Por: Alícia Flores e Laura Albuquerque
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 18/2011, que permite aos adolescentes trabalhar a partir dos 14 anos de idade, voltou a ser debatida na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) do Congresso Nacional.
A medida coloca no centro da discussão o trabalho infantil no país, acometendo crianças e adolescentes, que precisam lidar com tarefas árduas, além de carregar mais peso do que a própria idade pode suportar.
Essa realidade não está longe de Alagoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há um aumento na incidência de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil.
O levantamento também revela que entre 2016 e 2022, a taxa de crianças entre 5 a 13 anos envolvidas no trabalho infantil permaneceu estável, enquanto o percentual de adolescentes de 16 a 17 anos nessa situação aumentou 1,4 pontos percentuais entre 2019 e 2022.
Em Maceió, a faixa etária mais afetada pelo trabalho infantil tende a ser crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos. Esse intervalo de idades é frequentemente envolvida em atividades laborais devido à vulnerabilidade socioeconômica das famílias e à necessidade de contribuir com a renda familiar.
Para entender sobre a medida que prevê redução mínima e os prejuízos do trabalho infantil, o CadaMinuto conversou com especialistas e profissionais que trabalham com o tema, que alertaram para o problema do trabalho infantil.
Segundo os dados mais recentes, Alagoas tem enfrentado desafios significativos no combate ao trabalho infantil, com taxas relativamente altas em comparação com outras regiões do Brasil, alertou a técnica do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil do Estado, Roberta Cavalcante.
A especialista menciona algumas das principais causas do trabalho infantil no estado:
- Pobreza e desigualdade social – Muitas famílias dependem do trabalho dos filhos para complementar a renda familiar;
- Baixo nível de escolaridade dos pais – Isso muitas vezes leva à valorização do trabalho infantil em detrimento da educação formal;
- Falta de acesso à educação de qualidade e educação integral – A ausência de escolas de qualidade ou a distância das escolas contribuem para a evasão escolar;
- Cultura e tradições locais – Em algumas comunidades, o trabalho infantil é visto como uma prática culturalmente aceita;
- Deficiência na fiscalização e aplicação das leis trabalhistas – A falta de fiscalização eficaz permite a continuidade do trabalho infantil.
“O Caderno de Orientações Técnicas para o aperfeiçoamento da gestão do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) descreve as ações e iniciativas implementadas para combater o trabalho infantil em Alagoas e em todo o Brasil. Essas iniciativas são estruturadas em cinco eixos principais: Informação e Mobilização; Identificação; Proteção; Monitoramento; e Importância da Intersetorialidade”, explicou.
Além disso, a técnica explica que as equipes volantes do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) desempenham um papel crucial ao identificar e atender crianças e adolescentes em áreas rurais e de difícil acesso, assegurando que esses serviços cheguem a todas as regiões de Alagoas.
O que as pesquisas locais mostram?
“Mas um fato que chamou atenção foi a narrativa de uma criança que trabalhava na feira. Sua jornada era de quase 12 horas. Ele trabalhava no carrego e, em nossas conversas informais, afirmou que chegava em casa tão exausto que ‘caia e dormia’. Geralmente, faltava à escola, tanto nas segundas-feiras como nos feriados. Nas segundas pelo cansaço e nos feriados para trabalhar e ganhar mais um trocado para ajudar a família. Uma rotina cruel, imposta pelas condições de vida degradantes”. Esse é o relato obtido pela professora universitária de Serviço Social e coordenadora do Grupo de Pesquisa Rede Questões Geracionais e Políticas Públicas, Márcia Iara Costa, durante a sua atuação em uma pesquisa sobre o trabalho infantil em Maceió.
Ao CadaMinuto, a professora universitária explica como o trabalho infantil gera prejuízos que acarretam à saúde, à segurança e ao bem-estar da criança e do adolescente. Costa menciona os dados dos resultados da pesquisa “Crianças em Perigo: o trabalho infantil no Mercado Público e feiras livres de Maceió”, que foi realizada ente os anos de 2018 e 2019.
A especialista detalhou que o estudo surgiu a partir de uma demanda do Ministério Público do Trabalho, em parceria com a Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
“A pesquisa teve como objetivo identificar situações de trabalho caracterizados como precário, informal e prejudicial à saúde e ao desenvolvimento integral dos infantes. Tais atividades são considerados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), como as piores formas de trabalho infantil”, pontua.
Márcia destaca que os infantes desenvolviam diversas atividades consideradas precárias e informais. “Eles vendiam verduras, peixes, mariscos, doces, carregavam pesos, com sacos pesados de compras nas mãos ou usando os carrinhos de mãos. Muitos pediam esmola”.
Segundo a professora, a pesquisa revelou que as jornadas de trabalho eram exaustivas, iniciando entre quatro e cinco horas da madrugada e indo até ao anoitecer, por volta das 18h ou 19h.
Ainda por meio da pesquisa foi possível traçar o seguinte perfil: 47,4% dos pequenos(as) trabalhadores (as) tinham idades entre 10 a 14 anos. Já o grupo de 15 a 17 anos representava 44%. Cerca de 75% eram meninos, e majoritariamente negros. Do universo pesquisado, 81,6 % afirmaram estar matriculados no ensino fundamental e 11.1% diziam frequentar o ensino médio.
Em relação aos tipos de atividades, foi possível identificar que a maior incidência foi no comércio ambulante ( 68,7%), seguido do carrego ( 14,7%). “Alguns catavam alimentos para o próprio consumo, outros catavam lixo ou pediam esmolas pelas feiras e mercados. Todos sujeitos a diversas violências e situação de risco pessoal”.
Já entre os locais da capital com o maior contingente de crianças, estão o Mercado da Produção (24,1%) e o Mercado do Jacintinho (23,4%). No entanto, também foi registrado um número significativo no Mercado da Ceasa, e nas feiras livres do Village 2, Tabuleiro, Benedito Bentes e Cleto Marques.
Um fato que chamou a atenção da pesquisadora foi que cerca de 74% das crianças não eram remuneradas e exerciam as atividades provavelmente em troca de alimento.
“Tratavam-se de crianças e adolescentes socialmente desprotegidos que amargavam uma realidade cruel. Cena que apesar de dolorosa é naturalizada ou romantizada, pois rouba uma fase essencial da vida que é a infância”, lamenta.
“Reduzir a idade significa um retrocesso histórico com sérios prejuízos”
A professor Márcia Iara Costa argumenta que é contra a redução da idade mínima para adolescentes trabalharem, pois o trabalho infantil impossibilita a prática de atividades essenciais ao desenvolvimento saudável da criança, como lazer e descanso.
“Reduzir a idade de admissão ao trabalho significa um retrocesso histórico com sérios prejuízos para nossas crianças e adolescentes, especialmente as negras, pertencentes a famílias empobrecidas, comumente desumanizadas e vistas como objeto de exploração”, defende.
Dentre os principais prejuízos citados por ela, está o risco ao desenvolvimento, à escolarização e à saúde dos infantes, incluindo casos de acidentes de trabalhos letais, além das ameaças de cooptação para o tráfico e de violência sexual.
“Na pesquisa escutei diversas narrativas de crianças trabalhadoras, como meninas que carregavam pedra e diziam não suportar mais o fardo, outras que sofriam castigos físicos e imposições para desenvolver atividades laborativas. Crianças marisqueiras com dores nas articulações”, denuncia a coordenadora.
Alternativas viáveis
De acordo com Márcia, é possível promover alternativas viáveis que não comprometam o desenvolvimento e a educação de adolescentes que precisam ou desejam trabalhar. Para ela, é preciso ampliar a oportunidade de participação dos adolescentes que precisam trabalhar em Programas de Aprendizagem, além de maior adesão por parte dos empresários locais nesses projetos.
A professora defende que, para aqueles que precisam contribuir com o orçamento familiar, a proposta deve ser direcionada às suas famílias, para poderem viver sem serem submetidos à violência do trabalho perigoso e insalubre.
“Pesquisas já revelaram que o aumento da escolaridade dos pais além de aumentar a frequência da criança na escola reduz o trabalho precoce. Crianças e adolescentes que não frequentam a escola têm possibilidades reduzidas de melhorar a renda familiar quando se tornarem adultos, o que reforçará o ciclo geracional da pobreza e desigualdade e, consequentemente, o trabalho infantil perigoso e penoso”, afirma.
Inclusão em projetos
A subsecretária da Primeira Infância, Criança e Adolescente, Taciana Flores, compartilha que as equipes da Secretaria de Desenvolvimento Social, Primeira Infância e Segurança Alimentar (Semdes) fazem a identificação de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, feita por busca ativa, oferecendo encaminhamentos necessários às famílias.
“Também outras políticas públicas fazem esse encaminhamento para os serviços da Semdes. Crianças e adolescentes em situação de exploração são encaminhadas aos 16 núcleos do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) e inseridas no Cadastro Único (CadÚnico) para programas sociais do governo federal, caso não estejam”, descreveu.
A subsecretária ressalta, ainda, que existe uma articulação com os serviços para a inclusão dos adolescentes egressos do trabalho infantil acompanhado pelo CREAS, em projetos que visam dar oportunidades para projetos de aprendizagem para o trabalho protegido, como o programa Jovem Aprendiz, e Projeto Mais Oportunidades da Subsecretaria da Primeira Infância, Criança e do Adolescente da Semdes.
Por meio de nota, a Semdes explicou que irá contratar uma empresa para diagnosticar os números de casos de trabalho infantil no município. A capital segue as orientações do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) no enfrentamento ao trabalho infantil.
Saiba como denunciar
A população pode denunciar casos de trabalho infantil em Alagoas por meio dos seguintes canais:
Disque 100: Serviço de denúncia de violações de direitos humanos, incluindo trabalho infantil.
Conselho Tutelar: Presente em todos os municípios e responsável pela proteção dos direitos da criança e do adolescente.
Ministério Público do Trabalho (MPT): Que recebe denúncias e investiga casos de trabalho infantil.
Aplicativos e plataformas online: Algumas ONGs oferecem meios digitais para a denúncia de trabalho infantil.
Os canais garantem o sigilo do denunciante e buscam a apuração das denúncias para a proteção das crianças e adolescentes.
*Redação com Cada Minuto