Por: Isabela Aleixo
Não é verdade que o número de homens assassinados por suas parceiras é maior que o de mulheres mortas por seus companheiros no Brasil.
Uma advogada cita dados incorretos e relaciona taxas mundiais com nacionais para defender a tese.
O que diz o post
A advogada Jamily Wenceslau mostra dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública e do Ipea para tentar provar que o número de homens assassinados por suas parceiras é maior que o de mulheres assassinadas por seus parceiros no Brasil. Ela diz que em 2024, “o Brasil registrou 46.328 mortes violentas intencionais. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 99,3% dessas vítimas eram homens, cerca de 46 mil homens mortos em um ano”.
Em seguida, cita um dado que credita ao Ipea, segundo o qual, “6% desses homicídios de homens são cometidos por suas parceiras”. Logo depois, ela faz um cálculo matemático: “Aplicando essa taxa, chegamos a aproximadamente 2.760 homens mortos por suas parceiras em um só ano”. E, depois, compara com o número de feminicídios totais no Brasil. “Os feminicídios registrados em 2024 foram 1.467. Quando tiramos os casos cometidos por conhecidas ou estranhas, os feminicídios íntimos, aqueles cometidos por parceiros ou ex-parceiros, somam cerca de 1.340. Ou seja, meus caros, mesmo com dados conservadores, estamos falando de mais homens mortos por parceiras do que de mulheres mortas por parceiros”, conclui.
Por que é falso
99,3% é o percentual de homens entre vítimas de letalidade policial. Jamily Wenceslau usa o dado sobre o perfil de vítimas de letalidade policial para afirmar que é o perfil total de vítimas de homicídio no país. A informação de que se trata de pessoas assassinadas pela polícia, no entanto, é omitida no vídeo. O número correto que corresponde ao percentual do total de vítimas de homicídios no país que são homens é de 90,2%, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024 (confira aqui). A advogada também apresenta os dados do anuário como se fossem referentes a crimes cometidos no ano passado. No entanto, as informações são sobre 2023.
Cerca de 42 mil e não 46 mil homens foram assassinados em 2023. Como o vídeo usa o percentual errado sobre o perfil das vítimas de homicídio, o cálculo de homens assassinados também está incorreto. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram aproximadamente 42 mil homens mortos em decorrência de homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenção policial. “Portanto, além do número estar incorreto, não se trata exclusivamente de casos de homicídio doloso, incluindo outras naturezas/tipos penais que resultam em morte e que possuem dolo”, explica a organização.
Dado apresentado pelo Ipea é mundial e percentual de mulheres vítimas é omitido. “Aproximadamente 40% de todos os homicídios de mulheres no mundo são cometidos por um parceiro íntimo. Em contraste, essa proporção é próxima a 6% entre os homens assassinados”, diz o estudo citado pela advogada (aqui).
A informação de que o percentual de mulheres mortas por seus parceiros é proporcionalmente maior é omitida no vídeo. Além disso, trata-se de um dado de 2013. A advogada usa uma taxa mundial para justificar um cálculo com dados absolutos referentes apenas ao Brasil. O estudo do Ipea foi noticiado por diversos veículos jornalísticos na época e os dados podem ser consultados no site do Ipea (aqui), em reportagens do O Globo (aqui) e também da Folha de S. Paulo (aqui).
Não é possível saber, a partir dos dados usados, quantos homens foram mortos por suas parceiras, diz Fórum de Segurança Pública. Ao UOL Confere, a instituição responsável pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública disse que os dados disponíveis registram apenas o perfil das vítimas, e não dos autores. “O vídeo distorce números e cria uma falsa equivalência com o feminicídio, que é um crime de ódio baseado em gênero, e ocorre, na maioria das vezes, em contextos domésticos”, afirma a organização.
Homens são assassinados em contextos urbanos e ligados a disputas criminais. Segundo o Fórum de Segurança Pública, embora representem a maioria das mortes violentas, os homicídios de homens ocorrem majoritariamente por armas de fogo, em contextos urbanos e ligados a disputas criminais.
É lamentável que se use fake news para tentar minimizar a gravidade da violência contra as mulheres no Brasil, justamente quando os dados mostram recordes de feminicídio ano após ano. Criar narrativas falsas com viés ideológico não contribui para o debate, desinforma a sociedade e ainda prejudica políticas públicas reais.Fórum de Segurança Pública
Uma mulher é morta por parceiro ou familiar a cada dez minutos no mundo, diz ONU. Segundo o relatório “Feminicídios em 2023: Estimativas Globais de Feminicídios por Parceiro Íntimo ou Membro da Família” da ONU Mulheres e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime divulgado em novembro do ano passado (aqui), 60% de todos os feminicídios no mundo são cometidos por parceiros ou familiares das vítimas, enquanto 12% de todos os homicídios de homens acontecem na esfera privada (confira aqui e aqui).
Em 2023, cerca de 51 mil mulheres e meninas foram mortas por parceiros ou familiares no mundo. Isso significa que, em média, 140 mulheres ou meninas são assassinadas por dia por alguém da própria família. O relatório destaca que embora homens e meninos representem a maioria das vítimas de homicídios, mulheres e meninas continuam sendo desproporcionalmente afetadas pela violência letal no âmbito privado.
Histórico de desinformação. O UOL Confere já checou outro vídeo em que a advogada Jamily Wenceslau citou dados falsos sobre denúncias de violência doméstica. Na ocasião, ela disse em um programa da Jovem Pan News que “quase 97% de todos os registros de ocorrência” sobre a Lei Maria da Penha seriam de falsas acusações. Como apurou o UOL Confere, este dado não existe.
Advogada pelo ‘direito dos homens’. Jamilly Wenceslau se define como defensora dos direitos dos homens. A maior parte dos casos defendidos por ela são de homens acusados de violência doméstica, via Lei Maria da Penha, e casos de direito de família envolvendo a guarda de filhos, pensão alimentícia e alienação parental, segundo matéria do UOL do ano passado para a qual ela deu entrevista (aqui). Procurada, a equipe da advogada disse que ela está de férias, e responderá em momento oportuno. O espaço segue aberto para manifestação.
Redação com Uol
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