A proposta, de autoria do deputado estadual Francisco Tenório, foi aprovada no início dessa semana, em primeiro turno, pelo plenário da Assembleia Legislativa de Alagoas. O texto do projeto de lei ainda precisa passar um segundo turno de votação, antes de ser aprovado e levado à sanção do governador Paulo Dantas. No momento, continua tramitando no Legislativo Estadual e pode receber emendas.
Em resumo, o Projeto de Lei dispõe sobre a criação de uma reserva ambiental na área afetada pela mineração da Braskem, administrada pelo Estado, em parceria com a Prefeitura de Maceió.
A área a ser ocupada pela reserva foi delimitada pela Defesa Civil de Maceió, como zona de risco, logo após os tremores de terra intensificados em março de 2018, que provocou rachaduras e o afundamento do solo, em cinco bairros da capital alagoana: Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Bom Parto e parte do Farol. Com a tragédia, cerca de 15 mil imóveis foram fechados e mais de 60 mil pessoas tiveram que deixar suas casas.
SEM DEBATE
Os ex-moradores ainda não digeriram bem o projeto do Chico Tenório, a maioria não quis opinar porque não o conhecia. “Até porque essa proposta não foi debatida com as vítimas da mineração e nem com os moradores da região vizinha à chamada área de risco”, acentuou o servidor público Maurício Sarmento, integrante do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB).
“Defendemos que as áreas afetadas sejam devolvidas aos seus legítimos proprietários – as vítimas da Braskem. Quando essas áreas forem estabilizadas, os proprietários devem ter o direito de decidir o que fazer com elas. Não é aceitável que o criminoso ou o Estado ou Prefeitura se apropriem desse território”, enfatizou Sarmento, acrescentando que essa proposta precisa de maior debate com a sociedade.
As demais lideranças consultadas pela reportagem da Tribuna Independente também criticaram a proposta do deputado. Teve até quem dissesse que o projeto seria na verdade um “jabuti”. No jargão legislativo, “jabuti” significa um “contrabando político”, usando pelos parlamentares para inserir à proposta legislativa um tema sem relação nenhuma com o texto original, ou eivada de interesses escusos inconfessáveis.
O termo vem de uma frase atribuída ao ex-presidente da Câmara dos Deputados, o saudoso Ulysses Guimarães, que dizia que “jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente”.
Para os representantes das vítimas da Braskem, o PL do deputado Francisco Tenório é mais uma tentativa de dar legitimidade à titularidade da Braskem sobre a área. Na opinião de Neirevane Nunes, “a titularidade das áreas afetadas pela mineração tem que ser devolvida às vítimas”.
“Há um jabuti bilionário na proposta aprovada pela Assembleia Legislativa”
“Há um jabuti bilionário no PL aprovado pela Assembleia Legislativa de Alagoas sobre a transformação da área tomada pela Braskem em reserva florestal”, afirmou o empresário Alexandre Sampaio, presidente da Associação dos Empreendedores Vítimas da Mineração em Maceió.
Segundo ele, a mineradora poderá entrar na justiça pedindo bilhões de reais alegando “desapropriação indireta”, quando o Estado na prática inviabiliza o uso de uma propriedade por uma decisão, como a que transforma a área em reserva florestal.
“Quando, por ocasião do desabamento da mina 18, o governador Paulo Dantas anunciou a desapropriação da área da Braskem, eu renunciei à participação no Grupo de Trabalho do Governo Estadual Contra o Crime da Braskem, justamente por achar um absurdo o Estado de Alagoas recomprar uma área que jamais poderia ter sido vendida para a mineradora”, lembrou ele.
“A Assembleia Legislativa e o Governo de Alagoas não podem cometer esse erro que trará grandes prejuízos aos contribuintes alagoanos”, acrescentou.
Outra coisa importante, destacada por Sampaio, “se for estabilizada, essa área tem que voltar para os proprietários verdadeiros: moradores e vítimas da mineração”.
GOLPE ARMADO
Para a bióloga Neirevane Nunes, doutoranda do SOTEPP/UNIMA e militante do movimento nacional contra a mineração predatória, “o Projeto de Lei que propõe a transformação da área afetada em reserva ambiental é um golpe armado para legitimar a titularidade da Braskem sobre a área afetada pela mineradora”.
“O que se apresenta como ser algo positivo é um grande golpe para a cidade e para população, o que chamamos de ‘lavagem de dinheiro verde’, a prática de greenwashing tão querida pelas grandes corporações. Mesmo o projeto de lei sendo aprovado, a titularidade sobre a área continua sendo da Braskem”, enfatizou Neirevane.
Ela chamou a atenção também para fiscalização do reserva, caso a proposta seja aprovada e sancionada. “O IMA [Instituto do Meio Ambiente de Alagoas] inoperante frente aos diversos crimes ambientais, também não tem recursos e condições de gerência de uma área tão ampla e num contexto tão complexo. Aí chega a mineradora infratora para buscar manter a falsa imagem de empresa comprometida com o meio ambiente e toma à frente da gestão dessa área”.
Neirevane observou ainda que “a Braskem não indenizou as pessoas lesadas por ela, mas sim comprou os imóveis da população afetada e a valores irrisórios e indignantes, a empresa possui a titularidade sobre os imóveis, e o acordo firmado com a Prefeitura de Maceió ainda ampliou seu domínio de posse sobre ruas, praças e outros espaços que eram públicos”.
Projeto ajuda a Braskem pelos danos causados
De acordo com o arquiteto Dilson Ferreira, professor de Arquitetura da Ufal, “reserva florestal é uma cota de reserva ambiental (pelo Código Florestal Brasileiro, de 2012), que viabiliza um mecanismo de compra de créditos para compensar a falta de Reserva Legal, já desmatada.
“Na verdade estão ajudando a Braskem a compensar o dano causado aos moradores. Isso aí vai entrar como pagamento pelo dano. O terreno continua da Braskem, mesmo sendo reserva. Engenharia política pesada nesse Projeto de Lei”, observou o professor.
“O pior é que todo mundo tem ideia, agora ninguém apresenta dados consistentes da área. Continuamos dentro da escuridão. E inclusive para fazer uma área destinada a preservação precisa de estudos consistentes de meio físico, biótico, socioeconômico e cultural da área”, acrescentou Ferreira.
Ele destacou ainda que muitos estudos são feitos para se criar reservas florestais. “Não se faz reserva ambiental ao bel prazer da caneta de um projeto de um deputado ou de um governador. Tem de ter estes estudos e os de viabilidade ambiental também”.
“Os estudos é que dirão a viabilidade da proposta. Qual estudo foi feito para se propor essa PL?”, questionou Ferreira. “Vivemos um apagão técnico no estado e município de Maceió. Estamos cheios de salvadores da cidade, mas ninguém apresenta um dado factível e seguro para população”, concluiu.
PLANO DIRETOR
“Além disso há outros agravantes que é o projeto de lei ignorar o Plano Diretor de Maceió e o de não ter tido nenhuma discussão previa com a população afetada”, lembrou Neirevane Nunes. Para ela, a titularidade do território afetado pela tragédia deve ser devolvida às vítimas; essa seria a primeira coisa a ser feita.
A bióloga lembrou que essa não é a primeira vez que tentam beneficiar a Braskem em relação ao domínio sobre o território que pertence às vítimas, apesar da mineradora ter pago indenização pelos imóveis, além de danos morais.
Segundo Neirevane, no dia 6 de dezembro de 2023, o IMA e o Cepram (Conselho Estadual de Proteção Ambiental) exigiram que a Braskem apresentasse um projeto de criação de mosaicos de RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural), essa determinação consta na condicionante nº 27, imposta pelo IMA para a concessão da Licença de Operação, para que a Braskem execute a demolição e outras atividades nos bairros de Bebedouro, Mutange, Bom Parto, Pinheiro e parte do Farol.
“Mas nós denunciamos isso na imprensa local. E logo depois dessa determinação do IMA, no dia seguinte, 7 de dezembro de 2023, o deputado estadual Francisco Tenório apresentou à Assembleia Legislativa o referido Projeto de Lei. Coincidência?”, questionou a bióloga. “Para nós, atingidos pelo crime da Braskem, esse projeto é um grande golpe armado contra a população, pois permite que a empresa continue lucrando com seu próprio crime; como se já não bastasse os 6 anos de impunidade e de massacre de suas vítimas”.
*Redação com Tribuna Hoje