Anadia/AL

16 de setembro de 2024

Anadia/AL, 16 de setembro de 2024

“Queria tanto voltar para minha casa”: moradores de Kursk vivem na incerteza após ofensiva ucraniana

Há cerca de três semanas a Ucrânia lançou uma ofensiva surpresa inédita contra o território russo. A zona fronteiriça vive mais do que nunca em ritmo de guerra. A região de Kursk é o principal alvo das forças de Kiev. A enviada especial da RFI visitou Kursk e Lgov. Ela relata o clima na região e a apreensão dos moradores que ainda não conseguiram deixar o local.

ABN - Alagoas Brasil Noticias

Em 30 de agosto de 2024

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Moradores deixam prédio atingido por ataque em Kursk (imagem de 11 de agosto de 2024). AP

O trajeto entre Kursk e Lgov dura apenas uma hora e meia, mas atesta a situação de uma região tomada pelo conflito. Em apenas 100 quilômetros de distância, cinco barreiras de segurança foram montadas e a polícia militar controla documentos de todos e revista os veículos de passageiros. Além dos postos de combustíveis cheios cercados pelos caminhões verdes do Exército, o que se vê no trajeto são campos de girassóis e de soja parcialmente destruídos. Da estrada, a única coisa que chama a atenção são algumas cercas de arame farpado que, segundo os locais, seriam trincheiras antitanques. Nenhum avião, nenhum som no céu claro e ensolarado, mesmo se Lgov fica a apenas cerca de 20 km das zonas de combate e a 50 km da fronteira com a Ucrânia.

Alexeï Klemeshov, prefeito de Lgov, tenta tranquilizar quem chega, avisando que, em sua cidade, a situação está sob controle. “Luz, água e gás estão sendo fornecidos à população sem interrupção. O hospital e as ambulâncias, o transporte de passageiros, as lojas, as farmácias e os postos de gasolina estão funcionando. Cerca de 70% da população continua na área, ou seja, cerca de 12.000 pessoas. Não há proibição de entrar ou sair da cidade”, detalha. “A cidade foi bombardeada pelo inimigo. Mais de 100 casas foram danificadas, inclusive as instalações esportivas de uma escola. Os esquadrões de desminagem estão trabalhando atualmente”, explica.

Trincheira na estrada entre Kusrk e Lgov é um dos poucos indicios do conflito, mesmo se os confrontos acontecem a menos de 20 km de distância. © Anissa El Jabri / RFI

Mas os moradores da região parecem menos tranquilos que o prefeito. “Eu queria tanto voltar para minha casa!”, desabafa uma jovem que fugiu às pressas de Sudja, um vilarejo entre Lgov e a fronteira, ocupado pelas forças ucranianas desde 7 de agosto. “Quando soubemos que as tropas estavam se aproximado, juntamos algumas coisas e fugimos para Lgov. Passei a noite dentro do caminhão com meu marido, pensando que poderíamos voltar no dia seguinte e não pudemos”, conta a moradora, que fugiu em seguida para Kursk. “A fronteira não estava protegida e os ucranianos atravessaram sem obstáculos”, lança, irritada. “Claro que eu estou com raiva! Quero voltar para minha casa”, repete.

Apesar da raiva, muitos moradores já começam a se comportar como se essa fosse uma nova forma de normalidade, aceitando uma situação que ninguém sabe quanto tempo pode durar. “Eu tenho uma fazenda tenho que ir alimentar minhas galinhas e patos”, conta Vitaly morador de Glushkovo, ao oeste de Lgov, também na direção da fronteira. Ele se refugiou em Kursk, mas sempre que pode volta para casa verificar como estão seus animais. “Eu corro risco o tempo todo. Se os ucranianos bombardeiam as pontes no caminho, eu me escondo no mato e observo onde estão os drones para evitá-los”, detalha Vitaly, que parece ter integrado o conflito em seu quotidiano.

Já em Kursk, o clima é diferente. Muitos moradores dos vilarejos menores e mais próximos da fronteira fugiram para essa grande cidade, que até um passado recente ainda recebia muitos estrangeiros. Conhecida por suas faculdades de medicina, Kursk era reduto de estudantes internacionais, entre eles muitos brasileiros.

Abrigo anti-aéreo nas ruas de Kursk. © Anissa El Jabri / RFI

Atualmente os hotéis de Kursk estão lotados, mas não de turistas ou estudantes e sim de foragidos da guerra. A prefeitura organizou centros de acolhimento e postos de ajuda humanitária. A Cruz Vermelha também instalou uma antena local. No entanto, o principal ponto de encontro atualmente é o circo da cidade, transformado em hangar para distribuição de ajuda.

Moradores e refugiados esperam por ajuda humanitária no centro de Kursk. AP

“Somos três equipes de cem voluntários cada”, conta Ekaterina Lipina. “A noite cerca de vinte pessoas vêm descarregar os caminhões e preparar tudo para o dia seguinte. Trabalhamos 24 horas por dia, sete dias por semana”, detalha, empolgada, mostrando as doações que acabaram de chegar: cebolas, batatas, ovos e água, vindos de diferentes regiões do país.

Kits de higiene, berços e carrinhos de bebê também podem ser encontrados nesse enorme depósito. As doações e a solidariedade atestam como o ataque abalou toda a Rússia.

Moscou evita a palavra guerra

Moscou, no entanto, continua sem usar a palavra “guerra”. Em resposta à ofensiva de Kiev por via terrestre, algo que não acontecia desde a Segunda Guerra Mundial, as autoridades dizem implementar na região uma “operação antiterrorismo”. A segurança foi reforçada em Kursk, como atesta a forte presença policial no desembarque na estação de trens da cidade e os alarmes antimísseis também soam com frequência, sinal de que os dispositivos contra os ataques aéreos estão em pleno funcionamento.

Mas esse regime “antiterrorista” implementado por Moscou pode ter sérias repercussões. Esse dispositivo inclui amplos poderes para as autoridades, como buscas em residências, controles de viagens e vigilância de comunicações e correspondências. Para entrar na região, a imprensa russa e estrangeira agora precisa obter autorização oficial, solicitada para se obter entrevistas.

O mesmo tipo de regime “antiterrorista” foi implementado por Moscou na Chechênia em 1999. Ele ficou em vigor durante dez anos.

Fonte: RFI

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