O Teatro Procópio Ferreira, um dos palcos mais tradicionais de São Paulo e conhecido nacionalmente por ter recebido as gravações do humorístico “Sai de Baixo”, da TV Globo, foi fechado na surdina e agora está na mira da demolição. E o pivô disso tudo é ninguém menos que o ex-prefeito Paulo Maluf — de mãos dadas com o avanço imobiliário que vem descaracterizando uma rua que foi símbolo da cultura underground.
Maluf, junto com seus irmãos, é um dos donos do terreno do teatro — que, prestes a completar 80 anos, já está sendo desmontado. A bilheteria foi retirada, parte do piso não existe mais, paredes do foyer começaram ser removidas e não há mais o nome na fachada. Até o momento, porém, não há registro de pedido oficial de demolição.
Mas isso é questão de tempo. A coluna apurou que o edifício, que fica na Rua Augusta, está em estágios avançados de venda pela família Maluf, incluindo a emissão recente de certidões e atualizações cadastrais do imóvel. Além do teatro, outros dois comércios que ocupavam o mesmo terreno — uma clínica estética e um salão de beleza — tiveram seus contratos de aluguel encerrados e deixaram o local.
A quadra — uma das mais valorizadas dos Jardins, entre as ruas Oscar Freire e Estados Unidos — passa por um processo acelerado de transformação urbana. Uma agência bancária, uma lanchonete e um restaurante já estão em fase avançada de desmanche. Quem anda por ali, ao ver apenas as fachadas de pé, fica com a sensação de estar em um filme pós-apocalíptico.
Entre moradores e comerciantes do bairro, a expectativa é que dois grandes empreendimentos imobiliários sejam erguidos no trecho — mais um capítulo da mudança de vocação de uma das vias mais famosas da cidade, agora dominada por novos kitnets com um valor que pode chegar a custar R$ 35 mil o metro quadrado.
Procurado, Sandro Chaim, administrador do teatro há 20 anos, não retornou os pedidos de entrevista.
A culpa é do Maluf?
A área onde está o Teatro Procópio Ferreira integra o inventário de Maria Estefno Maluf, mãe de Paulo Maluf, aberto em 1989. O processo sucessório acumulou disputas, petições e pendências diversas ao longo das décadas, mantendo o patrimônio em uma espécie de “limbo jurídico”. A partilha do terreno só foi efetivada em 2019.
Nos últimos anos, o caso foi impactado por decisões judiciais envolvendo o ex-prefeito, que foi processado por improbidade administrativa e, atualmente, possui 25% do imóvel. Em 2025, o Superior Tribunal de Justiça determinou que a parte de Maluf no inventário da família fosse penhorada para garantir o pagamento das condenações, que chegam a R$ 417 milhões. A coluna verificou que a penhora ainda não consta no registro do imóvel e, na prática, não há no cartório um impedimento para a venda.
Em abril, a coluna de Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo, revelou que a família negociava o terreno com uma incorporadora justamente para quitar as dívidas com a Prefeitura — e que o teatro seria demolido pelos novos proprietários.
A apuração confirma que a situação avançou seguindo a cartilha das grandes operações imobiliárias na cidade: os inquilinos foram retirados, o prédio permanece sem manutenção — entregue ao próprio processo de deterioração — e construções vizinhas já estão indo ao chão. É o padrão: primeiro se esvazia, depois se apaga.
A Imobiliária Santa Therezinha, que administra os imóveis da família Maluf, informou por telefone que não há qualquer novidade sobre o terreno.
Mais do que a casa de ‘Sai de Baixo’
Inaugurada em 1948, a casa de espetáculos homenageia Procópio Ferreira (1898-1979), considerado um dos maiores atores brasileiros do século passado. Com 641 lugares, por seu palco e sua coxia passaram nomes como Juca Chaves, Hermeto Pascoal, Paulo Autran, Marília Pêra, Jô Soares, Cláudia Raia, Paulo Gustavo e Miguel Falabella, além de montagens marcantes como “Cabaret”, “O Mágico de Oz”, “A Christmas Carol”, “Os Rapazes da Banda”, “O Mistério de Irma Vap” e “Os Produtores”.
Em 2005, a casa foi arrendada ao empresário e produtor Sandro Chaim, que assumiu a programação. Na mesma época, o prédio passou por uma grande reforma.
A última peça exibida no Procópio Ferreira foi “Uma Ideia Genial” — com Cássio Gabus Mendes, Suzy Rêgo, Ary França e Zezeh Barbosa — e que teve a temporada no local encerrada em 25 de maio. Desde então, o estabelecimento está fechado. As redes sociais não foram mais atualizadas e o site oficial saiu do ar.
Augusta: dos ‘inferninhos’ aos kitnets
Nestes quase 80 anos, o Procópio Ferreira acompanhou as transformações profundas no seu entorno.
Antes do advento dos shoppings, a Rua Augusta era sinônimo de glamour, concentrando lojas sofisticadas e um circuito badalado de casas de espetáculo e cinemas. Depois, virou o ponto da boemia dos jovens endinheirados — e chegou a inspirar uma canção de Erasmo e Roberto Carlos. Nas décadas seguintes, prostíbulos e “american bars” se instalaram ali, embora o trecho dos Jardins ainda preservasse certo prestígio com as elites.
A via seria redescoberta a partir dos anos 1990, quando passou a abrigar uma nova cena cultural, muitas vezes underground, com casas de shows, teatros independentes e boates dividindo a calçada com os tradicionais “inferninhos” e botecos.
Durante essa trajetória, a Augusta se consolidou como um território de diversidade, experimentação artística e convivência entre grupos diversos e gerações — impactando a cultura de São Paulo e do Brasil.
Desde 2010, porém, a rua entrou no radar da grande especulação imobiliária, que vem substituindo comércios tradicionais por torres de alto padrão, sobretudo residenciais.
As galerias, lojas, bares e baladas dão lugar a empreendimentos verticais de apartamentos compactos — estúdios e unidades de um quarto — voltados a investidores. Essa substituição vem mudando a vocação da Augusta, apagando parte de sua memória e enfraquecendo o ecossistema que sustentava a cena criativa da cidade.
Caso o Teatro Procópio Ferreira seja demolido, se juntará a outros ícones culturais que marcaram época e desapareceram da região — entre eles o Teatro Record, na Rua da Consolação, palco do programa “Família Trapo” e de históricos Festivais de Música Popular Brasileira.

















