Não é de hoje que grandes empresários como Elon Musk tentam influenciar políticas internas de países para proteger ou alavancar seus negócios.
Em tempos de discussão sobre a regulação de big techs, a última cartada do empresário foi atacar Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do Supremo Tribunal Federal, para impulsionar o argumento de que a atuação do Judiciário e a regulação das plataformas fará com que o Brasil se torne uma ditadura.
Ao mirar em Alexandre, Musk escolheu um alvo tanto fácil quanto difícil. De um lado, qualquer crítica ao ministro é amplificada por quem acredita que decisões do TSE para conter notícias falsas durante as eleições de 2022 foram proferidas com o objetivo de eleger Lula. De outro, no entanto, a experiência mostra que as tentativas de emparedar o ministro não renderam bons frutos.
Polêmica em três atos – Como em boas encenações, a polêmica artificial criada em torno de Alexandre e do TSE foi escrita em três atos. No primeiro, Musk vazou para o jornalista estadunidense Michael Shellenberger uma troca de e-mails entre advogados que defendem os interesses do X sobre decisões determinando a retirada de conteúdos e requisitando informações sobre a disseminação de notícias falsas.
No último ato, iniciado no final de semana, o bilionário passou a usar sua própria rede social, o X, para acusar o TSE de censura, pedir o impeachment de Alexandre, dizer que descumpriria decisões judiciais determinando a suspensão de perfis e que a Justiça Eleitoral, sob a batuta ministro, teria ajudado a derrubar Jair Bolsonaro.
A partir daí tudo parece feito para confundir o leitor. A única conversa sobre processo criminal contra o twitter nada tem a ver com Alexandre, o TSE ou o Supremo. A comunicação trata de um pedido do MP de São Paulo, dentro do seu poder legal de requisição, sobre dados cadastrais de um integrante de organização criminosa investigado em uma ação sobre tráfico de drogas.
Nem os e-mails nem a publicação feita no X pelo jornalista dos EUA deixam claro que esse pedido de informações em específico envolve um caso de tráfico. A publicação, no entanto, coloca Alexandre e a corte eleitoral em um mesmo balaio.
Esse tipo de influência pode ser feito nos bastidores, de forma discreta, ou por meio da aliança com a extrema direita, para que esta entregue o ouro de mão beijada.
“O modus operandi consiste em se apresentar como uma fundação sem fins lucrativos e sem remuneração, interessada apenas em fornecer assessoria técnica ao governo. Mas, na condição de “assessor técnico”, poder opinar sobre verbas públicas”, explica Nassif.
Nações soberanas – Os bilionários das empresas de redes sociais e tecnologia em geral tentaram sobrepor seu poder ao de países organizados. Não deu tão certo assim, conta Nassif, e isso ficou evidente quando Mark Zuckerberg, da Meta, teve de prestar contas ao Congresso dos Estados Unidos.
A melhor opção para garantir o próprio poder, na visão dos bilionários das big techs, então, seria aliar-se à extrema direita e trabalhar pela desestabilização das instituições dos países.
Por que Elon Musk faria isso com o Brasil? Há duas respostas: contratos de fornecimento de conexão e fábricas de carros elétricos.
Em 2022, no governo de Jair Bolsonaro, o bilionário chegou a anunciar um projeto de conectividade envolvendo 19 mil escolas brasileiras. O serviço seria prestado pela Starlink, empresa de internet por satélite de Musk. As negociações não caminharam no governo Lula.
O país é central em outro projeto. A Tesla, principal produto do bilionário, está sendo ameaçada pela concorrente chinesa BYD,que montou sua primeira fábrica no Brasil e já adquiriu minas de lítio, matéria prima essencial para as baterias dos carros elétricos.
A grita contra Alexandre de Moraes, assim, pode ser encarada como a reação do bilionário ao encontrar resistência aos seus projetos de expansão desenfreada sobre a infraestrutura e a indústria brasileiras.
Conivência da caserna – Nassif destaca que não foi só o presidente Jair Bolsonaro que se encantou com um gringo e quis entregar a ele poder sobre setores estratégicos da economia brasileira. Seus generais de estimação fizeram o mesmo.
“Conforme reportagem do Teletime, os sites de compras públicas mostram contratações de conectividade Starlink pelo Exército, pela Marinha, Tribunais de Justiça, Tribunais de Contas Eleitorais e até mesmo por Tribunais Regionais Eleitorais”, narra a reportagem.
“Como as Forças Armadas são especializadas, também, nas chamadas guerras híbridas, só se entende essa preferência pela Starlink no plano das afinidades políticas. Ainda mais sabendo-se que a empresa é sustentada por grandes contratos com o governo norte-americano. Musk nao abre o capital da Starlink, porque a empresa não se paga até agora e não dá pra saber os detalhes financeiros.”
O problema é que, com a chegada de uma nova tecnologia, a de comunicação por laser entre satélites, as empresas que controlam esses satélites terão o poder de, passando por cima de qualquer autoridade soberana nacional, cortar o sinal de todos os usuários desse sinal no país — o que agora inclui a força militar brasileira e setores públicos estratégicos. Foi, aliás, o que Elon Musk fez na Ucrânia em 2023.
“É por isso que a Europa trabalha em um modelo próprio de tecnologia, o Canadá investe na constelação Lightspeed, a China trabalha na Constelação Guowang, a Rússia no projeto Esfera, além de vários outros países europeus. Daí a necessidade premente de Musk, de se aliar a governos de ultradireita.”
Regulação – No Brasil, a ofensiva de Musk ocorre no momento em que avançam as discussões sobre a regulação das big techs por meio de um projeto de lei de combate às fake news e um mês depois de o TSE aprovar resoluções que ampliam a responsabilização das plataformas sobre conteúdos ilícitos.
A norma da corte eleitoral determina que as empresas devem identificar e remover conteúdos “notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”.
Os setores que atacam o TSE sob a pretensa defesa da liberdade de expressão afirmam que medidas como essa aproximam o Brasil de países antidemocráticos, muito embora a tendência hoje em diversas nações seja a de regular as redes.
O número de países com regulação contra as fake news disparou desde a Covid-19. O objetivo era conter notícias falsas sobre a vacina e sobre a disseminação do vírus. Em abril de 2020, um mês depois de a Organização Mundial de Saúde qualificar a proliferação da doença como uma pandemia, 16 países já haviam criado regras próprias para punir as fake news. Os dados são do International Center for Not-for-Profit Law (ICNL).
De lá para cá, também avançou a discussão sobre a regulação das big techs.O Reino Unido, por exemplo, aprovou em setembro de 2023 a Lei de Segurança Online. O texto determina que as próprias plataformas devem rastrear ativamente material potencialmente ilícito e julgar se ele é ilegal, sem depender de denúncias de usuários ou decisões judiciais para remover conteúdos. O descumprimento de medidas estabelecidas no texto pode levar a multas de até 18 milhões de libras (R$ 108 milhões).
Na União Europeia, passou a valer a partir de fevereiro deste ano a Lei dos Serviços Digitais, que também determina a remoção de conteúdos ilícitos e estabelece multas de até 10% do faturamento anual global da empresa infratora. A penalidade pode chegar a 20% do faturamento em caso de reincidência.
Na França, está em vigor desde 2020 a Lei Avia, que determina a remoção, em até 24 horas, de conteúdos considerados “manifestamente ilícitos”. As multas para quem desrespeitar as regras podem chegar a 4% do volume de negócios das empresas infratoras.
A Alemanha saiu na frente. Desde 2017 o país tem uma lei que obriga a comunicação, pelas plataformas, de conteúdos que colocam em risco o Estado Democrático de Direito, atentem contra a ordem pública, publiquem conteúdo pornográfico, ameacem a vida ou integridade pessoal de terceiros, entre outras medidas. A norma também estabelece multa caso as empresas não apaguem os conteúdos em até 24 horas.
*Redação com Brasil 247