Por: Diego Iwata Lima
Renato Porto de Oliveira percebeu que o povo preto, periférico e palmeirense precisava muito demarcar seu espaço lá por 2019, quando entrou na faculdade.
Naquela época, ele passou a se incomodar, “perder a linha”, por ouvir, também dos colegas de campus, o que ele e seu pai escutavam da vizinhança, na Zona Sul de São Paulo.
— Palmeirense? Eu nunca vi negrão palmeirense, é time de italiano — contou à Trivela o jornalista de 24 anos, que fundou o coletivo de nome autoexplicativo “Zumbi dos Palmeiras” (ZDP), em 20 de maio de 2023.
Amor por um clube nasce de vários modos
Romualdo Porto de Oliveira, 60, é um exemplo pronto de que o amor pelo Palmeiras pode nascer de muitos modos. No caso dele, foi assistir a um goleiro que pegava tudo em um jogo da seleção brasileira.
O garoto Romualdo se encantou com aquele jogador. E prometeu, sob protesto dos irmãos, que iria torcer para o time em que o camisa 1 do Brasil jogava. Fosse qual fosse.
Foi apenas dias depois que ele soube que o clube defendido por Emerson Leão, cujo nome ele também não sabia, era o Palmeiras.
E, ali, Romualdo não deu forma apenas à sua paixão, mas também à de seu filho. E, por tabela, plantou a semente de um importante marco na vida de todos os palmeirenses pretos.
O ZDP chega aos dois anos de vida no próximo dia 20, combatendo o estereótipo de que apenas brancos, “playboys” e membros da elite financeira torcem pelo Palmeiras. Muita embora quem bata o olho nas imagens do Allianz Parque em dias de jogos não consiga ver muita diversidade na tela.
— Esse momento de elitização (no Allianz Parque) reforçou muito isso — pondera Renato.
— Sim, tem muito branco e playboy que paga R$ 600 para ver o jogo rindo, beleza. Mas não são só eles que são palmeirenses. É muito hipocrisia reduzir a torcida a eles. Assim como é hipocrisia dizer que todo corintiano ou santista é da quebrada.
Jogadores não falam do assunto
Renato não assistia a Cerro Porteño x Palmeiras pela Copa Libertadores sub-20 quando Luighi foi alvo de um gesto racista e grotesco vindo das arquibancadas. Mas seu grupo no WhatsApp do ZDP, com mais de 80 membros, logo trouxe a informação.
Na visão de Renato e outros membros do ZDP, o Palmeiras deveria abandonar as competições da Conmebol — inclusive a “obsessão” Libertadores. E esse papo de “vamos ganhar para mostrar que somos melhores”, com eles, não cola.
— Tem que fazer algo drástico, todos os clubes do Brasil se unirem. Dizer que não jogam o torneio até o Cerro ser excluído por três anos, algo assim. Porque nada vai mudar. No ano que vem, o Palmeiras volta lá e eles fazem de novo — acredita ele.
Ou até mesmo nesta quarta (7), quando os profissionais, com Luighi, voltam ao Paraguai para enfrentar o mesmo Cerro Porteño, agora pela Copa Libertadores adulta, às 21h30.
Se a desunião dos clubes é até esperada, a dos jogadores não é muito diferente. O ZDP não consegue contato com nenhum atleta preto para angariar apoio à causa, ou ao menos dialogar.
— Falamos com o Jailson, até fizemos umas postagens. Com o Oséas, com o Júnior Lateral, mas é sempre ali só pelo Instagram e tal. Não temos acesso aos empresários, assessores de imprensa, etc — diz ele.
Palmeirense não pode nem frequentar a rua
O Palmeiras, enquanto clube, também não tem contato com o coletivo, embora encampe ações antirracistas atualmente mais do que em qualquer outro momento de sua história. O líder do ZDP, porém, faz ressalvas.
— Não adianta repudiar quando (o racismo) acontece com o Luighi ou fazer postagens no Dia da Consciência Negra. Não adianta lembrar da gente só em 20 de novembro. Não adianta fazer isso e deixar o ingresso caro que exclui da gente, o preto e o periférico, o direito de ir aos jogos. Ou apoiar o cerco em torno do estádio — diz Renato.
Atualmente, só pode entrar no perímetro em torno do Allianz quem portar ingresso para os jogos, por determinação da Polícia Militar. O Palmeiras nega solicitar ou apoiar a formação do cerco. Mas também não atua para impedi-lo.
— A gente já não consegue entrar, porque não dá para tirar R$ 250 das contas de casa. Mas, agora, nem na rua podemos ficar? É rua, eles não podem exigir ingresso para ficar na rua, a gente tem que se humilhar para poder assistir ao jogo na rua — revolta-se Renato.
Boa recepção
Marcando espaço nas proximidades do Allianz Parque com faixas, bandeiras e adesivos, o ZDP conta ter sido bem recebido pela torcida em geral. Renato conta que até já recebeu olhares de canto de olho, mas não por racismo, mas sim por clubismo.
— Nosso lema é: “Fogos nos Racistas: Pele preta e manto verde”. E um cara quis reclamar que usamos a palavra “preta”, porque eles chamam os Gaviões de “os de preto” — conta o ativista.
— Ele queria que a gente escrevesse “pele negra”, só que o termo que a gente usa é preta. Mas esse era um cara fanático, que colocou esse fanatismo acima de coisas mais importantes. No dia mesmo, a gente trocou ideia com ele, umas pessoas da Mancha arrumaram para a gente se conversar e ficou tudo certo.
Renato gosta de enfatizar sempre que o ZDP não é uma torcida organizada. Tanto que membros da Mancha, TUP e Rasta Alviverde comparecem aos eventos do coletivo. Que, vale frisar, são sempre em favelas.
— Não dá para fazer evento do povo periférico na Vila Madalena. Isso inclusive nos afasta de outros coletivos de minorias, porque fazemos questão de estar na favela. Se não estamos no Allianz, estamos na favela.
Para além do futebol
O sonho de Renato é que o ZDP consiga fazer ações solidárias na periferia em todos os meses, não apenas em datas comemorativas, como recentemente na Páscoa.
No futuro, o fundador e os cerca de 12 membros que compõem o núcleo duro do coletivo esperam também ter uma sede própria, um quartel-general, para discutir os temas relativos à causa e acolher pessoas em necessidade.
O projeto Dandara, fundado e tocado apenas por mulheres do ZDP, já angaria e presta apoio a mulheres pretas e periféricas em necessidade, como mães solo, por exemplo.
Outra utopia dos membros do ZDP é que os coletivos de torcedores pretos de outros clubes se unam pela causa e se apoiem para além do clubismo.
Até hoje, no entanto, tudo que recebeu foi desdém e ironia.
— Eles debocham da gente: ‘Ah lá, o palmeirense preto. Vi de tudo agora’ — conta ele, referindo-se ao que já ouviu de são-paulinos.
— Antes de ser palmeirense ou corintiano, a gente nasce preto. Essa luta vai muito além do futebol. É nisso que todos os pretos deveriam se ligar. Por baixo da camisa, todos somos alvo — conclui.
Redação com Trivela
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