Anadia/AL

4 de outubro de 2025

Anadia/AL, 4 de outubro de 2025

Secretário Nacional de Apostas vê indícios de crime organizado em casos de manipulação no Brasil

Giovanni Rocco coordena grupo com missão de criar política nacional de combate a fraudes e diz que aliciadores, com redes internacionais, usam esporte para lavagem de dinheiro

ABN - Alagoas Brasil Noticias

Em 4 de outubro de 2025

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Foto: Mariana Raphael/ MEsp

Por três dias, nesta semana, o auditório do Ministério do Esporte, em Brasília, reuniu delegados das polícias Civil e Federal dos 26 estados e do Distrito Federal, além de representantes de empresas de integridade e de entidades esportivas para um encontro de capacitação para o combate à manipulação de resultados no Brasil.

A intenção é entregar conhecimento e criar uma rede de compartilhamento de informações que possa ajudar as autoridades a identificarem e investigarem essas fraudes, “um crime muito complexo”, segundo o Secretário Nacional de Apostas Esportivas do Ministério do Esporte, Giovanni Rocco Neto.

Ele é quem coordena um grupo de trabalho com membros dos ministérios do Esporte, da Fazenda e da Justiça, com auxílio de policiais federais, que terá que criar a política nacional de combate à manipulação.

A falta de conhecimento do mercado e o longo período sem regulamentação, que permitiu o aparecimento de centenas de bets que permanecem na ilegalidade, tornam mais difíceis as investigações desse crime, em que ele diz haver indícios da participação do crime organizado.

Veja abaixo a entrevista com Rocco, feita durante o Encontro Técnico Nacional sobre Combate à Manipulação de Resultados Esportivos na última terça-feira.

Qual a função desse grupo de trabalho que foi constituído e qual a missão dele?

– O grupo de trabalho foi constituído por uma portaria interministerial. O ministro da Fazenda assinou, o ministro da Justiça, e o ministro do Esporte, André Fufuca. O que nos motivou? Criar a política nacional de combate à manipulação de resultados.

– A manipulação de resultados é um crime muito complexo. O mercado de apostas é muito complexo. Quando você pega o enfrentamento das manipulações de resultados, é mais complexo ainda. É preciso ter competências distintas, dentro do próprio governo, para construir essa política.

– O Ministério do Esporte cuida da parte da integridade esportiva, a relação com toda a comunidade esportiva brasileira. O Ministério da Fazenda faz a gestão da parte dos fluxos financeiros das apostas. E o Ministério da Justiça tem o poder de polícia para fazer as ações repressoras.

– O mercado de apostas no Brasil, apesar de a regulação ser recente, já funciona aprovado pelo Congresso Nacional desde dezembro de 2018. A lei dava a diretriz de que o Poder Executivo deveria regulamentar essa atividade econômica no prazo de dois anos, prorrogados por mais dois anos. O governo Bolsonaro não regulamentou.

– O que aconteceu? Foram criadas milhares de casas de apostas no Brasil, sem nenhum controle. Nós tivemos que regulamentar o mercado, que é considerado o segundo maior de apostas do mundo, só perde para o dos Estados Unidos, com o mercado já em operação.

Giovanni Rocco (à esquerda), secretário nacional de apostas esportivas — Foto: Mariana Raphael/MEsp

          Foto: Mariana Raphael/MEsp

E vocês têm 180 dias para entregar essa política?

– São 180 dias para entregar a Política Nacional de Combate à Manipulação de Resultados, mas é muito gratificante porque esse grupo que se formou é muito especial.

– Nesse encontro que nós estamos fazendo aqui em Brasília nesses três dias, já tivemos entregas relevantes.

– A plataforma Apita Cidadão, de denúncias para que não só a comunidade esportiva, mas familiares dos envolvidos, todo mundo que tenha alguma informação possa fazer essa entrega para que as forças policiais possam investigar.

– É um crime que transcende as divisas dos Estados e ele transcende as divisas também dos países. Muitas vezes um jogo está acontecendo na Colômbia e ele está sendo manipulado aqui no Brasil. Ou ele está acontecendo aqui no Brasil e está sendo manipulado na China, por exemplo.

– A gente faz isso com informação, capacitando as nossas polícias, porque é um mercado novo, relativamente novo. A polícia precisa entender como as quadrilhas operam, como ler todas as informações técnicas, os indícios, para que possa fazer uma investigação.

O que vocês já identificaram como lacunas que precisam ser preenchidas para que as investigações caminhem de forma mais assertiva?

– Precisa criar uma rede entre as polícias dos Estados para que tenha inteligência no enfrentamento.

– Você precisa de inteligência, de força policial e integração entre as polícias e o Governo Federal. As casas de apostas são obrigadas a informar para o governo quando tem algum indício de manipulação de resultados. Elas têm um prazo de, em alguns casos mais latentes, 48 horas, mas os prazos naturais são de cinco dias para informar ao ministério da Fazenda, na Secretaria de Prêmios e Apostas, para que a gente dê início às investigações das ocorrências que foram identificadas.

O Brasil se tornou foco frequente de casos de manipulação, no futebol principalmente, mas em outros esportes também, como basquete e vôlei. Por que o país é esse espaço propício para fraudes?

– Eu acredito que um pouco pelo sentimento de impunidade. Eu acredito também que falta entrega de informação para a base.

– Dentro dos eixos de atuação desse grupo de trabalho está capacitar nossa base. Entregar conhecimento para eles: “Existem dois caminhos. Um é você seguir a tua carreira trabalhando de forma séria, com integridade, (o outro) é você cair na conversa de aliciadores achando que tem dinheiro fácil”.

– Eu acredito que falta conhecimento aos atletas do que pode acontecer caso ele force um cartão amarelo (por exemplo). Ele tem que entender que ele está cometendo um crime, que o cartão amarelo é critério de desempate no Campeonato Brasileiro. Então ele está interferindo no resultado, sim. E ele está indo contra os princípios da integridade do esporte.

– Eu acredito que é muito fruto da falta de regulamentação. Tem algo que já está sendo feito com muita atenção que é o combate às casas ilegais. Como é que a casa de apostas ilegal vai reclamar que ela está sendo ludibriada? Na prática é ladrão roubando ladrão, e como é que você enfrenta isso?

São informações que não chegariam ao conhecimento do governo?

– Hoje a gente tem instrumentos tecnológicos que fazem esse monitoramento de rede, com os alertas que apontam onde tem indícios de manipulação de resultado, inclusive no fluxo de odds, na dark web, nas redes sociais – tem muito grupo de Facebook onde isso acontece.

Encontro em Brasília reuniu policiais para debater o combate à manipulação de resultados — Foto: Ronaldo Caldas/MEsp

           Foto: Ronaldo Caldas/MEsp

Qual deve ser papel das entidades esportivas no trabalho de prevenção e também na repressão?

– Eles precisam participar nessa articulação para entregar conhecimento para os atletas. E parte desse encontro é estruturar os fluxos operacionais informativos, porque as federações, as confederações, também recebem informações das instituições de integridade. As mesmas que nós temos termos de cooperação técnica, eles têm contratos comerciais com essas empresas.

– Vamos fazer um pacto com as instituições. O modus operandi do fluxo operacional de informações tem que ser definido, porque não pode ter vazamento. A gente tem preocupação também porque tem envolvimento de técnico, de membros de federações.

– Nesse evento nosso a CBF está presente, o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) também está presente. Acredito que é um novo momento que se constrói agora nesse enfrentamento das manipulações de resultados no Brasil.

Qual é a motivação principal dos fraudadores: ganhar dinheiro fácil ou são interesses mais complexos, como lavagem de dinheiro?

– É muito mais complexo. Um dos artifícios que eles utilizam é pulverizar o número de apostas e o número de apostadores. Eles já têm uma rede constituída, dessa rede eles pulverizam nas milhares de casas de apostas no mundo, e o volume que eles acabam arrecadando com esse crime é muito grande.

– O que temos hoje de estrutura técnica é (fruto) de pesquisa e videoconferências que fizemos com o mundo todo. Conversamos com todos os mercados maduros e regulados, e a percepção também é essa, o que move é esse fluxo.

Vocês entendem que há atuação do crime organizado em casos de manipulação pra lavagem de dinheiro?

– Eu não posso te afirmar isso porque é sigiloso, as investigações estão em curso, mas há uma preocupação muito grande com relação ao envolvimento do crime organizado. Já apareceram alguns indícios de que isso pode estar acontecendo, temos essa preocupação. Daí esse cuidado que nós tivemos de criar essa estrutura onde as polícias de todos os estados consigam se comunicar de forma eficiente. Isso está no radar, com certeza.

Grupos internacionais também já foram identificados?

– Sim, já tem alguns indícios. Inclusive é público, algumas operações já deflagradas pelas polícias civis e Federal com brasileiros operando no Equador, ou estrangeiros manipulando aqui. Hoje quando você recebe uma aposta numa casa de aposta legalizada no Brasil, mesmo estando lá fora, aparece a geolocalização dessa aposta. Com os fluxos recebidos, é possível identificar isso.

O foco de ações preventivas e de educação devem ser nos jovens atletas em formação?

– São dois caminhos: educar para não precisar punir, e punir de forma pedagógica para também educar. O que não dá é o sentimento de impunidade, isso é uma coisa que frustra muito.

– O que nós pensamos aqui é em uma plataforma educacional e em criar um selo de integridade pra que o clube possa exibir isso como uma bandeira. Esse pacto com a comunidade esportiva precisa ser feito.

O Brasil vai se tornar membro da Convenção de Macolin, por que isso é importante?

– Essa ação é uma decisão política do governo do presidente Lula. Para que as pessoas entendam, é uma convenção da Comunidade Europeia. O Brasil é único país da América Latina que aderiu até agora.

– Um dos requisitos é a criação de um sistema de monitoramento, isso já está em curso na Secretaria Nacional de Apostas Esportivas. Vai acontecer a primeira reunião agora em dezembro, na França. O Brasil foi convidado para participar como ouvinte.

– O que a gente está construindo internamente aqui, que é essa rede de comunicação interestadual na construção de uma articulação conjunta, o Brasil adere a uma a uma rede já existente na Europa. Isso é um salto, um ganho institucional e para nossa integridade, para mostrar a nossa disposição de fazer esse enfrentamento.

– Vai facilitar quando a gente tiver algum indício específico ou quando a Comunidade Europeia identificar algum indício de algo que esteja acontecendo no Brasil.

Redação com GE

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