O Marco do Saneamento, aprovado em 15 de julho de 2020, estabeleceu metas ambiciosas para o Brasil: até 31 de dezembro de 2033, 99% da população nacional deverá ter acesso à água potável, e 90% dos brasileiros deverão ter coleta e tratamento de esgoto. Faltando cerca de 9 anos e 4 meses para o prazo, dados do Instituto Trata Brasil mostram que esse objetivo dificilmente será concretizado. Caso o ritmo de investimentos continue no mesmo nível observado entre 2018 e 2022, a universalização do saneamento será efetivada apenas em 2070.
Alagoas, por exemplo, é um dos estados que está abaixo da média nacional de investimentos. Segundo o instituto, o estado investe apenas R$ 94,15 por habitante em saneamento básico, enquanto a média nacional é de R$ 111. O estudo indica que o valor médio necessário para alcançar as metas seria de R$ 231 por habitante, ou seja, Alagoas está cerca de 40% abaixo do necessário.
O estado tem 23,4% da população sem acesso à água, o que equivale a 731.928 pessoas, conforme dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2022. Quanto ao esgoto, a situação é ainda pior: cerca de 2,5 milhões de pessoas não têm acesso à coleta de esgoto.
A cidade de Maceió tem 86,9% da população com acesso à água, 28% com coleta e tratamento de esgoto, e investe R$ 163 por habitante. Para a presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Pretto, é necessário entender que a questão do saneamento está diretamente ligada à saúde, à qualidade de vida e ao desenvolvimento econômico e social.
“Maceió, em 2022, que é o último dado disponível, regis trou 512 internações por doenças de veiculação hídrica e 13 óbitos, enquanto Alagoas teve 1.797 internações e 38 óbitos. Quando analisamos as consequências dessas doenças geradas pela falta de saneamento, vemos um reflexo direto na escolaridade média das crianças e também na renda média entre quem tem e quem não tem saneamento”, analisa.
Pretto afirma que o saneamento é um tema constantemente abordado, mas que acaba não sendo priorizado devido ao desconhecimento em relação aos seus impactos na vida das pessoas, uma vez que os reflexos desse problema, muitas vezes, não são correlacionados com o dia a dia.
“Por exemplo, uma criança pode ter seu rendimento escolar prejudicado, um adulto pode ficar mais doente e, consequentemente, ter sua produtividade comprometida, mas muitas vezes esses efeitos não são relacionados pela população à falta de saneamento básico. Isso faz com que não haja uma cobrança por parte dos cidadãos e, consequentemente, o tema não seja priorizado pelos governos municipais e estaduais”, complementa, salientando que o saneamento é uma obra complexa, cujos resultados são colhidos no médio e no longo prazo.
Em várias cidades de Alagoas, o saneamento tem sido tema em palanques políticos. A reversão da venda de sistemas autônomos tem sido debatida entre candidatos nos municípios de Maceió, Pilar e Marechal Deodoro. Na capital, as críticas do prefeito e candidato à reeleição, JHC (PL), são direcionadas ao governo do Estado, devido ao acordo de concessão dos serviços de água e saneamento à empresa BRK Ambiental. No início deste ano, municípios da região metropolitana de Maceió receberam cerca de R$ 700 milhões, com pouco mais de R$ 286 milhões repassados à capital. Rio Largo recebeu pouco mais de R$ 52 milhões, enquanto Atalaia, Barra de Santo Antônio, Barra de São Miguel, Coqueiro Seco, Marechal Deodoro, Messias, Murici, Paripueira, Pilar, Santa Luzia do Norte e Satuba ficaram com R$ 31 milhões cada.
O engenheiro Álvaro José Menezes da Costa, que trabalhou na Casal durante 22 anos e é ex-presidente do órgão, afirma que é difícil mensurar o quanto já houve de avanço desde a implantação do novo Marco Legal do Saneamento, pois faltam dados públicos para se entender o andamento das metas estabelecidas.
“Eu diria que há avanços na medida em que o tema é discutido hoje e se criou um arcabouço legal e regulatório que evoluiu. Desde o marco regulatório, tem havido uma busca maior por soluções para o serviço de saneamento, em vez de se tentar salvar empresas públicas e serviços municipais ineficientes. Tanto a sociedade quanto os políticos têm dado mais atenção à implementação de soluções e se mostrado mais abertos a parcerias com operadores privados”, argumenta.
“Os serviços de saneamento não são infraestruturas como telecomunicações, rodovias, portos ou mesmo distribuição de energia elétrica, que têm alguma semelhança nas áreas urbanas. As obras de esgoto são caras e exigem tecnologias de execução, especialmente em áreas urbanas, o que encarece os investimentos”, finaliza.
Empresas garantem que investimentos
O atual presidente da Casal, Luiz Neto, garante que Alagoas está passando por ‘uma fase de grandes transformações’, impulsionadas pelo Programa Mais Água Alagoas, que tem como princípio a universalização do acesso à água e saneamento básico em todo o estado. O foco na escassez de água está direcionado ao Sertão, a fim de garantir que, em dez anos, todas as cidades e povoados tenham pleno acesso à água. Em paralelo, acrescenta ele, o esgotamento sanitário está sendo trabalhado na zona litorânea, onde a infraestrutura adequada é vista como essencial para melhorar a saúde pública e estimular o crescimento econômico.
“Esse movimento é considerado um marco civilizatório que visa reduzir desigualdades e promover o desenvolvimento sustentável em uma região em expansão. O sucesso dos leilões dos blocos de saneamento A, B e C, que garantiram mais de R$ 9 bilhões em investimentos, consolida Alagoas como referência nacional no setor. Esses investimentos são cruciais para assegurar que mais de dois milhões de alagoanos tenham acesso a serviços de água e esgoto de qualidade. A Casal continua desempenhando um papel fundamental, garantindo que a água captada e tratada chegue eficientemente às concessionárias, reforçando a gestão, inovação e a capacidade da empresa nessa nova fase”, diz ele.
Os blocos de saneamento aos quais Luiz se refere abrangem a região metropolitana de Maceió (Bloco A), 34 municípios nas regiões do Agreste e do Sertão (Bloco B) e 27 cidades na Zona da Mata e Litoral Norte (Bloco C). Os acordos foram formalizados em 2020 e 2021. O primeiro acordo foi o do Bloco A, celebrado com a BRK; o Bloco B teve como vencedor o consórcio Alagoas, formado pela empresa espanhola Allonda e a brasileira Conasa, enquanto o Bloco C foi arrematado pelo consórcio Mundaú, integrado por outra espanhola, a Cymi, e pela brasileira Aviva Ambiental.
A Verde Alagoas, que atende o Bloco C, garante que investirá mais de R$ 400 milhões na região com o objetivo de universalizar o acesso à água tratada nos municípios. “Nosso plano inclui a modernização das infraestruturas existentes, a ampliação das redes de saneamento e a implementação de tecnologias avançadas para aumentar a eficiência e a cobertura dos serviços. Ao longo dos 35 anos de concessão, a Verde Alagoas prevê um investimento total de mais de R$ 1 bilhão, garantindo a continuidade das melhorias e a ampliação dos serviços. Esse compromisso reforça a missão da empresa de promover o desenvolvimento sustentável e melhorar a qualidade de vida nas comunidades atendidas”, revela Alexandre Lopes, diretor-presidente da empresa.
A Agreste Saneamento, que atende os municípios de Arapiraca, Craíbas, Olho D’Água Grande, Campo Grande, São Brás, Girau do Ponciano, Lagoa da Canoa, Feira Grande, Coité do Nóia e Igaci, salientou que tem uma Parceria Público-Privada (PPP) com a Casal e que está há mais de 12 anos em Alagoas.
“Ao longo desse período, a parceria duplicou a capacidade de abastecimento do Agreste alagoano, levando água de qualidade às áreas rurais e urbanas da região, com a construção do Sistema Adutor do Agreste (SAA), que inclui captação, adução e tratamento da água. A empresa também investiu no aprimoramento das estruturas das demais unidades operacionais, com a implantação de novos equipamentos e tecnologias, além de investimentos na recuperação do Sistema Coletivo do Agreste (SCA)”, informa a empresa por meio de nota.
A BRK não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Diário Arapiraca