Nas últimas semanas, repercutiu nacionalmente a decisão do Ministério Público de Pernambuco de convocar uma audiência pública para discutir os chamados “intervalos bíblicos” promovidos por alunos da rede estadual.

Em Alagoas, a prática de reuniões, grupos bíblicos e de oração é comum entre estudantes da educação básica e também do ensino superior. Assim, é importante esclarecer se há limites para a expressão religiosa em ambientes públicos, considerando o princípio constitucional da laicidade do estado democrático de direito.

Para responder se o estudante de escola pública tem direito de manifestar sua fé individualmente ou em grupo, o Cada Minuto entrevistou o advogado Isaque Rafael, presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa, da Ordem dos Advogados do Brasil de Alagoas (OAB/AL).

Além disso, para tratar da manifestação religiosa em ambientes escolares e públicos, a reportagem trouxe o posicionamento de três representantes religiosos de crenças distintas.

Ao advogado Isaque Rafael, o Cada Minuto perguntou se alunos de escola pública podem expressar sua fé individualmente ou em grupo. Ele respondeu que a liberdade é uma regra para a Constituição brasileira.

“A regra da nossa Constituição é sempre a garantia das liberdades, liberdade de pensamento, liberdade filosófica, liberdade religiosa. Portanto, nesse sentido, o nosso entendimento é de que é possível a manifestação individual ou em grupo em escolas públicas. Considerando que a nossa constituição prevê a liberdade religiosa e a liberdade religiosa tem como uma das suas facetas a exteriorização da crença, ou seja, eu poder ostentar, expressar aquilo que acredito. No nosso entendimento, é possível plenamente que haja essa manifestação.”, afirmou o advogado.

Isaque Rafael explica ainda que o discurso de ódio é o sinal de que a liberdade religiosa está ultrapassando os limites.

“As ações que ultrapassariam a liberdade religiosa seriam ações que desencadeassem naquilo que é entendido como discurso de ódio. O discurso de ódio é quando você primeiro estabelece uma discriminação entre coisas ou pessoas, uma relação de superioridade e inferioridade. Por exemplo, um grupo de alunos é de uma religião A, e tem outro aluno ou grupo de alunos de uma religião B, e aí eles dizem: ‘olha, nós somos diferentes, a nossa religião é diferente, a minha é melhor do que a sua’. Observe, eles estão discriminando um ao outro e se colocando como o melhor. Isso é muito corriqueiro, inclusive, no discurso religioso. Mas, apenas isso, não seria suficiente para configurar o discurso de ódio. O que configurará o discurso de ódio é justamente uma terceira característica, que seria a necessidade de dizer o seguinte: ‘nós somos diferentes, eu sou melhor do que você, e em razão disso você não merece ter os seus direitos protegidos, você pode ter os seus direitos violados.’ E aí justificaria, por exemplo, agressões. Então, basicamente, é quando, em razão dessa diferença e dessa superioridade ou inferioridade, eu justifico uma agressão ao direito do outro, à liberdade, à integridade física, psicológica, moral daquela pessoa. É isso que ultrapassa o limite da liberdade religiosa.”, esclareceu.

Em relação aos alunos que frequentam escolas confessionais, mas acreditam em uma fé diferente da que a escola professa, o advogado disse que o aluno tem direito de manifestar sua fé mesmo assim.

“O Supremo Federal já manifestou a respeito do ensino religioso confessional em escolas públicas. A corte entendeu que era possível haver o ensino confessional em escolas públicas, desde que ele seja facultativo. Dessa forma, se o ensino religioso confessional é facultativo, é plenamente possível que alguém que estuda em uma escola confessional manifeste a sua crença diferente. Faz parte da liberdade religiosa o direito de expressar isso, de exteriorizar isso.”, disse ele.

Segundo o Padre Rodrigo Rios, assessor de imprensa da Arquidiocese de Maceió e pároco da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, no Inocoop, as expressões religiosas fazem parte da construção cultural do povo ocidental e manifestar a fé não é um problema quando há respeito e tolerância com as demais expressões.

“Um Estado Laico não significa um estado anti-cristão. A cultura ocidental foi formada pela religiosidade. Então, expressões religiosas também fazem parte da cultura do nosso povo. Um exemplo claro disso é a Festa de São João. Manifestar a fé não se torna um problema quando há respeito e tolerâncias para com as outras religiões. Os católicos são muito abertos a isso e as orientações da Santa Sé são de diálogo, como visto em vários documentos assinados pelo Papa”, disse o sacerdote.

O padre vê de forma favorável a presença dos cristãos nos mais diversos ambientes. Ele disse, ainda, que mesmo que alguma instituição proíba a manifestação de fé, os valores cristãos podem ser vividos no dia a dia.

“A Igreja Católica entende que a presença dos cristãos em todos os ambientes, inclusive em escolas/faculdades, é positiva, através da manifestação da fé. Se determinada instituição não permite que isso seja feito publicamente, não há problemas, pois os valores de cada pessoa cristã são vistos no dia a dia. Uma pesquisa feita em Harvard viu que os adolescentes que frequentam ambientes religiosos têm 70% de chance a mais de não se envolverem com drogas, crimes e situações de risco”, comentou.

Padre Rodrigo finalizou dizendo ser contra a proibição geral de manifestação religiosa no ambiente escolar, pois, segundo ele, se não fosse um grupo de oração o qual participou quando era estudante no Instituto Federal de Alagoas (IFAL), hoje não seria padre.

“Não concordo (sobre uma possível proibição geral de manifestação religiosa), pois foi através de um grupo de oração no IFAL (Instituto Federal de Alagoas) que comecei a participar das coisas de Deus. Se não fosse aquela experiência, hoje eu não seria um homem de fé. Acredito que os benefícios são grandiosos, basta que a participação seja espontânea, voluntária, respeitosa”, completou.

A Mãe Graça de Oxum, dirigente do Templo de Umbanda Cabocla Jurema e Caboclo Ubirajara, entende que é inevitável a manifestação da fé nos espaços da sociedade.

“A fé nos dá entendimentos de como se ver e viver no mundo. As cosmologias de matriz africana são perspectivas e tradições de conhecimento que interpelam a vida de seus adeptos. Então, é praticamente inevitável não expressarmos e manifestarmos nossa fé nos espaços por onde passamos. A escola, que deve ser um lugar de múltiplas coexistências e subjetividades, tem que estar preparada para receber e acolher estudantes de nossas comunidades de terreiros, e evitar que a manifestação da pertença às religiões afro-brasileiras seja um fator que gere segregações, discriminações e desigualdades”, disse.

A mãe de santo disse que o exercício da própria função social da escolha: partilhando conhecimentos múltiplos e fortalecendo ideias e perspectivas sobre justiça social já uma forma de manifestar a fé em ambientes escolares.

Sobre a proibição da manifestação a fé nas escolas, a religiosa disse que este não é o caminho e que a escola é o lugar para falar das diferenças.

“Acredito que a proibição não é o caminho. Podemos e devemos coexistir em sociedade a partir de nossas diferenças religiosas, e a escola é justamente o lugar ideal para se pautar a diferença enquanto um aspecto plural da vida humana que deve ser respeitado e compreendido. O que deve ser proibido são manifestações e comportamentos de fundamentalismo, intolerância e racismo religiosos no âmbito escolar, que geralmente acaba por reprimir e tolher crianças e adolescentes umbandistas e candomblecistas.”, finalizou.

O Cada Minuto entrevistou também um representante da fé cristã protestante. O pastor Wellington, da Igreja Batista do Pinheiro, afirma que sua igreja estimula a manifestação da fé em todos os ambientes, especialmente nas escolas e faculdades.

“Você vai ter lideranças evangélicas que estimulam que os seus estudantes, os seus fieis frequentem escolas, mas têm uma certa ressalva com as universidades, porque continuam achando que o ensino superior é um desafio para a fé. Mas você terá igrejas evangélicas, a exemplo da Igreja Batista do Pinheiro, que estimulam que seus fieis não tenham medo do conhecimento, pelo contrário, uma fé sólida não tem problema nenhum com o saber”, afirmou o pastor.

Wellington reforça a importância dos estudos, da leitura e do pensamento, e que isso não é uma barreira para as crenças e para a alimentação da fé, e sim uma necessidade de todo o ser, para construir uma visão de mundo e testemunhar a sua fé.

“Tem uma frase que eu sempre disse e repito, quem sabe tudo não precisa crer em nada, mas quem crer precisa saber, precisa estudar, precisa aprender. Então, a partir da Igreja Batista do Pinheiro, a qual represento e posso falar, nós estimulamos que todos os nossos fieis, independente de idade, estudem, leiam, pensem, reflitam para construir a sua cosmologia, a sua cosmovisão de mundo. Por isso, que vá para as universidades, que ocupe os espaços e que sim, dentro do possível, possa testemunhar da sua fé. Não de forma proselitista, mas de forma testemunhal, com exemplo e atitude”, disse.

Sobre a maneira de manifestar a fé sem ferir o estado laico ou a fé das outras pessoas, o pastor afirmou que o que deve acontecer é o próprio fiel fazer o anúncio de sua fé, buscando o respeito à pluralidade religiosa e à diversidade.

“Como dizia Francisco de Assis: ‘pregue o evangelho, quando for preciso, use palavras.’ Há outra liderança que diz: ‘tenha cuidado com sua vida, porque possivelmente o único evangelho que as pessoas irão ler será você.’ Então, na igreja do Pinheiro, estimulamos que as pessoas anunciem a sua fé, repito, com práticas e atitudes, inclusive de respeito à pluralidade religiosa, à diversidade, ao um mundo mais democrático, o mais amplo, o mais acolhedor possível”.

O pastor também se posicionou contra a proibição geral de manifestação religiosa, seja qual for a denominação, nos ambientes escolares. Wellington defendeu que se crie leis para as pessoas poderem manifestar a sua fé religiosa respeitando outras crenças.

“A escola deve estimular o debate respeitoso, o debate da diversidade, sem necessariamente fazer proibição. Sabe aquela coisa lá na França que se proibiu as mulheres muçulmanas de usar o ‘manto’ sobre a cabeça? Acho isso agressivo, porque fere o direito individual do ser humano. Então, criar regras de convivência, criar regras para as pessoas poderem manifestar a sua fé religiosa sem ferir o outro, é o melhor caminho, ao contrário de proibir, com objetivo da escola ser esse espaço ‘neutro’”, finalizou.

Redação com Cada Minuto

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