A rivalidade esportiva de Flamengo e Palmeiras, que se enfrentam neste domingo às 16h pelo Brasileirão, também é financeira. E na casa do bilhão. O círculo virtuoso de disputa de títulos ao longo dos últimos anos coloca os dois também no topo da lista de ricos do futebol brasileiro.
O Flamengo foi o primeiro clube bilionário do futebol brasileiro em 2022, repetiu a dose em 2023 e 2024 e, pelo orçamento, vai bater essa marca mais uma vez em 2025. A estimativa é que a receita chegue perto dos R$ 2 bilhões.
Ano passado, o Fla ganhou a companhia do Palmeiras (e do Corinthians) como os clubes que ultrapassaram o sarrafo do bilhão de receitas. A diferença é que em termos de saúde financeira, os corintianos passam longe.
Em 2024, os clubes da Série A, somados, atingiram R$ 10,5 bilhões de receita. Flamengo e Palmeiras, juntos, foram responsáveis por R$ 2,4 bilhões.
Por caminhos diferentes, eles hoje são os principais exemplos do efeito positivo da reestruturação financeira no país – sem a necessidade de deixar de ser clube associativo para virar SAF. Os frutos são esportivos.
“Se tiver bom time sem organização financeira, vai fazer voo de galinha. Ganha um título. Mas pode ficar amargando por anos. Não existe crescimento que não seja sustentável. Não existe crescimento sustentável sem finanças equilibradas. Então, se quiser ser campeão sempre, organize a cozinha”, disse Claudio Pracownik, atual vice de finanças do Flamengo, em conversa ainda antes de voltar ao clube na gestão atual.
De onde vem o dinheiro?
Se hoje o Flamengo é capaz de fazer contratações do porte de Samuel Lino (22 milhões de euros/R$ 138 milhões), ir à Argentina e pagar a multa de Nico De La Cruz à vista (R$ 78 milhões) ou até mesmo comprar o terreno do estádio com um depósito único de R$ 138 milhões, é porque um caminho foi pavimentado ao longo dos anos.
A pergunta “de onde vem o dinheiro do Flamengo?” ganhou volume quando o clube passou a fazer as primeiras contratações mais robustas, como Paolo Guerrero, em 2015.
Dirigentes do Flamengo se irritavam com o questionamento na imprensa, porque entendiam que estava tudo muito claro no balanço do clube. A primeira contratação robusta paga à vista desde a reestruturação foi Éverton Ribeiro, em 2017.
‘Vai pagar como? No débito!’ Isso eu falei com o Rodrigo Caetano e com um sheik”, lembrou Cláudio Pracownik.
Hoje, o Flamengo não depende só dos direitos de TV (e premiação por desempenho em competições) para faturar o seu bilhão. É verdade que o dinheiro que vinha da Globo para Fla e Corinthians foi um bom ponto de largada para alicerçar o crescimento ao longo dos anos. Mas o clube não parou por aí.
No ano passado, 32% da arrecadação bruta vieram de publicidade e patrocínio (R$ 417,7 milhões). O dinheiro da TV correspondeu a 35% da receita rubro-negra (R$ 453 milhões).
Em 2025, o Fla projeta desempenho ainda melhor nas receitas comerciais, já que recentemente assinou contrato de patrocínio máster que supera o anterior.
No caso do Palmeiras, o salto bilionário mais recente se deu pelo desempenho excepcional com venda de jogadores. Foram R$ 504,3 milhões nesse item em 2024, o que correspondeu a 45% da arrecadação.
Tanto Fla e Palmeiras já tiveram em 2025 um Mundial de Clubes para catapultar a arrecadação e a tendência é que continuem no topo da arrecadação entre os clubes. Mas jogos como o de hoje, pelo Brasileirão, e a Libertadores podem definir a distância entre os dois ao fim da temporada.
Reestruturação dos gigantes
O processo de reestruturação dos dois clubes começa praticamente ao mesmo tempo.
Paulo Nobre chegou ao comando do Palmeiras em 2013. O time estava na Série B. No ano seguinte, emprestou R$ 150 milhões do próprio bolso para desafogar o Palmeiras.
Com meios distintos de capitalização, Palmeiras e Flamengo adotaram a profissionalização como linha de trabalho.
“Flamengo e Palmeiras usaram estratégias bem diferentes para atingir o protagonismo que eles têm hoje. O Flamengo foi com uma reestruturação totalmente orgânica, uma visão de corte de gastos, mais focada em eficiência, sem dinheiro de fora. Ou seja, só com a geração operacional de receita. Então, foi um equilíbrio muito mais orgânico. Quando a gente olha para a visão do Palmeiras, teve um aporte de fora. É o que a gente chama de uma restruturação inorgânica. Então, a gente vê que ela foi muito mais rápida que a do Flamengo, por motivos óbvios: pela injeção de capital, que acelerou o processo”, analisou Pedro Daniel, diretor executivo da EY para a área de esporte.
Ao longo dos anos, o Palmeiras entrou primeiro na rota dos títulos — ganhou o Brasileirão em 2016 e 2018. Mas o Flamengo foi quem primeiro superou a marca de R$ 1 bilhão em receitas anuais, também a partir do momento em que passou a empilhar taças – 2019 foi o ano mágico, com Brasileirão e Libertadores.
A concorrência atual é para ver qual dos dois é mais eficiente para conjugar o investimento e a conquista de títulos. Além disso, há uma disputa para ver quem consegue pavimentar um caminho de aumento de receitas.
O que Bap e Leila têm a ver com o momento financeiro atual
A capacidade de sair do buraco financeiro é motivo de orgulho de ambos os lados no clássico deste domingo. E essa guinada até entrou no debate atual sobre a briga pelo dinheiro da audiência do contrato de TV na Libra.
O argumento de Bap foi para refutar a tese de que o Fla asfixia os rivais ao brigar por uma fatia maior dos 30% do contrato com a Globo. Leila Pereira, por outro lado, tornou-se a principal antagonista a Bap nessa discussão com a Libra.
Os dois dirigentes têm as digitais bem visíveis na potência econômica que Flamengo e Palmeiras se tornaram.
Bap foi um dos cérebros da chapa azul, o grupo político que se uniu para tirar o Flamengo do buraco. Ele levou a expertise dos anos como presidente da SKY para catapultar o marketing do clube na ocasião e aumentar as receitas em uma fase de corda no pescoço.
Levantar dinheiro naquela época foi fundamental para a estratégia de austeridade de gastos, interrupção de penhoras e pagamento de dívidas.
A ideia geral foi restaurar a credibilidade do Fla no mercado e travar as expectativas esportivas para reorganizar a casa. Com melhor poder de barganha, o Flamengo passou a vender melhor seus craques da base, como Paquetá e Vini Jr, que nutriram o investimento no elenco a partir de 2019.
No lado palmeirense, Leila entrou em ação como presidente da Crefisa, que patrocinou o clube a partir de 2015 — ainda na gestão Paulo Nobre. Na renovação contratual de 2019, já com Maurício Galiotte no poder, o acordo passou a ser o maior contrato de patrocínio do país naquela época.
A Crefisa só saiu do Palmeiras em dezembro de 2024, quando quem tinha o maior contrato de patrocínio era o Flamengo — algo ampliado com a chegada da Betano neste ano.
De todo modo, esse lastro de dinheiro dentro do clube ajudou o Palmeiras a dar o salto de investimentos necessário para se tornar dominante esportivamente e alimentar a cadeia de produção de jogadores na base. As vendas seguidas de Luís Guilherme, Endrick e Estêvão fizeram a arrecadação recente decolar ainda mais.
Apesar da relação que parece mais com mecenato na reestruturação do Palmeiras, não dá para tirar da equação o efeito que o Allianz Parque trouxe nesse processo. O modelo de negócio do estádio faz com que o time jogue lá, leve a bilheteria e a gestão/endividamento fique com a construtora WTorre.
E se alguém quiser repetir o jeito que os dois clubes deram a guinada financeira? A missão não é fácil.
“Não existe a receita de bolo. Existe realmente em que contexto você está inserido, em que momento o mercado está e quais são as perspectivas de médio prazo. Em 2013, o contexto era de clubes mais próximos financeiramente. Então, a reestruturação fica menos dura, se a gente comparar com o mercado atual. Agora, em 2025, a gente tem um distanciamento muito grande, uma consolidação, uma concentração de receita muito grande. Fica muito mais difícil para você usar os mesmos remédios”, disse Pedro Daniel, da EY.
Redação com Uol/ Esportes