Por Plinio Teodoro
De dentro do carro no Cebolão, complexo viário que marca uma das saídas da capital paulista para o interior, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) iniciou a conversa com a Fórum na manhã de quinta-feira (5), quando partia para dar início à jornada nacional de mobilização da esquerda para organizar o “contra-ataque” à ultradireita neofascista.
Classificado pelo próprio Lula como um dos principais herdeiros de sua liderança política, Boulos conversou com o presidente que concordou em colocar o bloco na rua para mobilizar o campo progressista um ano após ser protagonista de uma das batalhas mais sangrentas contra o neofascismo na disputa à prefeitura de São Paulo – sendo alvo do bolsonarismo em duas frentes, com Ricardo Nunes (MDB) e Pablo Marçal (PRTB).
Além de levar a militância de volta às ruas, Boulos tem como missão organizar no Brasil o campo progressista para o que classifica como principal guerra que acontece hoje na geopolítica global. E que se dá em um terreno inóspito, no território das redes sociais, atualmente dominado pelo ódio e pela mentira propagada pela ultradireita neofascista.
“Qual o problema que acho que temos hoje. Nós estamos no governo, aliás, se olharmos a América Latina, ela é um sinal de resistência ao avanço da extrema direita internacional, apesar de [Javier] Milei e outras forças de direita. Os três países mais populosos da América Latina são governados pela esquerda nesse momento: Brasil, México e Colômbia. Só que estamos no governo, conseguimos ganhar eleições, mas quem está na ofensiva política são eles, a extrema direita pauta os debates no dia a dia no âmbito digital, tem mais iniciativa política, mesmo fora do governo”, analisa.
“O que eu sinto – e conversamos com muitos companheiros e lideranças de movimentos sociais, com militantes de várias áreas – é que hoje tem uma certa apatia no nosso campo. Uma confusão, uma perplexidade, e isso se traduz em falta de ação, em paralisia. A esquerda não está indo para a rua, não está se mobilizando. E até no autoflagelo. Você vê, muitas vezes, o militante de esquerda virando comentarista de Twitter, avaliando os problemas da esquerda, enquanto temos que ser parte da solução e não críticos de camarote”, emenda o deputado.
Contra-ataque ao neofascismo
No giro pelo país – uma reedição do que fez Lula entre 1993 e 1996 quando percorreu 395 cidades em todos os estados brasileiros nas chamadas Caravanas da Cidadania –, Boulos tem como objetivo dialogar com o campo progressista, organizar a militância, dar tarefas e, principalmente, criar um ecossistema de redes para unificar a narrativa para o enfrentamento ao neofascismo.
“Na disputa de rede, a extrema direita está sempre falando a mesma coisa, a narrativa da semana – Lula e o INSS, anistia. Enquanto cada influenciador ou liderança da esquerda está falando de uma coisa diferente”, diz. “Unificar narrativa em tempos de batalha digital, de guerra cultural, é o ponto-chave”, complementa.
Boulos cita, por exemplo, como essa ultradireita conseguiu vestir uma fantasia antissistema, mesmo sendo a principal representante do que costumam tratar como establishment ou globalismo.
“A extrema direita consegue, numa linguagem simples, de um jeito mecânico e esquemático, construir uma visão de mundo como se fossem contrários ao sistema. O que é um absurdo, pois a extrema direita anda de mãos dadas com os bilionários e no capitalismo o sistema é o capital, são os capitalistas, e a extrema direita é a maior representante política deles. Mas conseguiu construir um discurso que soa como sedutor para muita gente que está desalentada, sem perspectiva e marcada pela descrença com a política”, diz o deputado.
Com os olhos nas eleições presidenciais, Boulos defende que é imprescindível avançar no campo de batalha das redes já em 2025 para preparar o contra-ataque para o embate que se dará em meio à disputa eleitoral em 2026.
E, mesmo com Bolsonaro preso, o deputado afirma que o embate deve seguir pelas próximas décadas com a proliferação de “novas criaturas digitais, que representam esse avatar do bolsonarismo”.
“Por mais que Bolsonaro esteja preso – e acredito que será, que não escapa –, o bolsonarismo não depende unicamente da figura de Bolsonaro. Veja o que enfrentamos aqui em São Paulo no ano passado, com Pablo Marçal. Eles fazem surgir novas criaturas digitais, que representam esse avatar do bolsonarismo de figuras fascistas, que se criam muito rapidamente.”
Boulos considera crucial a organização dessas frentes de batalha nas redes para o que considera o “embate da nossa época”. “O embate para derrotar o fascismo do século XXI no mundo inteiro, esquerda contra o fascismo será o enfrentamento das próximas décadas.”
Rede Social tem método
Segundo Boulos, o contra-ataque ao neofascismo envolveu não apenas Lula, mas uma grande articulação “com lideranças do movimento progressista, de partidos, de movimentos, para organizar uma espécie de ecossistema, mais articulado, do nosso campo”.
O deputado lembra da batalha recente, na disputa paulistana, e revela os bastidores do monitoramento da campanha, que enfrentou o neofascismo e o levou ao segundo turno da disputa, mesmo em condições pouco favoráveis.
Boulos então recorre a um termo cunhado pelo Exército nazista de Adolph Hitler para promover ataques relâmpagos na II Guerra Mundial para definir a estratégia neofascista nas redes.
“O que acontece: você abre o feed da direita, eles estão coordenados em ataques como se fossem blitzkriegs na mesma narrativa. Quem abre o feed e vê a esquerda não entende a mensagem que a gente quer passar porque cada um está falando uma coisa.”
Em seguida, explica o trabalho que será feito para neutralizar esses ataques nos embates nas redes sociais.
“O ponto de partida é ter uma coordenação básica de militância que unifique a narrativa. Um dos desafios que terei nesse giro é organizar uma espécie de grupos de contra-ataque digital. Em cada cidade que passar, nós vamos montar grupos de WhatsApp, de militantes digitais, que vão funcionar unicamente para passar orientações de conteúdo, temáticas, para pessoas que entendem que têm que atuar de forma coordenada na rede”, explica.
Horizonte de Mujica
Para que o Brasil e o mundo sigam avançando, rompendo as correntes da obscuridade neofascista conservadora, o deputado diz que é preciso traduzir a visão de mundo que queremos e, mais do que isso, colocá-la em prática dentro desse embate que se dará com o neofascismo nas redes nas próximas décadas.
“Se a gente ficar só no enfrentamento, isso nos joga num lugar de defensiva, de resposta a eles. Então, temos que colocar na mesa nosso horizonte e disputar futuro, no atacado e no varejo. E essa disputa vai se dar numa situação de guerra, que é a situação que temos hoje”, diz.
Para isso, Boulos recorre a um ensinamento deixado pelo ex-presidente do Uruguai José “Pepe” Mujica, um dos maiores pensadores do campo progressista, que dizia que “a utopia está lá, no horizonte”.
“Eu me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos, e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”, disse Mujica, em uma de suas centenas de frases memoráveis.
Boulos acredita que é mirando esse horizonte, vencendo as batalhas no presente, que podemos construir uma sociedade realmente progressista, justa e longe do mundo distópico e irreal que o neofascismo tenta impor nas redes e nas ruas.
* Revista Fórum
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