Anadia/AL

14 de janeiro de 2025

Anadia/AL, 14 de janeiro de 2025

A marcha de uma nota só: o autogolpe é coisa nossa – IV

A criatividade das Forças Armadas nos trópicos entristecidos não deve ser subestimada. 14:11

ABN - Alagoas Brasil Noticias

Em 14 de janeiro de 2025

P.1

Deputado Ulysses Guimarães | Foto: Reprodução

Por João Cezar de Castro Rocha

1, 2, 3, e 4…

Nas duas colunas anteriores vimos a preocupação da ditadura militar em forjar um ordenamento jurídico que blindasse os oficiais das Forças Armadas de responsabilização posterior por eventuais crimes políticos.

(“Ou conexos com estes” — nunca se esqueça da redação maquiavélica da Lei de Anistia de 1979.)

“Posterior” quer dizer no período da redemocratização. Como só foi acontecer, e de fato ocorreu de maneira exemplar na Argentina, após a queda de um regime truculento e sanguinário, a justiça é feita e os abusos e as arbitrariedades do passado recente são devidamente punidos. Pensemos no destino do ditador Jorge Videla: julgado pelos crimes cometidos durante sua ditadura (1976–1981), o general foi condenado à prisão perpétua em 1985, no célebre “Julgamento das Juntas” militares que governaram o país. O ex-general, que nunca demonstrou arrependimento, morreu na prisão em 2013. Outro caso que deve ser recordado é o do famigerado torturador Alfredo Astiz, conhecido como “el ángel rubio” ou “el ángel de la muerte”. Depois de uma série de postergações judicais, Astiz finalmente enfrentou uma condenação à altura das atrocidades que cometeu: em 2017, foi condenado à prisão perpétua.

(E mesmo assim um Javier Milei, negacionista-mor dos horrores da ditadura militar argentina, chegou à presidência. Imagine-se num país que mantém com o passado ditatorial uma amnésia que se deseja tornar coletiva.)

O confronto das duas experiências históricas é revelador. Por isso, não surpreende que os militares brasileiros tenham aproveitado a circunstância de estarem no poder político para chantagear a sociedade, impondo uma Lei da Anistia que, a pretexto de perdoar presos e exilados políticos, na verdade pretendia manietar o futuro, de modo a evitar a responsabilização de seus eventuais crimes políticos.

Mas a criatividade das Forças Armadas nos trópicos entristecidos não deve ser subestimada.

Vejamos.

Em pleno período de redemocratização, muito embora com as constrangedoras continuidades que assombram a história brasileira, o primeiro presidente civil em 25 anos foi um homem fidelíssimo ao regime militar até a penúltima hora, o longevo José Sarney.

(Claro: Sarney teria sido apenas um vice-presidente decorativo do hábil Tancredo Neves, mas a indesejada das gentes — aqui, dura e nada caroável — tinha planos alternativos.)

Pois bem: ao que parece, o ministro do Exército do primeiro governo após a ditadura militar, o general Leônidas Pires Gonçalves, exigiu que se incluísse na nova Constituição Federal — promulgada em 5 de outubro de 1988, e festejada com a frase-manifesto do deputado Ulysses Guimarães, “temos ódio à ditadura, ódio e nojo da ditadura” — um artigo que esclarecesse o papel das Forças Armadas no regime democrático.

A ironia é perversa e deve ser assinalada. A Constituição Cidadã criou uma série de dispositivos com a finalidade evidente de coibir aventuras autoritárias na forma de um novo golpe de Estado. Contudo, o artigo escrito para acalmar a pressão do general deu margem a interpretações terraplanistas que forneceram a régua e o compasso da tentativa bolsonarista de retornar à época da ditadura militar.

Você já se deu conta.

É isso mesmo: refiro-me ao malfadado artigo 142 da Constituição Federal de 1988.

A malícia da operação do general operou em duplo registro.

Na surdina, preservando a mentalidade da comunidade de informações, o ministro do Exército fomentou a preparação de um documento secreto, o Orvil, que deveria virar pelo avesso o conteúdo do livro-denúncia “Brasil: Nunca Mais”. Lançado em 1985, no ano 1 da redemocratização, e mesmo momento histórico do “Julgamento das Juntas” na Argentina, “Brasil: Nunca Mais” trouxe à luz os horrores da tortura sistemática, da execução de adversários políticos e da ocultação de seus cadáveres. O Orvil colocou em prática o mais inescrupuloso negacionismo histórico com a esperança de moldar a percepção de gerações futuras acerca do regime militar. Trabalho levado adiante por oficiais do Centro de Informações do Exército (CIE), órgão de repressão temido tanto pela brutalidade quanto pela capacidade de infiltrar agentes nas organizações de resistência da esquerda armada. Missão dada é tarefa redigida: em suas quase 1000 páginas, o Orvil é a matriz da linha revisionista da história da ditadura militar, englobando de Olavo de Carvalho a Brasil Paralelo e, claro, conformando a visão do mundo que resultou no bolsonarismo.

(Você gostaria de ler um artigo inteiramente dedicado ao Orvil? Vou pensar no assunto.)

Na Constituinte, o general Leônidas Pires Gonçalves agiu nos bastidores e, beneficiando-se da presença recente, recentíssima, dos militares no poder, obteve dos deputados e das deputadas uma concessão que quase nos custou uma aventura autoritária bem-sucedida no século 21, qual seja, a inclusão na Constituição do controverso artigo 142. Já vimos a redação do dispositivo. O ponto potencial de discórdia diz respeito à formulação:

“As Forças Armadas (…) destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Portanto, estamos no âmbito da GLO, temida sigla, sonho nada oculto dos delírios golpistas do bolsonarismo. Atribuir às “Forças Armadas [a] garantia da lei e da ordem” foi a armadilha que o general responsável pela redação secreta do Orvil armou para a democracia.

Não compreendeu o teor destrutivo do ardil do general? Na próxima coluna, vem comigo, no caminho eu explico.

(Vem comigo, vai ser divertido.).

Redação com ICL Notícias

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