Por: Laís Seguin
[ALERTA DE GATILHO: Este conteúdo aborda relatos de violência e abuso sexual, que podem desencadear memórias dolorosas ou desconforto emocional em algumas pessoas. Se você está em um momento de fragilidade ou prefere evitar esse tipo de assunto, recomendamos que leia com cautela ou opte por não continuar]
Há 14 anos, Andressa Castro recebeu o primeiro diagnóstico de endometriose. Mas, mesmo com um procedimento cirúrgico, as dores voltaram — e piores. O que se seguiu foi uma jornada exaustiva em busca de respostas, enfrentando diagnósticos imprecisos, tratamentos ineficazes e a descrença de médicos. Hoje, ela compartilha ao iG Delas sua história para alertar outras mulheres: “Sua dor é real, e você merece ser ouvida”.
Anos de dor sem respostas
Os sintomas começaram ainda na juventude: dores pélvicas intensas, sensação de bexiga inflamada, urgência urinária e fadiga extrema. “Diziam que era apenas ‘cólica normal’ ou ‘infecção urinária comum'” , relata. A endometriose, confirmada em cirurgia, voltou com mais força anos depois. Já a cistite intersticial — uma condição que causa dor crônica na bexiga sem infecção aparente — só foi descoberta após inúmeras crises.
“Cheguei a ter 20 episódios de dor extrema em um ano. Passava o mês inteiro sofrendo” , conta. A infecção crônica na bexiga, outra condição subdiagnosticada, piorava ainda mais o quadro. “Era como se minha bexiga estivesse em carne viva, pulsando, com espasmos insuportáveis.”
Embora as dores causadas pela endometriose, cistite intersticial e infecção crônica apresentem características semelhantes, ao longo dos anos Andressa aprendeu a distinguir cada uma delas com precisão.
“A endometriose manifesta-se através de pontadas agudas e súbitas, tão intensas que chegam a interromper minha respiração. A dor se estende para relações íntimas, períodos menstruais e até mesmo durante a evacuação, além de irradiar para diversas regiões do corpo”, explica.
Já a cistite intersticial provoca “uma sensação de queimação intensa na região da bexiga, que se expande para as costas e pernas, acompanhada de uma urgência urinária debilitante – como se o órgão estivesse exposto, sem qualquer proteção” , define.
Por outro lado, a infecção crônica desencadeia uma ardência persistente, com crises de pressão interna que se agravam ao permanecer sentada ou em movimento. A condição acarreta profundo cansaço, além de inchaço e pulsação na bexiga, seguidas por espasmos, calafrios e hipersensibilidade generalizada, da cabeça aos pés.
Cada condição apresenta suas particularidades, mas todas convergem em um mesmo ponto: a exaustão física e emocional de quem convive diariamente com elas.
Noites no chão e impactos na vida
Em crises mais fortes, dormir ajoelhada no chão era a única forma de aliviar a pressão na bexiga. “Meu esposo ficava ao meu lado até eu pegar no sono de cansaço” , lembra. A rotina virou um ciclo de dor: ela teve que abandonar o trabalho como professora universitária e, mais tarde, fechar sua clínica de estética. “Vivi anos com vergonha de dizer que não aguentava a dor.” Andressa é formada em biomedicina com pós-graduação em hematologia, mas nunca conseguiu exercer a profissão.
“Minha rotina foi profundamente impactada: não conseguia manter compromissos fixos ou permanecer muito tempo na mesma posição, seja em pé ou sentada. Minha confiança foi abalada, as relações sociais se tornaram raras e precisei modificar completamente minha dieta, já que certos alimentos agravavam ainda mais os sintomas. Na época, sem um diagnóstico preciso, preferi dizer que ‘não me adaptava à função’, envergonhada por não conseguir explicar as dores constantes que me acompanhavam. A falta de respostas médicas me levou a esconder meu sofrimento, criando justificativas para tentar disfarçar uma realidade que eu mesma não compreendia completamente” , desabafa.
“Encontrei alívio ajoelhada – uma posição que se tornou meu último recurso nos momentos de dor extrema. Quando a região pélvica ficava tão inflamada e sensível que qualquer contato era insuportável, sentar-se tornava-se impossível e deitar apenas aumentava a pressão dolorosa. Alternava entre ficar em pé e caminhar, até que o cansaço me obrigava a cair de joelhos. Essa postura aliviava um pouco a tensão na bexiga, dando a sensação de “soltura” que tanto precisava. Houve momentos de desespero absoluto – como quando, em meio a uma crise agonizante e após noites sem dormir, saí às ruas quase sem roupas, vestindo apenas um vestido leve, em busca desesperada de ajuda. A dor implacável e a exaustão extrema me tiraram qualquer noção de pudor ou razão naquele instante” , acrescenta.
Médicos que não ouviam e tratamentos que falhavam
A busca por tratamento foi marcada por frustrações. Um médico atribuiu suas dores a um trauma de abuso sexual na infância, sugerindo que seu cérebro “atacava” seus órgãos. “Me entupiu de antidepressivos, mas a dor continuava” , diz. Sem esperança, chegou a se internar voluntariamente em um hospital psiquiátrico, pensando: “Se é psicológico, preciso tratar a mente.”
“Embora eu reconheça que o emocional pode sim influenciar a dor — especialmente na cistite intersticial —, esse não era o caso. Eu tinha sintomas físicos reais, que precisavam ser tratados”, alerta.
Foi só após pesquisas em artigos científicos internacionais que ela descobriu a possível causa da infecção crônica. “Levei aos médicos no Brasil, e muitos riram de mim.” Hoje, seu tratamento é feito nos Estados Unidos, onde encontrou recursos adequados.
Além da cirurgia para remover focos de endometriose, o tratamento inclui alimentação adequada, fisioterapia pélvica, acupuntura, ventosaterapia, psicoterapia e remédios controlados para dor.
Apoio familiar e recomeço
O esposo, a família e outras mulheres com dores crônicas foram seu porto seguro. “Minha mãe e minhas irmãs me carregavam para hospitais públicos quando eu desmaiava de dor.” Após cirurgias, fisioterapia pélvica e terapias complementares, sua qualidade de vida melhorou. “Consegui viajar com meu marido pela primeira vez em 10 anos de casamento.”
Mensagem para outras mulheres
“Você não está exagerando. Não aceite quem diz que é ‘frescura'” , reforça. “Busque informação, não desista de si mesma. Mesmo nos piores dias, ainda há vida e esperança — mesmo que diferente do que você imaginou.”
Redação com IG