A Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE) aprovou uma lei que proíbe a venda e o consumo de alimentos ultraprocessados em escolas públicas e privadas do estado. A medida, que busca proteger a saúde e o desenvolvimento das crianças, é celebrada por especialistas, que alertam para os efeitos nocivos desses produtos — além de intoxicar, comprometem o aprendizado e os hábitos alimentares desde os primeiros anos.
A proposta, de autoria do deputado estadual José Wanderley Neto (MDB), foi votada em segundo turno no dia 9 de setembro e recebeu apoio unânime dos parlamentares. O texto estabelece um prazo de 180 dias para que as instituições de ensino se adaptem às novas regras e segue agora para sanção do governador Paulo Dantas (MDB).
Segundo o parlamentar, a lei busca enfrentar a crescente epidemia de obesidade no Brasil, que já atinge cerca de 31% da população adulta, conforme o Atlas Mundial da Obesidade 2025.

Segundo o relatório do UNICEF Alimentando o Lucro: Como os Ambientes Alimentares estão Falhando com as Crianças, publicado em 10 de setembro, a obesidade infantil e adolescente tem avançado em todo o mundo, atingindo tanto países de baixa quanto de alta renda.
No Brasil, entre 2000 e 2022, a proporção de crianças com obesidade passou de 5% para 15%, enquanto o número de casos de sobrepeso quase dobrou, chegando a 36% nessa faixa etária.
“Se não tomarmos providências, daqui a 10 anos quase metade da população terá sobrepeso ou obesidade. E essas doenças não se limitam à obesidade: provocam diabetes, hipertensão, lesões nos ossos, artrite e diversos tipos de câncer, principalmente do aparelho circulatório e digestivo”, alerta.
Wanderley ainda ressalta que o consumo precoce de ultraprocessados aumenta o risco de doenças degenerativas mesmo em pessoas sem histórico familiar.
Segundo o parlamentar, esses produtos passam por mais de cinco etapas de industrialização e contêm aditivos como corantes, aromatizantes, realçadores de sabor, sal e conservantes, que os diferenciam de alimentos naturais ou minimamente processados.
Caso a lei seja sancionada, a fiscalização ficará a cargo da vigilância sanitária estadual e municipal, abrangendo redes pública e privada. Wanderley avalia que os custos de adaptação serão mínimos.
“A lei vai movimentar a economia local e favorecer a agricultura familiar. Há leite, frutas, feijão, milho… mas, por comodidade, as pessoas acabam consumindo ultraprocessados. Com essa lei, vamos estimular o consumo de alimentos frescos e regionais”, defende.
Escolas particulares já se preparam para a mudança
A medida abre espaço para discussões sobre saúde infantil, desafios logísticos e aceitação por alunos, famílias e gestores escolares. No Colégio Padrão Maceió, no bairro do Farol, a diretora administrativa Ana Glória Ferreira dos Santos destaca que a principal transformação será cultural.
“A primeira mudança será conscientizar e mobilizar as famílias sobre a importância e necessidade de novos hábitos alimentares. A lei só vai funcionar se elas ajudarem nesse processo”, afirma.
A gestora explica que a cantina já oferece menor quantidade de frituras e ultraprocessados, mas ainda é comum que estudantes tragam esse tipo de alimento de casa. Para ela, o engajamento familiar será decisivo.
Outro desafio apontado é a capacidade de fornecedores locais atenderem à demanda por alimentos in natura e minimamente processados. “Ano que vem estaremos ofertando lanche e almoço integral de um fornecedor local que utiliza apenas alimentos in natura”, detalha.
A mudança traz impacto financeiro, mas a diretora observa que, na maior parte das escolas, o custo do lanche é responsabilidade das famílias. “Somente os alunos do ensino integral têm toda a alimentação sob responsabilidade da escola, e esse valor já está incluído na mensalidade”, informa.
A aceitação das crianças e o envolvimento dos pais são apontados como os maiores desafios. “Envolver famílias em atividades lúdicas, planejar cardápio em conjunto, incentivar refeições coloridas e o preparo com as próprias crianças são estratégias importantes. Mas cada família tem hábitos e cultura alimentar diferentes. Começar devagar leva sempre a grandes mudanças.”
No aspecto logístico, o colégio planeja contratar uma empresa especializada no fornecimento de lanches escolares. A iniciativa deve reduzir os custos com armazenamento e preparo, além de padronizar o cardápio.“Dessa forma, nossa cantina se tornará um ambiente totalmente livre de produtos ultraprocessados”, reforça a diretora.
Rede pública e privada: redução significativa de ultraprocessados
A Rede Estadual de Alagoas vai reduzir a presença de alimentos ultraprocessados na merenda escolar em níveis superiores aos estabelecidos pelo Governo Federal. A iniciativa antecipa as metas nacionais e busca promover uma alimentação mais saudável para os estudantes.
Durante o Encontro do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), realizado em fevereiro deste ano em Brasília, o presidente Lula (PT) e o ministro da Educação, Camilo Santana, anunciaram que a participação de ultraprocessados nos cardápios das escolas públicas do país deve cair de 20% para 15% em 2025 e chegar a 10% em 2026.
Em Alagoas, o índice de ultraprocessados nos cardápios da rede estadual deve variar entre 10% e 1,8% ainda neste ano, dependendo do nível de ensino, superando as metas nacionais e oferecendo refeições mais nutritivas aos alunos.
A Secretaria Municipal de Educação (Semed) de Maceió também intensifica esforços para melhorar a merenda escolar. Em abril de 2025, 40% dos produtos fornecidos às escolas municipais passaram a ser originários da agricultura familiar, superando a cota mínima de 30% exigida pelo PNAE, ampliando o valor nutricional das refeições e apoiando produtores locais.
Cooperativas como COOBAPI e COOPAVAN fornecem arroz tipo 2, bolos sem açúcar, macaxeira, batata-doce, banana prata e laranja. A medida garante cardápios variados e saudáveis, fortalece a economia local e incentiva hábitos alimentares nutritivos desde a infância.
‘Com planejamento, é possível substituir ultraprocessados’, afirma especialista
A nutricionista funcional integrativa Margareth Viana alerta que o consumo de ultraprocessados impacta diretamente o metabolismo infantil e compromete o crescimento.
De acordo com a especialista, muitos desses produtos contêm substâncias nocivas, como glutamato monossódico e conservantes (nitratos e nitritos), que podem intoxicar neurônios e prejudicar cognição e aprendizado.
“Esses alimentos aumentam a obesidade, alteram papilas gustativas, afetam saúde bucal, intestino e microbiota digestiva. Também sobrecarregam o fígado e provocam dor de cabeça, apatia, sonolência e irritabilidade”, explica.
Segundo a nutricionista, em crianças hiperativas, os ultraprocessados funcionam como estimulantes cerebrais, agravando irritabilidade e dificultando equilíbrio emocional. Para ela, restringir esses produtos nas escolas é essencial.

“Além de prevenir doenças, promove educação alimentar. Crianças sem contato frequente com ultraprocessados desenvolvem paladar mais aberto e aceitam melhor alimentos naturais”, reforça.
Viana destaca ainda que o acompanhamento profissional é fundamental. “Nutricionistas podem elaborar cardápios equilibrados, monitorar oferta de alimentos e criar versões saudáveis de lanches como coxinha, torta salgada ou pizza”, exemplifica.
A nutricionista também ressalta que alimentos saudáveis não são necessariamente mais caros: “O custo é parecido; o que encarece é o marketing. Com planejamento, a praticidade é viável.” Além disso, recomenda priorizar condimentos naturais, higienização, armazenamento adequado e controle de temperatura.
A atratividade visual é outro fator. “Crianças comem com os olhos. Quanto mais colorido o prato, mais apetitoso se torna. Até alimentos populares podem ser adaptados: um pãozinho, por exemplo, pode ser enriquecido nutricionalmente”, defende.
A especialista ainda reforça que a educação é o caminho para consolidar mudanças. “Trazer alimentação saudável para a sala de aula ajuda a criança a levar esse aprendizado para casa. Escolas que adotam esse modelo obtêm resultados muito positivos.”
Caminhos possíveis
A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) recomenda a taxação de alimentos ultraprocessados como estratégia para reduzir seu consumo, principalmente entre populações de menor renda.
Segundo a OPAS, esses produtos são amplamente consumidos devido ao baixo custo e apelo sensorial, mas estão associados a riscos elevados de doenças crônicas, como diabetes tipo 2, hipertensão e obesidade.
A pesquisa “Taxação de alimentos ultraprocessados: evidências para o Brasil”, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), apontou que um imposto de 20% sobre bebidas açucaradas poderia reduzir o consumo em mais de 30%, contribuindo diretamente para a diminuição dos índices de obesidade e sobrepeso no país.
O relatório do UNICEF também aponta que restrições em escolas e rotulagem frontal têm efeito positivo na redução do consumo de ultraprocessados. No Brasil, iniciativas do PNAE e a proibição de gorduras trans já melhoraram a dieta de crianças e adolescentes.
No México, a proibição em escolas impactou mais de 34 milhões de crianças, mostrando que políticas públicas podem criar ambientes alimentares mais saudáveis.
Embora a lei de Alagoas não preveja incentivos específicos, Wanderley Neto acredita que estimulará a criatividade de nutricionistas, professores e gestores escolares na elaboração de cardápios mais saudáveis.
“Essa é uma lei cidadã em defesa da saúde pública. Esperamos que o governo sancione e divulgue amplamente, para proteger crianças expostas a esses alimentos”, finaliza.
O portal CadaMinuto entrou em contato com o Governo de Alagoas sobre a implementação da lei. A Assessoria de Comunicação respondeu que, por enquanto, não se manifestará e aguarda a sanção do governador Paulo Dantas.
Fonte: Cada Minuto
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