo de psicoterapia, o profissional da Psicologia deve funcionar ali naquele momento como um espelho. É como se você estivesse conversando diante de um espelho, mas um espelho que responde, e corresponde através daquilo que você traz, dos seus conteúdos, das suas queixas. O que tira do outro mais uma vez a sua responsabilidade, e convoca a você a se interrogar.
Por fim, o tema colocado é vasto e a discussão está longe de se esgotar apenas nesse artigo. E fica aqui um convite para essa experiência do processo de psicoterapia. Que tal para de apontar ao outro como o “provedor” do seu sofrimento e buscar se compreender? Que tal, refletir sobre qual é a sua posição e participação naquilo que você se queixa?
REFERÊNCIAS:
INSTITUTO DE PSICANALISE LACANIANA. A clínica psicanalítica de TERRADOIS – o sinthoma l Jorge Forbes. Disponível em: https://ipla.com.br/cursos/clinica-psicanalitica-terradois-jorge-forbes/. Acesso em: 14 mai. 2022.
*Redação com Psy Meet