À beira da Via Dutra, é impossível não notá-la. Paredes pretas com cruzes de ponta-cabeça, teto vermelho, imagens de mais de dois metros de altura ao redor. Parece um cenário de filme no quilômetro 326 da rodovia, quase encostado na divisa com São Paulo. É, porém, a Igreja Luciferiana, dedicada a Lúcifer, o anjo caído do Cristianismo, o adversário de Deus.
O GLOBO visitou a sede da seita — que tem o fogo como um dos símbolos — no dia mais frio do ano em Itatiaia, quando a temperatura caiu a seis graus negativos na madrugada. O acesso ao local, cujo estacionamento estava cheio numa tarde de terça-feira, é uma ruazinha pacata do bairro Vila Esperança. Num trecho de 300 metros, há cinco igrejas evangélicas cercando o templo, que ainda não tem alvará de funcionamento.
— Não posso dizer que essa demora é por intolerância religiosa. Admito que preciso entregar à prefeitura os documentos necessários — explica Mestre Jonan, fundador da igreja e também do templo de quimbanda, que já funciona, com alvará, ao lado.
Jonan é como Jonathan de Oliveira Ribeiro, de 31 anos, é chamado pelos seguidores que atende para trabalhos com fins de prosperidade financeira, agradecimento por um objetivo alcançado ou na urgência pela “reparação” de danos causados por outras pessoas. A maior busca é pelas amarrações amorosas.
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— São milhares de pedidos por mês, e grande parte do grupo que me procura é de evangélicos, católicos… — diz. — Muitos que dizem ter medo e tudo mais, na hora do feitiço do amor, não tem jeito: vêm.
No terreno de fora, com vista para a Dutra, um lago artificial para patos é finalizado, além de um galinheiro para as aves que serão sacrificadas e um santuário para as entidades.
◼️ Complexo do axé
Para o futuro, são projetados um salão de festas para receber convidados de casamentos — o Salão do Zé Pelintra —, além de um espaço para receber “mais pessoas do axé” e outro que abrigará uma ONG.
— A maior obra do Brasil do caminho da mão esquerda é a minha. Ela começou há mais de dez anos. Creio que ainda faltam dois ou três anos para terminar cem por cento — diz Jonan, que tem um estacionamento próprio para seu Porsche e suas três motos, entre elas uma Harley-Davidson estilizada com desenhos de fogo e um crânio.
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Joana Bahia, professora titular do departamento de Antropologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenadora do Núcleo de Estudos da Religião (Nuer), diz que há sete tipos de quimbanda. Além disso, segundo ela, religiões que têm Exu como uma das entidades principais exibem particularidades na maneira de enxergá-lo:
— Exu te mostra os caminhos que você não vê. Para trazer a ordem, ele traz o caos. (Para os que creem) a vida é bem e mal. O mundo é paradoxal neste sentido.
É sob esses preceitos que funciona o terreiro de umbanda dele e da mulher Felicia (Lidia de Oliveira), em Volta Redonda, a 59km de Itatiaia. Por lá, no local com alvará, eles fazem semanalmente trabalhos de caridade. Em Vila Esperança, Jonan também diz ter distribuído ovos de chocolate na Páscoa e cartões para retirada de cestas básicas no mercado (“Se distribuirmos os alimentos aqui, ninguém vem. Por acharem que é comida de macumba”).
— A gente trabalha no equilíbrio e acredita que só se aproxima de Deus com a caridade. Então, é necessário mantê-la na nossa vida. Aqui (em Itatiaia) também vamos ter uma oca de umbanda na frente da Igreja Luciferiana — diz Jonan, dono de um bode de estimação chamado Zebu.
Diferentemente da linha que segue na quimbanda, que é uma religião, o Luciferianismo (que não tem conceituação definida no meio acadêmico) é defendido por Jonan como uma “filosofia de vida”.
— É busca por conhecimento, tanto de fatos históricos como do mundo espiritual. Temos o privilégio de ter um caminho com os espíritos para eles ensinarem como se aproximar de Deus, como fazer a vida na Terra dar certo, como fazer a energia do dinheiro, do amor e do desejo estarem próximas — diz.
— Não temos essa figura do diabo como inimiga de Deus. A mão esquerda é a mão que cobra, que desafia. Quando Deus criou o universo, criou tudo o que é necessário. Até o diabo é necessário, para tentar. Como você vai mostrar que é forte?
◼️Força digital
A força virtual do líder se reflete em números. Vídeos que mostram o castelo, as diferentes salas do templo de quimbanda e até sacrifícios de bichos não param de multiplicar visualizações. A soma do número de seguidores virtuais de Jonan chega a 4 milhões. Em alguns cultos, usualmente quando há manifestação de entidade, pode haver cobrança de um valor de R$ 277 por trabalhos individuais, e as lives acumulam espectadores.
— Tenho um fã-clube muito grande, um grupo de pessoas que eu oriento. No Brasil, são 50 mil (afiliadas) — garante o volta-redondense que vez ou outra mostra seus banhos em sangue quente na web.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional uma lei gaúcha que permite sacrifício ritual para cultos religiosos. A professora da Uerj Joana Bahia destaca a proeminência das lives religiosas nos últimos anos.
◼️Discurso de coach
Nas paredes da igreja, que ainda não pode receber fiéis, há símbolos que lembram céu e inferno; do lado esquerdo do altar, uma cabeça com chifres para, segundo Jonan, seus discípulos entenderem como é a expressão de alguém em situação de descontrole: o ideal é buscar perder o norte. O discurso que lembra orientações de um coach ressurge quando o sacerdote trata dos desafios do cotidiano:
— Como alguém vai se mostrar evoluído se não for testado? Você está na Terra.
A professora da Uerj explica que a cultura do coaching tem sido absorvida por diferentes religiões:
— Essa linguagem tem sido bastante usada na religião evangélica; e mesmo coaches sem vinculação religiosa usam também a linguagem religiosa. A religião se relaciona com o mundo e cada vez mais se relaciona com coisas do mundo. Para atender às necessidades contemporâneas, muitas vezes as religiões trazem temas que estão nele, assim como absorvem outras questões (culturais e de comportamento).
— Sofremos uma depredação fruto de intolerância religiosa em fevereiro. Desde então, temos segurança armada 24 h por dia. Eu mesmo tirei minha licença para porte de arma. Por sorte, a espiritualidade fez com que eu não estivesse aqui. Senão, não sei o que poderia ter acontecido.
◼️ Redação com Extra Online
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