Nesta terça-feira (9), o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados começou a ouvir as testemunhas no processo contra o deputado Chiquinho Brazão (Sem partido-RJ), um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco.
A primeira testemunha a ser ouvida foi o deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ), que trabalhou com Marielle durante os anos em que foi vereador, e chegou a ser um dos políticos monitorados por Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora.
Em seu depoimento, Tarcísio falou sobre a atuação das milícias no estado do Rio de Janeiro e como Marielle representava uma ameaça a esse grupo devido sua atuação política. Lessa, em declaração em que revelou os mandantes do crime, também revelou que a motivação para a morte da vereadora foi justamente a questão fundiária que envolvia a expansão da milícia.
O deputado afirmou que a influência das milícias se dava, sobretudo, em bastidores da Câmara de Vereadores, do qual o PSOL, partido que se tornou um obstáculo para os interesses do grupo, não era convidado a participar.
O deputado acrescentou que o PSOL sempre tentou participar da Comissão de Assuntos Urbanos, presidida por Chiquinho Brazão, mas que sempre teve o acesso negado. Brazão começou a presidir a Comissão em 2008 e permaneceu no cargo até 2018. Durante esse período, o PSOL só obteve uma cadeira em 2009, com o vereador Eliomar Coelho.
Questionado sobre possíveis tentativas de ameaças e silenciamento que Marielle poderia ter recebido pela defesa da pauta relacionada às políticas públicas de regularização fundiária, o deputado declarou que tanto ele quanto a vereadora sabiam que as posições que ocupavam podiam significar um risco para suas vidas.
“Há elementos, quando determinados territórios entravam em pauta, em que tínhamos que, obviamente, fazer uma avaliação sobre isso. Via de regra, essa avaliação não nos levava a mudar a votação ou a mudar o enfrentamento a esse tipo de situação, mas eram, sobretudo, avaliações dessa forma que apareciam sobre nós”, acrescentou.
Em relação às consequências das ações legislativas de Brazão à frente da Comissão, Tarcísio falou sobre sua atuação para flexibilizar cada vez mais as legislações referentes à regularização fundiária para abrir espaço para o avanço da milícia. “Era preciso flexibilizar mais para que justamente as áreas das milícias tivessem os seus loteamentos, os seus grupamentos regularizados e seu poder econômico, político e territorial reafirmado”.
Ele cita a Lei Complementar nº 188, de autoria de Brazão, que flexibiliza a ocupação do solo e que foi aprovada sem estudo técnico. “Esse era o tipo de desdobramento que se queria com as ações de regularização fundiária do deputado Chiquinho Brazão, o varejo urbanístico que interessa à milícia e ao seu poder econômico e político”, defendeu Tarcísio.
Nesse sentido, ele afirma que Marielle apresentava um projeto de lei completamente diferente, que se apresentava como assistência técnica para construção, reforma e ampliação de habitação de interesse social. “Ou seja, ao contrário de uma regularização fundiária feita sem nenhum critério, a partir de leis aprovadas na Câmara de Vereadores que interessavam à expansão sobre áreas de proteção ambiental e à expansão desse poderio eleitoral, econômico e político da milícia, nós propunhamos a assistência técnica para que todo mundo pudesse regularizar o seu lote dentro da lei”, afirmou o deputado.
Tarcísio ainda falou sobre a dinâmica de votos em determinados territórios dominados pela milícia, onde os moradores, carentes de políticos públicas, estabelecem uma troca de favores com os parlamentares desse grupo, acabando por se submeterem a processos de “curral eleitoral, grilagem, controle, violação e violência”.
Para exemplificar a atuação violenta da milícia nesses territórios, o deputado citou o caso que deu origem à CPI das Milícias, encerrada em 2008, quando dois jornalistas foram mortos e queimados para dar exemplo a outros profissionais.
“O assassinato dela era para causar terror naqueles que ousassem enfrentar o poder político nos parlamentos desses milicianos”, afirmou o deputado. “Essa é a conclusão que o relatório da Polícia Federal tem apresentado e que, na minha opinião, faz todo sentido com a vivência que eu tive ao lado desse processo. É a tentativa de nos amedrontar, de nos aterrorizar. Esse é um ciclo completo de um poder, de um ecossistema que une crime, política e polícia na cidade do Rio de Janeiro”, acrescentou.
Na audiência desta terça-feira, a defesa de Brazão convocou cerca de oito testemunhas a favor do deputado, mas que não compareceram. Brazão e o irmão, Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, estão presos desde 24 de março, acusados de serem os mandantes do assassinato de Marielle.
Redação com Revista Fórum