“Minha família está toda chocada. Até o pessoal de outros estados do Brasil está chocado”, lamenta Ailton Silva, pai de Ana Firmino, de 12 anos, assassinada com golpes de faca no último dia 2, em Maravilha, no Sertão de Alagoas.

O caso, que expõe a violência de gênero desde a infância, causou grande comoção no Estado. A menina estava conversando com um jovem, que também foi esfaqueado, no momento do crime. Durante o ocorrido, um assalto foi anunciado, mas nenhum objeto foi roubado.

“Esse cara [o principal acusado] já tinha ficado com ela, mas ela terminou e não queria mais ficar com ele. Ela foi para São Paulo e passou uns quatro meses sozinha. Quando ele chegou, começou a persegui-la, corria atrás dela e queria namorar ela, entende?”, relata o pai da vítima.

No último dia 5, o principal suspeito e um casal envolvido no crime foram presos durante operação da Polícia Militar.

“A sensação da família é de que a justiça seja feita. Já foi feita uma parte, mas que a justiça continue sendo feita. O que queremos é que eles não sejam soltos. Se soltarem, vão fazer a mesma coisa, não é isso?”, desabafa Ailton. 

Aumento de casos de violência contra a mulher em AL 

O início de 2025 foi marcado por um aumento de ocorrências de violência contra a mulher. Segundo o relatório do Centro Integrado de Operações em Segurança Pública (Ciosp), entre o dia 1º e a madrugada do dia 2, foram registrados 15 casos em diversas localidades do estado nas primeiras 24 horas do ano. As denúncias incluem agressões físicas, ameaças e episódios graves envolvendo gestantes.

A história se repete no primeiro fim de semana do ano. No último dia 5, e nas primeiras horas da última segunda-feira (6), 11 casos deste tipo de violência foram registrados. As ocorrências, que ocorreram em um intervalo de 15 horas, foram registradas nos municípios de Maceió, Arapiraca e Palmeira dos Índios.

“Falhamos em sociedade”, diz especialista sobre assassinato de menina

Para compreender o aumento da violência, assim como o caso da menina Ana Firmino, o Cada Minuto ouviu a advogada e especialista em direitos das mulheres Paula Lopes. Ela relembra que Alagoas liderou por anos o ranking de casamentos infantis no Brasil, evidenciando como as meninas são submetidas a papéis adultos precocemente.

“Sempre que falamos de Direitos das Mulheres, precisamos incluir Direitos das Meninas. Há uma recomendação da ONU [Organização das Nações Unidas] para isso, justamente para não esquecermos que a violência de gênero contra as mulheres é perpetrada desde a nossa infância e em todas as fases da vida”, afirma.

A especialista destaca que o aumento nos registros de violência contra a mulher e casos como o de Maravilha não apenas evidenciam a persistência de um problema estrutural, mas também refletem os avanços na visibilidade e no enfrentamento desses casos.

“Isso mostra como falhamos como sociedade. Precisamos estimular nossas meninas a estudar, focar em um projeto de carreira, realizar sonhos, não aceitar a violência como destino, e preparar nossos meninos para a equidade, respeitando as meninas e mulheres e evitando a agressividade e o machismo”, acrescenta.

Lopes ressalta ainda que a falta de acesso e a carência de políticas públicas mais sólidas mostram que o caminho para garantir segurança e direitos de mulheres e meninas em Alagoas ainda é longo e urgente.

Sobre o caso, a Secretaria de Estado da Segurança Pública de Alagoas (SSP/AL) informou que o inquérito do assassinato de Ana Firmino está sob responsabilidade da Polícia Civil e será divulgado assim que concluído.

Subnotificação e o acesso à Justiça

Embora os números de denúncias sejam elevados, a advogada também menciona que a subnotificação ainda é uma realidade preocupante.

“A realidade de fato nos mostra que a maioria das mulheres e meninas que sofrem violência nem sequer acessam a polícia ou a Justiça para realizar esses registros, sobretudo, quando tratamos de violências ditas invisíveis, que são aquelas que não deixam marcas físicas”, aponta.

 

Advogada e especialista em direitos das mulheres, Paula Lopes. Foto: Reprodução

Ela também reforça a importância de criar um sistema mais acolhedor para as vítimas. “Somos um Estado com 102 municípios, e quantos são os organismos de proteção à mulher em cada um? Quem mapeia isso? Quem fiscaliza se está de fato funcionando? Será que a mulher do sítio, da estrada de barro, num distrito ou povoado, no quilombo ou no sertão rachado vai conseguir acesso?”, questiona.

Para Lopes, o aumento nos registros é reflexo da maior visibilidade do tema nos últimos anos. “A violência sempre aconteceu, mas era velada, silenciada; ora não tinha Lei, ora não tinha delegacia, nem atendimento especializado”, enfatiza.

A advogada destaca que, apesar dos desafios, mais mulheres estão buscando ajuda, mas isso também sobrecarrega o sistema. “O que requer não é fórmula mágica, mas políticas sociais efetivas, como: condições para o Poder Público atender essas mulheres em suas múltiplas demandas, e políticas públicas para prevenção à violência. Só assim se diminuem os índices verdadeiramente.”

Outro lado 

Apesar da percepção inicial de aumento, a SSP/AL destaca que dados apontam uma breve redução no número de casos de violência contra a mulher registrados entre os dias 1º e 8 de janeiro de 2025, em comparação ao mesmo período de 2024. Este ano, foram 229 ocorrências contra 233 do ano anterior.

“A SSP entende e lamenta que seja um número elevado de casos registrados e realiza periodicamente ações de combate e também de conscientização das mulheres para denunciarem seus agressores por meio de canais de denúncia, em específico o 181”, disse em nota o secretário executivo da secretaria, delegado José Carlos.

Acerca das dificuldades em combater essa violência, a coronel Camila Paiva, chefe de Polícia de Segurança à Mulher, explica que a maioria das vítimas não denuncia os agressores, tornando difícil para o Estado intervir. “Isso torna praticamente impossível que o aparato do Estado tome conhecimento dessa violência e possa agir. Por isso, o trabalho de prevenção é imprescindível.”

Diante desse cenário, algumas medidas estão sendo implementadas, como a criação de um canal online para solicitação de medidas protetivas, capacitação de agentes de segurança e acompanhamento de vítimas pela Patrulha Maria da Penha.

A SSP também investe em operações conjuntas entre as polícias Civil e Militar, mutirões para agilizar inquéritos, panfletagem, palestras e uso de delegacias móveis no interior.

“Essas iniciativas refletem o compromisso da SSP em proteger as mulheres e combater a violência de forma integrada e eficiente”, enfatiza a pasta.

Redação com Cada Minuto

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