Anadia/AL

28 de julho de 2025

Anadia/AL, 28 de julho de 2025

Ser mãe? Agora é escolha e não obrigação: por que as mulheres estão adiando a maternidade

''Essa escolha, muitas vezes silenciosa, é atravessada por questões financeiras, emocionais e profissionais.''

ABN - Alagoas Brasil Noticias

Em 28 de julho de 2025

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(Arte: Abraão Torres/ Rios de Notícias)

Por: Rebecca Moura

Repensar o desejo de ter filhos tem se tornado uma realidade cada vez mais presente na vida de muitas mulheres no Brasil. O que antes era visto como um passo natural da vida adulta agora dá lugar a dúvidas, revisões e decisões consciente, seja para adiar, seja para simplesmente não seguir esse caminho. Essa escolha, muitas vezes silenciosa, é atravessada por questões financeiras, emocionais e profissionais.

Dados do Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirmam essa mudança: as brasileiras estão tendo filhos mais tarde e em menor número. Segundo o levantamento, também cresceu o percentual de mulheres que optam por não ter filhos. Na década de 1960, a Taxa de Fecundidade Total do país era de 6,28 filhos por mulher. Em 2022, esse número caiu para 1,55 – patamar próximo ao de países desenvolvidos.

Quando a rotina não comporta ser mãe

Foto: Ana Beatriz. Cortesia

É o caso de Ana Beatriz, jornalista de 25 anos, que sempre imaginou a maternidade em seu futuro. Mas, ao ingressar cedo no mercado de trabalho, percebeu que o desejo de ser mãe precisava enfrentar os limites da vida adulta.

“A questão financeira foi o primeiro obstáculo. Depois vieram outras dúvidas: com quem deixaria a criança? Estaria disposta a trabalhar meio período? Como lidaria com um bebê doente enquanto encaro viagens a trabalho e prazos apertados?”, relata.

Ana continua refletindo sobre o tema e, por enquanto, optou por priorizar a carreira. Os planos incluem uma pós-graduação, crescimento profissional, viagens e momentos de lazer ao lado do companheiro.

“Quero construir um futuro estável e seguro, o que também é uma forma de pensar em um eventual filho. Mas, neste momento, meu foco é outro.”

Planejamento e autonomia

Ainda de acordo com a jornalista, o desejo de maternar deve ser planejado com cuidado e que a sociedade precisa lidar com mais naturalidade com a escolha de não ser mãe. “Nem toda mulher quer ter filhos, e tudo bem. É uma escolha legítima. O problema é que muitas ainda se tornam mães sem esse desejo e isso gera frustrações, sobrecarga e sofrimento para elas e para as crianças.”

Ela projeta que, no futuro, pode tentar uma jornada mais flexível, talvez até trabalhar meio período. Mas pondera que nem sempre as escolhas ideais estarão ao seu alcance. “Não me vejo abrindo mão do mercado de trabalho, mas isso pode ser algo que fuja de mim quando as coisas acontecerem de fato.”

Apesar das ponderações, ela ainda se vê como mãe no futuro. “É algo que sonho há muitos anos. Mas quando colocamos a razão acima da emoção, percebemos uma série de questões que impedem agir apenas por querer”, reforça.

Pressões, escolhas e o direito de adiar

Foto: Fernanda Marinho. Arquivo Pessoal

Ser mãe nunca foi um sonho de infância para Fernanda Marinho, assistente social de 31 anos. Desde pequena, ouviu dos pais que a realização pessoal estava nos estudos e na independência profissional.

Já na vida adulta, o principal motivo para adiar a maternidade é a falta de estrutura e segurança financeira. “Só o amor não sustenta”, resume.

Essa busca por estabilidade também guia seus planos profissionais. Fernanda quer ser aprovada em um concurso e construir uma carreira sólida. Mas acredita que o desafio não é apenas financeiro. Investir na própria trajetória exige também equilíbrio emocional. “É preciso abrir mão de muitas coisas.”

As cobranças que chegam com o tempo

Ela afirma que a cobrança existe, mesmo quando não aparece em forma de crítica direta. Já ouviu de familiares e conhecidos frases como “na sua idade eu já tinha filhos”, “tem que ser agora para não correr risco” ou “quem vai cuidar de você na velhice?”.

Aprendeu a filtrar esse tipo de fala. “Não me afeta”, garante. Para Fernanda, a maternidade ainda é muito associada a um padrão social, mais do que a um desejo genuíno. Por isso, prefere lidar com a pressão de forma consciente, reconhecendo que muitas das expectativas impostas às mulheres vêm de construções culturais e não de vontades individuais.

Fernanda diz que não se prende a expectativas sociais, idade ou rótulos. A maternidade pode acontecer, mas não ocupa o centro das suas decisões. “Se for pra ser, será. Sem neura”, diz.

Quando o direito ainda não é de todas

Foto: Anabelle Lages. Arquivo Pessoal

Para a socióloga, professora e pesquisadora Anabelle Lages, doutora em Sociologia, falar sobre maternidade no Brasil exige ir além da perspectiva individual de desejo ou planejamento. É preciso reconhecer que ser ou não ser mãe é uma experiência atravessada por desigualdades estruturais, especialmente de raça, classe e gênero.

“A maternidade não pode ser uma imposição ou um acontecimento ‘natural’, mas uma escolha”, afirma. Essa escolha, no entanto, não está ao alcance de todas. Mulheres negras e periféricas, por exemplo, muitas vezes precisam sair de casa cedo para cuidar de crianças que não são as suas, enquanto enfrentam a falta de vagas em creches para os próprios filhos.

Esses filhos, por sua vez, convivem com a ameaça constante da violência urbana, inclusive da violência do Estado. “Quantas dessas mulheres tiveram suas maternidades interrompidas pela violência da ‘guerra às drogas’, pelas balas que sempre encontram o mesmo alvo?”, questiona Anabelle.

Carreira ou filhos? A pressão estrutural do trabalho

Segundo a socióloga Anabelle Lages, o mercado de trabalho brasileiro ainda reproduz uma lógica construída com base em padrões masculinos, o que transforma a maternidade em um fator de exclusão. Mulheres que se tornam mães convivem com o medo da demissão após a licença, menos chances de promoção e avaliações de desempenho injustas.

O cuidado com os filhos, visto como uma responsabilidade “natural” da mulher, não é dividido de forma equitativa. “A participação efetiva nos cuidados com a criança é de ambos. O pai não pode ser visto como substituto eventual. Ele deve estar presente de forma cotidiana.”

Anabelle destaca ainda o esgotamento físico e emocional provocado pela carga invisível dos cuidados — um esforço que o mercado não reconhece.

“O mercado de trabalho expulsa profissionais incríveis por não compreender que a complexidade envolvida na criação de uma criança gera, na mulher, uma riqueza de conhecimento que poderia ser aproveitada.”

Decisão que também é política

Mulheres que escolhem não maternar ainda enfrentam resistência social, rótulos e julgamentos. Termos como “egoísta” ou “incompleta” seguem sendo usados, especialmente contra aquelas que são independentes e sem filhos.

A socióloga Anabelle Lages lembra que essa não é uma escolha acessível a todas. Em muitas regiões do país, meninas e adolescentes seguem tendo filhos em contextos de vulnerabilidade, sem apoio ou possibilidade real de escolha.

Na Academia, a mesma pressão

Ela própria adiou a maternidade por causa da carreira como pesquisadora, que exige anos de formação e oferece pouca estabilidade. Durante o doutorado, ouviu de um colega que engravidar prejudicaria sua produtividade e a nota do programa.

Anabelle defende que a queda na produção científica de pesquisadoras que se tornam mães é natural e deveria ser vista da mesma forma no caso de homens que se tornam pais, o que raramente acontece.

“Até mesmo na Academia, o cuidado com os filhos ainda é tratado como responsabilidade exclusiva da mulher”, afirma.

Experiência planejada e segura

Foto: Eugênia Câmara, médica

Segundo a médica especialista em reprodução humana, Eugênia Câmara, esse adiamento da maternidade não é apenas reflexo das novas possibilidades das mulheres, mas também do desejo de viver a experiência de forma planejada e segura.

“Hoje, muitas mulheres priorizam a carreira, os estudos, a independência financeira. Ser mãe deixou de ser uma imposição e passou a ser uma escolha mais consciente e planejada”, afirma Eugênia.

Ela ressalta ainda que esse novo cenário tem sido fortalecido pelo maior acesso a informações sobre saúde reprodutiva, pelo uso de métodos contraceptivos modernos e pelo aumento da autonomia feminina sobre o próprio corpo.

Redação com Eu fêmea

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