Anadia/AL

22 de julho de 2024

Anadia/AL, 22 de julho de 2024

A energia que transforma: Jovem negro dribla racismo e alcança sucesso ao apostar no empreendedorismo

Sucesso | 19:39 hs

ABN - Alagoas Brasil Noticias

Em 2 de junho de 2024

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Foto: Arquivo Pessoal

Por: Jean Albuquerque

Em meio às desigualdades, à falta de oportunidades e os episódios de racismo, a história do jovem negro Becker Litrento, de 25 anos, nascido e criado no Benedito Bentes — bairro mais populoso da capital alagoana, com 88.084 habitantes, segundo dados do Censo de 2011 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — que hoje mora na Cidade Universitária, parte alta de Maceió, pode ser resumida em uma única palavra: persistência.

O gosto pelo empreendedorismo ele aprendeu em casa. “Minha mãe é empreendedora; quando enfrentamos um problema financeiro em casa e meu pai ficou desempregado, ela começou a vender artesanato feito a partir de recortes de jornal”, recorda.

Ao participar de um projeto de pesquisa enquanto era estudante do curso de Eletrotécnica no Instituto Federal (IFAL), começou a se interessar pela área na qual hoje é especialista e responsável pelo seu sustento e o de mais de 50 funcionários que passaram por sua empresa, a Eletrotec, em quase cinco anos.

“A dificuldade estava no início da empresa, foi muito complicado porque eu nunca tive nada, comecei do zero, sozinho, então não tinha capital nenhum”, relembra. “O primeiro lucro foi reinvestido; foram praticamente dois anos de reinvestimento para começar a ter uma renda fixa. A persistência em acreditar que o negócio iria crescer fez ele crescer”, acrescenta.

A empresa fundada em 2019, que presta serviços de soluções de geração solar fotovoltaica e carregadores veiculares, conta com cerca de 400 clientes ativos. Ela está localizada no bairro do Farol, mas até recentemente estava sediada no Benedito Bentes. O empresário lamenta ao recordar que o seu negócio precisou sair da periferia para alçar novos voos.

“Infelizmente, pela falta de infraestrutura e visibilidade do bairro, tive problemas com alguns clientes que não confiavam na ética e qualidade da empresa por estar no Benedito Bentes. Tive clientes que questionaram o motivo da sede estar localizada em um bairro periférico, que ainda é visto como menor. Com conhecimento técnico, mostramos ao cliente que não é bem assim.”

Além da Eletrotec, o jovem também é sócio-diretor da Insigne Energia, com foco na eficiência e gestão de energia solar, e da 5S – Gestão e Manutenção, especializada em subestação e processos de geração de energia. Também é sócio-proprietário da Star Solar Instalações Elétricas, que fornece mão de obra especializada na construção de usinas solares de diversos portes e aplicações.

Descredibilizado por conta da cor

Mesmo com uma trajetória de sucesso, depois de muita luta e persistência, Litrento ainda precisa lidar com o racismo, enraizado na sociedade, praticado por clientes brancos, que questionam a qualificação do jovem e, em reuniões, nem sequer o olham nos olhos.

“No início, por conta da minha idade e da minha cor, não tiveram uma postura de respeito ao receber minha proposta e simplesmente não olhavam para o meu rosto. Gostavam do valor da minha proposta, mas, ao me receberem na reunião, nem olhavam para mim. Fiquei chateado com a situação, mas precisei ser resiliente e seguir com uma postura ética até reverter essa situação.”

Empresário da energia — Becker Litrento – Foto: Arquivo Pessoal

O empresário recorda outro episódio, no qual um cliente estava tentando descredibilizá-lo, mas foi mudando de postura ao longo da conversa ao perceber que o jovem tinha conhecimento técnico e sabia do que estava falando.

Em outro momento, teve que ouvir que ‘só poderia ser negro’, porque a concessionária de energia local demorou a responder a uma solicitação. “Respondi que não, que o projeto estava todo correto, mas infelizmente não pude revidar para não pôr em risco uma negociação. Vamos combatendo essas situações”, afirma.

Cresce o número de empresas de energia solar no Estado 

O estado tem avançado significativamente na produção de energia limpa e renovável. Assim como Becker, outros empreendedores têm seguido por esse caminho, conforme revela uma pesquisa da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), divulgada em janeiro deste ano.

Para se ter uma ideia, Alagoas subiu de posição no ranking nacional em 2023, passando da 22ª para a 21ª posição em comparação com 2022. Apesar da melhora, a participação da energia solar na matriz energética alagoana ainda é tímida, representando apenas 1,1%. No entanto, isso indica um potencial de mercado a ser explorado no estado.

Segundo dados da Junta Comercial do Estado de Alagoas (Juceal) obtidos com exclusividade pela reportagem do Cada Minuto, até maio de 2024, o estado possuía 2.795 empresas de instalação e manutenção elétrica em quase sete anos.

Em 2018, foram abertas 359 empresas do segmento, em 2019 esse número chegou a 371, em 2020 foram 339, em 2021 foram 478 e em 2022 o número subiu para 491. O maior aumento foi registrado em 2023, com 527. Até o último mês, o estado já contava com 230 empresas.

Número de empresas de energia solar criadas em AL em quase sete anos — Arte: Jean Albuquerque

Vale ressaltar que os dados disponibilizados referem-se ao CNAE 4321-5/00 – Instalação e Manutenção Elétrica, que, segundo a Juceal, é normalmente utilizado para instalações relacionadas à energia solar.

Energia limpa, o meio ambiente agradece

A energia solar é uma fonte de energia limpa e renovável que, a longo prazo, oferece uma economia significativa e ajuda a combater as mudanças climáticas, promovendo um futuro mais sustentável.

Além disso, reduz a poluição do ar, diminui a poluição da água, ajuda na preservação da biodiversidade, produz menor impacto no solo, promove a sustentabilidade, auxilia na geração de empregos, conscientização ambiental, entre outros.

Alagoas apresenta um cenário ideal para a implantação desse tipo de energia, uma vez que o Estado desfruta de abundante luz solar ao longo de todo o ano. Isso o torna um local propício para a adoção dessa fonte energética tanto em residências quanto em estabelecimentos comerciais. Mais do que uma medida econômica, trata-se de um investimento no futuro do planeta.

A engenheira ambiental e sanitária com mestrado em engenharia ambiental pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Nathália Nascimento, de 32 anos, explica que a utilização da energia solar resulta em uma produção significativamente baixa de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO₂), que contribui para as mudanças climáticas.

Engenheira ambiental e sanitária, Nathália Nascimento — Foto: Arquivo Pessoal

“Além de beneficiar o meio ambiente, essa opção proporciona economia ao longo dos anos, uma vez que o investimento inicial gera retornos a longo prazo. Entretanto, apesar de se tornar mais acessível nos dias atuais, ainda representa um custo elevado para residências”, enfatiza.

A especialista também destaca que a economia se dá em razão da alta durabilidade dos painéis solares, com uma vida útil estimada em cerca de 25 anos. Ela explica ainda que as termoelétricas elevam o preço da energia, dependendo da bandeira tarifária, como amarela, verde e vermelha, sendo estas mais caras e poluentes.

“Além disso, a tecnologia de instalação é relativamente simples. Contudo, é importante considerar a necessidade de armazenamento da energia solar, pois sua produção varia conforme a disponibilidade de luz solar. Para tornar a energia solar ainda mais viável, são essenciais investimentos em pesquisa e desenvolvimento”, acrescenta.

Política estadual de incentivo ao uso da energia solar

Na Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE), tramita o projeto de lei ordinária nº 813/2022, de autoria do deputado Inácio Loiola (MDB), que propõe a instituição da política estadual de incentivo ao uso da energia solar. A medida visa melhorar as condições de vida das famílias de baixa renda e estimular o uso da energia fotovoltaica tanto em áreas urbanas quanto rurais.

“Diante da atual crise energética, percebemos a necessidade de implementar mecanismos alternativos que garantam o abastecimento de água nas cidades, a fim de evitar o colapso do sistema hídrico e os apagões”, argumenta o autor do projeto em sessão na ALE, realizada em 30 de abril deste ano.

“Além dos benefícios socioambientais, o aproveitamento e desenvolvimento da energia solar em Alagoas podem abrir um potencial socioeconômico imensurável para a região, dado que está situada na Região Nordeste, próxima à linha do Equador, onde a luz e o calor solar predominam durante a maior parte do ano”, justifica o deputado no texto do projeto.

O Estado também oferece incentivos para os geradores de energia elétrica, como a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os créditos de energia gerados por unidades consumidoras enquadradas nas categorias de mini e microgeradores de energia.

Capacitação e suporte tecnológico oferecidos pelo Sebrae

Becker revela que ainda não buscou o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de Alagoas para aprimorar sua empresa. Ele menciona que a falta de tempo, decorrente das demandas da gestão empresarial, tem sido um obstáculo, mas afirma que planeja fazê-lo, reconhecendo a importância desse suporte para o desenvolvimento de seu negócio.

O analista da unidade de competitividade setorial do Sebrae de Alagoas, Jefferson Araújo, de 29 anos, afirma que o serviço oferece consultoria e suporte tecnológico, auxiliando as empresas locais a se tornarem mais competitivas e inovadoras.

Araújo explica que o Sebrae atua em diversas frentes para auxiliar os empreendedores do setor de energia solar fotovoltaica no Estado. “Acompanhamos os aspectos empresariais desses clientes por meio de uma iniciativa da Unidade de Competitividade Setorial chamada Indústria Mais Competitiva. O objetivo é proporcionar acesso à inovação, novos mercados, ferramentas de gestão e tendências, visando o aumento da competitividade”, destaca.

Analista da unidade de competitividade setorial do Sebrae de Alagoas, Jefferson Araújo — Foto: Arquivo Pessoal

Essa iniciativa envolve orientações, instruções e consultorias específicas para esse público, abrangendo gestão de pessoas, otimização da cadeia de suprimentos, inserção digital, gestão financeira, comunicação visual, gestão da qualidade, entre outros aspectos.

O serviço também colabora com outros parceiros para expandir sua atuação de maneira sistemática. Por meio de convênios com entidades como FIEA, ADEMI/AL e SINDUSCON, que atuam no segmento da construção civil no Estado, incluindo empresas do ramo de energia solar fotovoltaica, onde é possível promover a organização de missões para os empresários desse setor, como eventos promovidos pela ADEMI e Salão do Imóvel, nos quais participam empresas de energia solar apoiadas pelo Sebrae/AL.

“Isso não apenas gera empregos e reduz custos energéticos, mas também atrai investimentos, fortalecendo a economia local. Além disso, aumenta a segurança energética e a independência do estado, promovendo a educação ambiental e preparando Alagoas para um futuro mais sustentável e competitivo”, pontua.

*Redação com Cada Minuto

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