O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, voltou a criticar a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) nesta 4ª feira (2.out.2024). Declarou que a agência “está boicotando o governo” e cobrou um comportamento mais técnicos e menos político dos seus diretores.
Essa não é a 1ª vez que Silveira ataca publicamente a Aneel. Em agosto, o ministro ameaçou intervir na agência reguladora por causa da demora na análise de processos e afirmou que a entidade era “omissa”. Dessa vez, a vontade de Silveira é que a Aneel atenda sua solicitação para usar a Conta Bandeiras para amenizar o impacto do acionamento da bandeira vermelha patamar 2 na conta de luz dos brasileiros.
“Que bom que a Aneel assume a responsabilidade de dizer que o custo da energia é responsabilidade dela. Isso me tranquiliza, mas também me preocupa. Se ela se alinhar às políticas públicas do governo vai me alegrar. Se ela continuar sendo uma agência que trabalha contra o país e contra o governo, boicotando inclusive o governo, vai me preocupar muito. Mas não deixarei de defender o interesse do povo brasileiro”, declarou Silveira a jornalistas.
Como mostrou o Poder360, o Ministério de Minas e Energia pediu na 3ª feira (1º.out.2024) que a Aneel considere usar o saldo da Conta Bandeiras para atenuar a cobrança extra nas tarifas de energia neste mês e nos próximos.
A Conta Bandeiras reúne o dinheiro extra arrecadado dos consumidores com as bandeiras tarifárias. É usada para pagar os custos adicionais nos períodos em que o custo de operação do sistema aumenta, com o acionamento de térmicas. Também tem sido utilizada para atenuar reajustes tarifários por distribuidoras.
Na visão de Silveira, a Aneel deve ter autonomia para definir o uso da Conta Bandeiras, mas que não há necessidade de manter um saldo elevado nesse fundo e que o país precisa de um injeção de energia mais barata para avançar na sua agenda econômica.
Segundo o ministro, o saldo na Conta Bandeiras é superior a R$ 5 bilhões e a agência deve reavaliar o quanto é preciso manter como colchão de socorro em caso de maior dificuldade hídrica e quanto pode ser queimado agora.
“Entendo que os valores do saldo não deveria ser tão altos e poderia ser usado em parte para impactar menos o consumidor de energia neste momento A Aneel com esse conjunto de posturas reativas demonstra que ela politiza muito uma agência reguladora que deveria ter caráter mais técnico e falar mais para dentro e menos para fora”, disse Silveira.
Entenda o imbróglio da Amazonas Energia
A Amazonas Energia é a concessionária de distribuição no Estado do Norte. Desde antes da sua venda, em 2018, da Eletrobras para a Oliveira Energia, já apresentava um elevado nível de endividamento e inadimplência com obrigações setoriais. Em novembro de 2023, a Aneel recomendou ao governo a extinção (caducidade) da concessão.
A situação de insustentabilidade da Amazonas Energia perdura por décadas, acumulando perdas de mais de R$ 30 bilhões em 20 anos. Só com as térmicas da Eletrobras Eletronorte que forneciam para a distribuidora –e que também foram vendidas para o grupo J&F–, a dívida ultrapassa R$ 10 bilhões.
Além de problemas antigos da distribuidora, o Amazonas enfrenta um problema sério com os furtos de energia. Como mostrou o Poder360, a taxa de perdas não técnicas, os chamados “gatos”, supera o volume de fornecimento para todo o mercado de baixa tensão no Estado.
Quando foi privatizada, em 2018, o governo deu à nova gestão da Amazonas 5 anos de prazo para colocar a concessão de pé. Neste período, as principais metas regulatórias exigidas da distribuidora foram flexibilizadas, evitando penalidades e garantindo a operação. No entanto, o prazo acabou em maio deste ano e a situação, em vez de melhorar, piorou.
A transferência do controle, a preço simbólico e com regras mais flexíveis, foi a alternativa mais viável encontrada pelo governo federal para salvar o serviço de distribuição de energia no Amazonas. As alternativas, que seriam a caducidade da concessão ou intervenção na empresa, trariam elevados custos para os cofres públicos e para as contas de luz.
A MP 1.212 exigiu que qualquer proposta pela Amazonas Energia precisa passar pela Aneel, a quem cabe avaliar se o plano atende às regras. A agência pode fazer exigências adicionais para autorizar o termo aditivo do contrato, que precisará “prever as condições para promover a recuperação da sustentabilidade econômico-financeira do serviço de distribuição de energia elétrica, com vistas a obter o menor impacto tarifário para os consumidores”.
De acordo com a MP de junho, se houver a transferência do controle da Amazonas, ficarão novamente flexibilizadas metas regulatórias e custos operacionais por 3 ciclos tarifários, ou seja, 15 anos. Dentre eles estão:
- custos operacionais;
- taxa de perdas não técnicas (furto de energia);
- taxa de inadimplência.
Enquanto os custos operacionais serão compensados pela CCC, as metas mais leves de perdas e de inadimplência afetam o valor das contas de luz no Estado. Esses indicadores são levados em conta pela Aneel na fixação das tarifas. Quando estão acima do limite, a distribuidora é penalizada. No caso da Amazonas, há maior tolerância.
Leia a cronologia do caso e as íntegras dos documentos:
- 20.jul.2023 – portaria (PDF – 438 kB) do MME cria grupo de trabalho para estudar o problema da Amazonas Energia;
- 21.nov.2023 – despacho (PDF – 153 kB) da Aneel recomendou ao MME a caducidade da concessão da Amazonas;
- 22.fev.2024 – grupo de trabalho do MME publica relatório (PDF – 2 MB) dando ao governo 3 caminhos para resolver o problema: A) caducidade do contrato, B) intervenção na distribuidora e C) adoção de medida legislativa flexibilizando novamente regras para a Amazonas Energia e solucionando custos operacionais da empresa;
- 13.jun.2024 – governo federal publica a MP1.232 (PDF – 151 kB), que autoriza nova flexibilização de custos da Amazonas e a possibilidade de transferência da empresa para outro grupo econômico, por valor simbólico, como alternativa à caducidade;
- 1º.jul.2024 – Amazonas submete a Aneel a proposta de transferência feita pela Âmbar/J&F por meio de 2 fundos de investimentos do grupo (documento com teor da proposta é sigiloso);
- 23.set.2024 – juíza federal do Amazonas de 1º grau concede liminar (PDF – 320 kB) em atendimento a distribuidora determinando que a Aneel aprove a proposta de transferência em até 48 horas a partir da notificação (entregue em 25.set, às 16h40);
- 24.set.2024 – superintendências técnicas da Aneel emitem nota técnica (PDF – 2 kB) que recomenda a rejeição da proposta de transferência e reforça indicativo de caducidade;
- 26.set.2024 – Amazonas Energia informa a Aneel sobre mudanças na proposta original da Âmbar/J&F já no final da noite. Uma nova alteração foi apresentada no dia 27 de setembro (documentos sob sigilo);
- 27.set.2024 – Aneel faz reunião extraordinária para julgar processo diante do prazo dado pela Justiça, mas diretoria não chega a consenso e votação termina empatada. Foram 2 diretores contra, seguindo o voto (PDF – 937 kB) do relator, Ricardo Tili. E 2 a favor da transferência, conforme o voto divergente (PDF – 506 kB) da diretora Agnes Costa;
- 28.set.2024 – Amazonas Energia entra com nova ação (PDF – 183 kB) na Justiça do Amazonas pedindo que a adoção, em caráter liminar, de medidas interventivas na agência para aprovação da transferência, como dar ao diretor-geral voto de minerva ou o direito de emitir decisão monocrática sobre o caso;
- 1º.out.2024 – Aneel forma maioria para aprovar um plano de transferência alternativo, elaborado pela área técnica, com regras mais duras e custo menor para a CCC. Grupo J&F terá 24 horas para dizer que topará assumir a concessionária sob os novos termos;
- 2.out.2024 – Âmbar rejeita a proposta alternativa elaborada pela Aneel para assumir a Amazonas Energia.
Redação com Poder 360