Por Heloisa Villela
Moradores e assentados do município de Maragogi, em Alagoas, denunciam o uso da estrutura do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nas eleições municipais para tentativa de compra de votos na região. Um dos moradores levou a denúncia à Polícia Federal, através do canal Comunica PF, que aceita denúncias anônimas. Ele mencionou desvio de recursos públicos, corrupção ativa e passiva.
Nos últimos três dias, o grupo político do superintendente do Incra em Alagoas, Júnior Rodrigues do Nascimento, fez pelo menos quatro reuniões em diferentes assentamentos de Maragogi prometendo reforma de casas, kits agrícolas e documentos de posse da terra aos moradores.
Nas reuniões, ele sempre diz que é preciso ser “grato” a quem conseguiu os recursos e os materiais. Em uma delas, no assentamento Samba, Júnior Rodrigues foi gravado dizendo que os benefícios foram doados pela Codevasf, através de Arthur Lira, o presidente da Câmara dos Deputados.
Um dos moradores que participou da reunião na terça-feira, dia 1º de outubro, usou um celular para gravar o que ouvia. Notou a presença de carros do Incra na porta da sede do assentamento e forneceu as imagens da reunião ao ICL Notícias (veja vídeos no final da reportagem).
No local, o superintendente do Incra, Junior Rodrigues do Nascimento, dizia aos moradores que o Instituto já tinha R$ 1,9 milhão para os assentamentos da área e outros R$ 10 milhões em projetos já apresentados.
Superintendente do Incra foi indicado por Arthur Lira
Uma moradora de um assentamento rural em Maragogi disse ao ICL Notícias que está vendo se repetir agora a mesma manobra que se observou há dois anos, antes das eleições presidenciais. Por medo de represálias, ela pediu para não ser identificada.
“O César passou em todos os assentamentos da região fazendo reuniões”, disse a mulher. Wilson Cesar de Lira Santos, primo do presidente da câmara Arthur Lira (PL-AL), era o superintendente do Incra naquele ano. “Hoje já fizeram reunião em Bom Jesus, Melos e Costa Dourada”, informou.
Em abril deste ano, Júnior Rodrigues do Nascimento foi indicado para o cargo de superintendente do Incra pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. A nomeação foi feita sob críticas dos movimentos sociais que ocuparam a sede do Instituto por três dias. Eles davam continuidade a uma luta que começou semanas antes para pedir o afastamento de Wilson Cesar Lira Santos, primo de Arthur Lira.
Representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL) e de outras cinco organizações populares conseguiram o afastamento de Cesar de Lira em abril. Ele estava no cargo há 5 anos e era o único superintendente do Incra que havia permanecido no posto depois da posse do presidente Lula.
O governo federal, no entanto, permitiu que Arthur Lira indicasse o substituto. Por isso, cerca de 400 camponeses e camponesas de Alagoas ocuparam a sede do Incra novamente, no dia 29 de abril, para protestar contra o que consideraram continuidade do bolsonarismo no comando do Instituto.
Incra é usado com objetivos eleitorais
Agora, a denúncia apresentada à PF afirma que o Incra está sendo usado com objetivos eleitorais. Uma das áreas de atuação para pedir votos oferecendo vantagens materiais é o município de Maragogi, onde um terço da população vive na zona rural. São dezoito assentamentos com cerca de 7.000 eleitores. É um bloco eleitoral que decide o resultado das urnas. Mas não é a única região em que existem denúncias sobre a atuação do superintendente do Incra.
Representantes da Frente Nacional de Luta (FNL), uma das organizações que ocupou o Incra em abril, contaram que houve uma tentativa semelhante na região da antiga Usina da Laginha. A Usina entrou em processo de falência e hoje tem mais de trinta acampamentos de pequenos agricultores. No começo de setembro, o superintendente do Incra tentou levar um vereador, aliado político dele, a uma reunião com os movimentos sociais do local, mas foi barrado pelas organizações populares.
Em Maragogi, as reuniões se multiplicaram na semana das eleições municipais. Na gravação no assentamento Samba, a que o ICL Notícias teve acesso, o atual superintendente do Incra, Júnior Rodrigues do Nascimento, diz aos moradores que eles receberão quatro kits com um trator, uma grade e uma carroça cada um.
“Não é novidade para ninguém o esforço que ele colocou aqui. No município de Maragogi foram doados, através da Codevasf, de Arhur Lira, quatro kits. Eu não falo quatro tratores. Foram quatro kits! Cada kit, para quatro assentamentos diferentes, tem um trator, uma grade e uma carroça. Mas não é equipamento usado, não, meu amigo! São equipamentos novos”, ele diz. E continua: “Foi enviado um ônibus até Penedo onde os presidentes, vejam só, os presidentes tiveram a oportunidade de escolher o próprio trator!”
Em seguida, um assessor chama Júnior e cochicha algo no ouvido dele. Júnior olha na direção do telefone que está gravando a cena e muda o tom da conversa. Diz que o foco da reunião é outro, não é para falar de tratores.
Respostas ao ICL Notícias
Na sede do Incra, em Alagoas, o funcionário que atendeu o telefonema do ICL Notícias, no começo da tarde da sexta-feira (4), prometeu repassar o questionamento sobre as reuniões e as imagens do assentamento Samba à assessoria de imprensa, mas informou que os funcionários saem mais cedo no último dia útil da semana. Disse que também entraria em contato com o superintendente Júnior Rodrigues do Nascimento que, segundo disse, estava em viagem a assentamentos do estado.
Redação com ICL Notícias