Saverio Orlandi, nome escolhido pela oposição do Palmeiras para enfrentar Leila Pereira na eleição presidencial do clube, marcada para novembro, conversou com exclusividade com a ESPN para falar justamente do processo eleitoral e do que pretende fazer caso consiga a vitória nas urnas.
Dentre inúmeros temas abordados durante a entrevista, Orlandi fez críticas à atual gestão da mandatária, apontou qual o grande problema de comando do Palmeiras atual e disse que dará a Abel Ferreira “o time que ele pedir” para o Mundial de Clubes da Fifa de 2025, além de sonhar com a criação de um “corredor alviverde” na zona oeste da cidade de São Paulo.
A reportagem também já formalizou pedido para que a atual mandatária e candidata à reeleição também conceda entrevista no mesmo formato à ESPN. Leila ainda não confirmou.
Leia abaixo a entrevista na íntegra com Saverio Orlandi:
Por que decidiu se candidatar e como foi a organização da oposição nos últimos anos?
O cenário mudou um pouquinho da última eleição para essa, a começar pela aglutinação dos grupos que não estão alinhados com a atual gestão. Essa primeira é a grande diferença. Na realidade, o meu nome não foi considerado com o mesmo consenso de agora. Agora houve, a partir da aglutinação dos grupos da oposição, a opção e a decisão por lançar uma candidatura, pela necessidade de a gente discutir para não vivermos só de uma narrativa, que é mais ou menos o que acontece no Palmeiras hoje.
Então, hoje a gente tem todos os grupos representados, o que não havia no cenário anterior. Era um momento de relativa dispersão, não por nenhum motivo, mas pelo fato de que houve uma lacuna a partir de alguns eventos que aconteceram: a suspensão do Genaro (Marino), o afastamento unilateral do Paulo (Nobre, ex-presidente do clube), e isso acabou demandando um tempo para que se houvesse a reunião de todas essas pessoas. A campanha tem ganhado muito corpo ultimamente, as ideias bastante alinhadas, inclusive dentro do clube, com muito respeito, muita tranquilidade, serenidade, mesmo com pessoas e companheiros e companheiras que são alinhados mais com a gestão atualmente, mas que temos escutado também.
O Palmeiras não pode ter uma voz só, uma voz única, ele precisa realmente ter o debate que é uma característica, o clube sempre foi assim.
Como convencer o associado a votar na oposição após os investimentos da atual gestão no clube social?
Acho que, em primeiro lugar, o que nós temos visto nos últimos tempos é algo episódico. Não foi ao longo dos três anos da gestão da presidente Leila. O associado vai se lembrar que, se ele voltar rapidamente ao início da gestão, departamentos que não havia cobrança de taxas, houve aumento de taxas em outros departamentos, algumas atividades que hoje se encontram sobrecarregadas.
Existem também algumas mazelas naturais no clube que vem crescendo. O Palmeiras tem que planejar o seu crescimento: as instalações são as mesmas, foram reinstaladas a partir da construção da Arena. O clube hoje é espetacular, oferece nas suas dependências instalações públicas com todas as condições para o convívio social, para o convívio da família, para o convívio do associado. Agora, tem crescido pelo próprio adensamento local.
É uma questão bastante sensível. Você citou o exemplo da piscina, foi uma promessa que a presidente fez para se eleger no ano de 2021, mas que ela só cumpriu agora, quase ao término do mandato dela. A piscina ficou dois anos em reforma, ficou um período acima do que seria razoável, em termos de fruição do associado, de fruição do equipamento. E o caminho não é esse.
Nós entendemos que o Palmeiras hoje é um clube superavitário, por exemplo, em relação às suas receitas e despesas, o que não ocorria num passado recente, se você voltar um pouquinho na última década. É dessa sustentabilidade que nós estamos falando. O Palmeiras tem cada vez mais que ter as condições de fazer os seus investimentos, ele não deve depender de ninguém, principalmente do mandatário.
Como convencer o torcedor do Palmeiras que é hora de mudar, uma vez que o clube transparece uma imagem de saudável financeiramente, além de ser vitorioso em campo?
É importante a gente considerar que esse crescimento e essa condição que nós alcançamos hoje não começa com a presidente Leila e com a gestão dela em 2021, nem tão pouco com a chegada dela do Palmeiras, como ela tanto alardeia. O elemento transformador dessa nossa virada e dessa jornada mais recente, contemporânea, é a instalação e a inauguração do Allianz Parque, através da qual nós viabilizamos uma série de outras questões e o fortalecimento dos fundamentos econômicos do clube.
Sócio-torcedor, afluência de público, o próprio patrocínio. O patrocínio também, por sua vez, que o Palmeiras tem que prestigiar e enaltecer, e é uma parceria por si só exitosa tanto é verdade que ela acabou servindo de paradigma para os outros clubes e outros clubes hoje encontram uma condição de patrocínio melhor uma outra situação de mercado muito em parte a esse relacionamento Sociedade Esportiva Palmeiras e a empresa da atual mandatária.
Mas é verdade também que ao longo desses anos, sobretudo nos últimos anos, ele teve impacto, e esse impacto foi negativo. Se nós formos considerar que em 2019 o contrato vigente foi firmado e que de lá até os dias atuais não houve reajuste, sequer aplicação de correção monetária. Nós vamos encontrar um valor que está defasado em relação ao mercado. Um modelo que hoje o mercado também não adota mais, que é a exclusividade na transação das propriedades, que também não tem perenidade na nossa visão. Hoje o modelo é outro, é ter múltiplos parceiros, inclusive em relação a produtos diversos.
É verdade que o momento esportivo acaba, de uma certa forma, encobrindo todas essas questões e essas mazelas, mas cabe a nós também conseguir identificar isso. A situação financeira do Palmeiras, felizmente, é uma situação de tranquilidade, mas é uma situação que tem que ser bastante acurada também, não é um modelo que está perfeito hoje. O Palmeiras ainda tem uma série de problemas relacionados às despesas correntes, ao seu fluxo de caixa. Antecipou receitas de patrocínio até o mês de setembro, que é uma prática que o clube não fazia mais. O Palmeiras tem se socorrido, às vezes, e os balancetes do COF demonstram isso, de empréstimos bancários para cobertura de despesas operacionais.
O Palmeiras teve uma felicidade muito grande na transação de direitos econômicos de atletas vindos da base, mas o produto dessas operações tem se destinado em parte justamente à cobertura de despesas operacionais do clube, quando deveriam ser vertidas para reinvestimento do clube, o que não está ocorrendo. Então, há muito o que fazer. No momento, o Palmeiras felizmente está hoje num caminho que é irreversível em termos de melhora e de aperfeiçoamento, mas há muito o que fazer ainda, essa que é a verdade.
O que a oposição quer resgatar que, na visão de vocês, o Palmeiras perdeu nos últimos anos?
A independência, o debate, a conversa, a não opressão, intimidação, que era o Palmeiras que nós tínhamos. Sou conselheiro há 23 anos e, mesmo em épocas difíceis, nem assim vi o que nós experimentamos hoje. Patrulhamentos, intimidações, isso que eu sinto. Então, essa é uma questão que nós queremos resgatar.
Nós temos que pensar muito que a instituição tem que andar por si só. Palmeiras, no seu momento de maior visibilidade, precisa encontrar aderência novamente ao mundo externo, com todos os parceiros, com todos os seus relacionamentos. Não é o que acontece hoje, onde nós temos uma administração completamente centralizada que faz com que o Palmeiras, em sentido figurado, mas não é longe da realidade, é uma ilustração, mas praticamente se tornou um CNPJ dentro de uma holding patrimonial que é a Crefisa, que tem uma instituição financeira, que tem uma instituição de ensino, que tem uma empresa de táxi aéreo, que tem a concessão de um poder público e que tem um clube de futebol.
Qual você considera ser o principal problema da gestão Leila Pereira?
Acho que esse caráter muito autocentrado, que acaba também trazendo no próprio convívio com seus pares, correligionários direto, muitos problemas, isso a gente tem visto no clube. A inversão, a sujeição dos órgãos do clube, a ofensa à independência dos órgãos do clube, isso é muito claro.
No próprio relacionamento com a presidente é um exemplo, que atua com vários chapéus, e ela não tem uma política de transação com partes relacionadas para saber em quais condições e de que forma podem se dar esses relacionamentos. Então, há muito o que fazer. Eu acho que o Palmeiras tem que reencontrar essa independência e voltar a ser olhado e ter essa visibilidade para o mercado, porque o mercado hoje não se aproxima mais do Palmeiras.
Basta ver o que aconteceu recentemente nesse processo do marketing esportivo, onde uma afluente fez proposta para o Palmeiras e sequer teve resposta. E quem vai decidir pelo Palmeiras e, eventualmente, por cobrir a proposta desse afluente ou de outro que virá, é a mesma pessoa. Isso nós temos que evitar ou, melhor dizendo, não evitar, nós temos que disciplinar. E não há ambiente no Palmeiras para isso hoje em função da característica da mandatária que não permite essa discussão.
Ela sequer admite a existência de conflitos de interesse, por exemplo. Sempre sobre a alegação de que onde haveria o conflito de interesses numa pessoa que só pretende ajudar. É uma resposta simplista, uma resposta rasa, que muito embora a gente respeite, não corresponde à realidade. O conflito de interesses nasce de o fato da pessoa ocupar duas posições para tomar a mesma decisão pelos dois polos que estão vinculados. Então, como se ela estivesse numa mesa de negociação, ela tem assento nos dois lados. É isso que a gente quer minimizar.
Como você enxerga o futebol do Palmeiras e o mercado de transferências? Como seria o seu trabalho de contratação de reforços?
Olha, o momento esportivo é sensacional, as conquistas dos últimos anos, e a gente ainda com plenas condições de disputar o campeonato que a gente tem. O Palmeiras tem um grande desafio em entender o seu atual momento em relação ao elenco que tem, que é um elenco bom, vencedor, mas um elenco que está em um momento de transição.
Algumas peças já saíram. Entre a parte esportiva e a parte financeira, isso tem que ser examinado. Em relação ao Abel Ferreira, nós temos que dar a ele o que ele quiser. Nós temos que ouvir e dar o time. O Palmeiras vai jogar uma competição importantíssima no ano que vem, em termos de visibilidade, o primeiro campeonato mundial nesse formato, e tem que entrar em condições de disputar. Para isso ele tem que ter aquilo que ele queira.
Eu privilegio o diálogo e o entendimento do treinador. É tê-lo por perto e dar a ele toda a segurança, toda a tranquilidade, toda a garantia e segurar a onda dele, que é o que nós pretendemos. Eu acho que atender pedidos não significa necessariamente apenas ouvir uma indicação e correr atrás. Acho que tem que haver conversa e sempre foi assim. Trabalhei com treinadores consagrados, treinadores de ponta, e sempre foi dessa forma, seja com Vanderlei Luxemburgo, com Luiz Felipe Scolari, com Muricy Ramalho, de forma colegiada, ouvindo, opinando. Não é simplesmente algo impositivo ou unilateral, é dessa forma que a gente pretende trabalhar”.
Apresentação da chapa e mudanças para o marketing do Palmeiras
Em relação ao marketing do Palmeiras hoje, há muito o que fazer. Nós estamos falando de atribuições, de estratégias diferentes, de meios de atuação. Eu vejo o departamento de marketing com a relevância que tem, mas como um ator que vai à rua, que vai à praça, que traz negócios para o clube, e que assim vai propagar a marca do clube, fortalecer e criar outras alternativas.
Não é o que nós temos hoje. Até porque, por conta do patrocínio, por conta da exclusividade das propriedades, não há interesse ou esse objetivo de forma clara. Então, o Palmeiras hoje fica numa condição de recepção, como aconteceu agora nesse processo de concorrência que dizem que está em curso, que a gente não tem também muitos detalhes. A lógica do marketing, na nossa visão, é outra. Ainda dentro dessa questão da concorrência, por exemplo, o Palmeiras foi a mercado sem precificar os seus ativos, o que no nosso entendimento é o inverso do que se pretende. Primeiro, eu preciso entender e ter um termo de referência de quanto vale o meu ativo para depois ir a mercado.
Relação com torcida organizada e cerco ao Allianz Parque
Penso muito (no fim do cerco ao Allianz Parque em dias de jogos). A primeira coisa é você conseguir liberar as adjacências em dias de jogo. O estado tem poder de polícia e decidiu isso, o Palmeiras nada fez a respeito – ou fez, mas não de uma maneira efetiva. Isso é uma tradição, faz parte dos usos e costumes do clube, mesmo daqueles que não são sócios, mas da sua coletividade em geral. Ali é um local de palmeirenses, é um corredor de palmeirenses, e ali tem que ser liberado para os palmeirenses, como é quando não é dia de jogo.
Também é muito simplismo falar que é uma questão de segurança. É uma questão de violência, que foram roubados muitos celulares, ora, o poder de polícia tem que atuar, o poder do Estado tem que atuar, nós temos que ter isso franqueado ao torcedor palmeirense, porque a vida inteira foi assim. E não pode ser diferente. É uma característica, inclusive, do bairro e das adjacências. Basta ver o comércio local que existe, que é customizado, enfim. Isso é algo que a gente tem que atuar imediatamente.
O torcedor organizado é um dos atores, é um dos agentes do mercado futebolístico. Então ele tem que ser tratado dessa mesma forma, de uma forma com a relevância e a importância que ele tem. O caminho da marginalização, que é o caminho mais fácil e é o caminho que a gente vê todo mundo trilhar, na minha visão, é um caminho equivocado. É um caminho que o Palmeiras, e sobretudo a nossa gestão, se vencermos como pretendemos a eleição, ele não vai ser trilhado.
É claro, você tem que ter um relacionamento institucional que não envolva dependência de lado a lado, é uma questão de complemento, de objetivos, de parceria efetiva. Temos que apostar nessas ações sociais afirmativas, o Ministério Público tem que vir para perto, para dentro da solução do problema, não adianta só ele e dos seus gabinetes no centro da cidade de São Paulo decidirem e partir para um caminho de imposição e de marginalização.
Utilização da Arena Barueri e outras opções para quando o Allianz Parque não estiver disponível
Eu acho que o que se pretendeu fazer e que a mandatária, ao assumir a concessão (da Arena Barueri) e trazer como uma segunda casa, e desde então alardear que esse é o campo B do Palmeiras, não é o caminho. É uma alternativa interessante. Nós não podemos também ter menos alternativa pela dependência com a mandatária e as suas empresas, os seus chapéus, em detrimento ao relacionamento com o mundo exterior, com a aderência ao mundo externo.
O Palmeiras tem que pensar em alternativas. Tem, no estado de São Paulo, uma torcida muito grande, que tem que ser prestigiada. Agora, mais para o final do ano, no fim desse semestre, nós vamos ter a reinauguração do Pacaembu, que é um outro lugar que tem uma identidade muito grande com o torcedor palmeirense. Junto com essa possibilidade, sobretudo nos campeonatos regionais, o Palmeiras poderia visitar e prestigiar outras praças, Jundiaí, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Bauru, onde existe uma influência enorme da torcida palmeirense.
Retomada de outros esportes além do futebol
Essa é uma questão que nós temos debatido muito. A gente não consegue aceitar essa nova filosofia de desprestígio. O Palmeiras tem muita tradição em esportes olímpicos, outras modalidades. Lembro de assistir o Palmeiras no basquete. O conceito que nós temos hoje de que o clube está aberto, vai buscar e traz o prato feito para que possa desenvolver um projeto. Acho que está errado.
O Palmeiras tem que tomar a iniciativa. O que não falta são parceiros para colaborar e patrocinar todas essas atividades. Assim seria com basquete, com futebol de salão, voleibol, entre outros. Mesmo outras modalidades não profissionais e outros departamentos do clube, o que nós temos visto também… em termos de desprestígio, é algo que a gente não consegue admitir. Pode ter certeza que vamos voltar, na acepção da palavra, a ser uma sociedade esportiva.
SAF no Palmeiras?
Hoje, o Palmeiras não está preparado (para ser uma SAF). Falta um processo de maturação. O clube tem uma característica específica por conta de uma norma estatutária que permite uma eventual associação dessa condição numa condição não pode, por exemplo, vender o controle acionário. O Palmeiras só poderia ter uma sociedade em que seu parceiro tivesse 25%, então o modelo é algo que a gente tem que pensar. Acho que nesse momento o Palmeiras não se tornaria uma SAF comigo. Mas o debate tem que ser aberto no clube. É preciso entender em que condições isso poderia se dar, porque certamente, e dentro desse processo de abertura e aderência ao mundo externo, é natural que amanhã ou depois nós sejamos assediados na terceira ou na quarta onda de investidores atrás de fazer modelagem de SAF, sobretudo com esses últimos clubes de grande visibilidade que vão sobrar, como Corinthians, Flamengo, São Paulo e outros.
Situação do futebol feminino e mudanças a fazer caso vença a eleição
A gente tem que trazer o futebol feminino para mais perto. Nada contra Jundiaí, nós temos uma ideia, e eu até recentemente com alguns membros do nosso grupo e com um dos vices, tivemos no Nacional, na Marquês de São Vicente, que é uma alternativa muito interessante dentro dessa ideia de ter um corredor alviverde. O futebol feminino é outro produto. Não adianta também a gente focar em trazer o torcedor, esse torcedor virá, mas ele virá numa outra condição. A gente tem que ter uma estratégia para desenvolver esse produto que é diferente de fomentar e ampliar o futebol masculino, que se dá em outra condição.
Então seria, grosso modo, isso. Trazê-lo para perto, prestigiar. Eu faço questão, inclusive, de acompanhar e tenho notícia que a presidente, por exemplo, nesses três anos foi em um ou dois jogos, não mais, isso também é algo que precisa ser revisto, porque nós somos o que os líderes são, é importante a jogadora olhar e ver que a dirigente está lá, está apoiando e tal, esse é o primeiro passo.