Nos últimos anos, vemos um crescente aumento de pessoas autodenominadas “coachs magnéticos e de energia sexual” e demais expressões orientadas para o resgate de uma “masculinidade radical” vista como a base de uma hierarquia de gênero que confere ao homem distinta superioridade. O movimento da RedPill – termo emprestado da sequência cinematográfica Matrix para se referir aos homens que “acordaram” e “resistem” ao “poder e à soberania feminina” –, por exemplo, merece ser destacado dentre os que incentivam comportamentos específicos e dicotômicos entre homens e mulheres que, por vezes, acabam gerando violências contra elas.
Na chamada Manosfera – uma rede de comunidades online focada em temas masculinos, que se destacam por seus posicionamentos contra o feminino –, Rollo Tomassi se destaca como o “padrinho da pílula vermelha (redpill)”, e exerce grande influência na manutenção dos valores e crenças defendidos nessa esfera misógina. Também autor da trilogia “The Rational Male” – comumente referida como a bíblia ou manual na manosfera –, ele utiliza a psicologia evolucionista para defender uma abordagem radical de uma suposta dinâmica intersexual/gênero que, segundo ele, reflete a “natureza inata” de homens e mulheres, destacando seus efeitos e consequências na sociedade atual.
Apesar de sua trilogia ter sido publicada entre 2013 e 2017, foi em 2023 que se pôde observar sua crescente influência na mídia, com falas e posicionamentos de diferentes homens e movimentos conservadores no ocidente. Essa crescente popularidade levanta preocupações por seus livros e manifestos incitarem a desigualdade e a subordinação feminina, culpando as mulheres por diferentes problemas sociais como a paternidade ausente e o alto índice de suicídio masculino ao redor do mundo. Afirma que vivenciamos, atualmente no ocidente, uma “dominação feminina”.
Segundo o autor, o “imperativo feminino”, abordado em seu livro de 2013, alcançou o seu auge a partir da revolução sexual de 1970, e tem contribuído para uma percepção negativa do que é associado ao tipicamente masculino. Assim, aspectos que dizem respeito à força, agressividade, maturidade, austeridade e assertividade vêm sendo amplamente repudiados, levando ao enfraquecimento dos homens (que passaram a viver na bluepill), tornando-os indivíduos “Beta” (subordinados) em lugar de “Alpha” (dominantes). Em suas palavras,
Desde o momento em que comecei a escrever, sempre senti a necessidade de reivindicar a masculinidade convencional e positiva (bem como papéis de gênero convencionais evoluídos para homens e mulheres) e separá-la da masculinidade “tóxica”, deliberadamente distorcida que a Vilã do Imperativo Feminino gostaria que acreditássemos que é endêmico hoje. Sempre vi a necessidade de corrigir essa percepção intencionalmente distorcida de masculinidade com aspectos verdadeiros, evoluídos, herdados biológica e psicologicamente da masculinidade convencional.
Apesar de indiscutivelmente problemático, se Tomassi se concentrasse apenas na valorização masculina – o que ressoa como uma reação à perda de privilégios –, o movimento da redpill não seria tão perigoso e prejudicial à sociedade. Todavia, o autor se posiciona e defende que, os homens reassumam o seu “papel natural”, é necessário subjugar o feminino por se tratar de um jogo de poder. Para ele , a premissa da igualdade é uma farsa e nega as diferenças biológicas e fundamentais entre homens e mulheres. Além de defender uma leitura binária e dicotômica sobre a masculinidade e feminilidade, ele atribui ao feminino menor racionalidade e capacidade funcional, sendo um ultraje à masculinidade e a uma ordem social saudável a ideia da igualdade entre os gêneros.
A violência e o ódio direcionados ao público feminino se evidenciam em diferentes momentos em seus textos, desde sua visão sobre a paternidade e relação familiar a dicas sobre relações sexuais com as mulheres. Sugere, em sua escrita de 2017, por exemplo, “Não coloque as crianças em primeiro lugar. Isso soa egoísta porque fomos aculturados em uma ordem social primária feminina que busca enfraquecer os homens, tornando os filhos a alavanca para isso”.
Tomassi questiona o papel do homem e responsabiliza as mulheres por gerar situações violentas, como o próprio abuso sexual, pois agem baseadas na ilusão de que são livres e iguais a eles, podendo frequentar os mesmos espaços. Em sua trilogia, deparamos-nos várias vezes com o termo “vadia” como menção às mulheres sexualmente ativas, ou que buscam ser sustentadas pelos homens, ou que ridicularizam os homens que não veem como um bom partido. São, assim, culpadas pelo mal-estar masculino na atualidade.
Movimentos dessa natureza visam estimular os homens a desenvolverem um olhar autocentrado e egocêntrico que contribui para a perpetuação de diferentes formas de violência contra as mulheres. Especialmente na esfera sexual, pois afirmam a prevalência dos desejos e prazeres do homem: a mulher e as crianças devem vir em segundo plano, sendo, até mesmo, irrelevantes. Esse modo do homem olhar e interpretar as relações e a si mesmo dificulta a percepção e compreensão sobre a necessidade do consentimento mútuo e do respeito ao prazer e à vontade das mulheres. Dificuldade de entender que o “não” realmente significa “não”, e que a mulher está, apenas, se fazendo de “difícil”.
A objetificação das mulheres pelo autor fica explícita quando sugere que os homens devem estimular que “as parceiras” se sintam como um objeto de prazer, algo que pode ser jogado fora ou trocado por outro que melhor satisfaça “seu dono”. Assim, a mulher não se relacionaria sexualmente com os homens por livre e espontânea vontade e desejo, mas por pressão, ansiedade, medo, ou por, simplesmente, acreditar que este é o seu dever como esposa/namorada/parceira. Isto leva a uma quase natural desconsideração do consentimento, o que favorece a ocorrência do abuso sexual.
Segundo ele, o desejo feminino deve ser “criado por ela pensar que é algo que ela quer, não algo que ela tem que fazer”.
Nessa literatura, e em movimentos do tipo RedPill, os argumentos não se baseiam em evidências científicas e legitimam, estimulam a violência, supremacia, abuso sexual, naturalizando o controle/poder masculino na sociedade. Tais movimentos afirmam que a presença feminina em diferentes espaços sociais e as múltiplas formas de ser homem e mulher representam uma perda de direitos por parte dos homens. O avanço das pautas femininas seria responsável pela “quebra” da ordem natural das coisas – ditada por quesitos religiosos e biológicos – sendo as mulheres as causadoras dos diferentes problemas que assolam a contemporaneidade.
Em resumo, obras, discussões e manifestos como esses, com ampla divulgação em pleno século XXI, é um problema grave. Mas, infelizmente, o “The Rational Male” é apenas mais um dos movimentos que estão surgindo em defesa de uma “masculinidade positiva”. Não seria esta, igualmente, tóxica? Assim, é válido, questionar: tal masculinidade é positiva para quem?
Até a próxima!
Redação com Jornal de Brasília
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