Anadia/AL

24 de novembro de 2025

Anadia/AL, 24 de novembro de 2025

Violência contra as mulheres: agressões dentro de casa e diante de crianças

Pesquisa indica que 71% dos ataques ocorrem na presença de outras pessoas e, em quase todos os casos, com filhos e demais menores de idade nopróprio ambiente

ABN - Alagoas Brasil Noticias

Em 24 de novembro de 2025

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Foto: Reprodução/ PC do B 65

Uma cena que se repete dentro de casa por todo o país: portas fechadas, discussões que se transformam em gritos e o choro contido de crianças que assistem, impotentes, ao que jamais deveria fazer parte da rotina de uma família. A 11ª edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, divulgada pelo Instituto DataSenado e pela Nexus, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, mostra que sete em cada dez casos de violência contra a mulher no ambiente doméstico são presenciados por crianças.

“É um número interessante, embora profundamente triste, porque tangibiliza algo que quem trabalha no sistema já sabe”, afirma a antropóloga Beatriz Accioly, líder de políticas públicas pelo fim da violência contra mulheres no Instituto Natura, em entrevista ao Estado de Minas. Agora, o levantamento inédito dá forma numérica a uma realidade que era intuída, mas pouco quantificada. “Essas agressões acontecem no espaço doméstico, e crianças muito pequenas fazem parte dessa realidade”, disse.

A pesquisa mostrou que, das 21.641 mulheres ouvidas pelo estudo, 71% das agressões ocorrem diante de outras pessoas e, em 70% desses casos, havia crianças presentes, muitas vezes filhos das próprias vítimas. O estudo atualiza o Mapa Nacional da Violência de Gênero, plataforma que integra dados e análises para orientar políticas públicas e revela o peso real desse fenômeno de violência doméstica ou familiar ao longo de 12 meses.

Esse cenário de agressões expõe um dilema frequente vivido por vítimas e pessoas próximas de dúvida sobre denunciar, romper a relação ou manter silêncio para “proteger a família”. Para Beatriz Accioly, esse dilema se baseia em um equívoco. “Nenhuma criança se beneficia de crescer em lar violento”, afirma. Ela ressalta que, ao contrário do que muitas mulheres imaginam, os filhos não preferem um lar formalmente unido, mas permeado de agressões, a um ambiente de harmonia após a separação.

Ela argumenta que essas crianças também deveriam ser consideradas vítimas, ainda não consideradas nas estatisticas. “A gente tem essas vítimas que não estão nas estatísticas. Essas crianças também estão sendo expostas a um ambiente familiar violador. Será que a gente também não devia contá-las como vítimas?”, questiona. “Esse tipo de dado mostra que é um problema pervasivo, não desrespeita só a vítima de mulher, mas também a família que está ao redor, essas crianças, esses adolescentes, e esses filhos e que não é um problema de desenvolvimento do nosso país”, avalia Beatriz Accioly.

Além da presença das crianças, o estudo também mostrou que 40% das testemunhas de violência contra mulheres não ofereceram ajuda diante de situações de agressão. Para Beatriz, a omissão é parte de um problema maior, que combina falta de informação, despreparo e a crença equivocada de que conflitos desse tipo pertencem exclusivamente ao âmbito familiar.”

“Ainda existe uma grande privatização desse problema”, explica. “Pede-se muito que a mulher rompa o silêncio, mas o que a sociedade oferece em troca? Estamos preparados para escutar e apoiar? Muitas pessoas não sabem o que fazer, acham que é algo a ser resolvido entre o casal. É um cenário muito negativo de omissão social”, aponta Beatriz.

Esse comportamento se reflete nos caminhos que as vítimas percorrem antes de buscar ajuda institucional. A pesquisa mostra que 58% procuram apoio na família, 53% na igreja e 52% entre amigos, enquanto apenas 28% registram denúncia em Delegacias da Mulher e 11% acionam o Ligue 180.

As comunidades de fé assumem papel central, especialmente para mulheres evangélicas, 70% das quais buscam líderes religiosos como primeira rede de apoio. Isso traz tanto potencial de acolhimento quanto risco. “É preciso conversar com esses espaços”, diz Beatriz. “A família valorizada nesses ambientes precisa ser aquela onde direitos são respeitados, não o lugar da violência. Defender a família não pode significar colocar mulheres, crianças e adolescentes em risco”, diz a antropóloga.

Esse debate é ainda mais urgente porque, em muitos desses grupos, persiste a orientação de evitar conflitos e “preservar o lar”, mesmo diante de agressões. Para Beatriz, o caminho passa por diálogo. “Tem funcionado muito bem conversar sobre que família queremos. A família do acolhimento, do respeito, e não do silêncio”, aponta.

CICLO

Outro dado que chama atenção é a permanência prolongada em situações de violência: 58% das entrevistadas convivem com agressões há mais de um ano. Para a antropóloga, isso não indica passividade feminina, mas a ausência de condições reais para romper o ciclo.

“A violência contra mulheres é muito particular. Não é um fato isolado, é uma relação que se repete no tempo”, explica. Romper a relação pode colocar a vítima em ainda mais risco. “Muitos feminicídios acontecem justamente no momento da ruptura. Sem apoio institucional e social adequado, a mulher não consegue sair”, reforça.

A falta de informação também alimenta essa permanência forçada. A pesquisa revela que 67% das brasileiras conhecem pouco da Lei Maria da Penha, enquanto 11% desconhecem totalmente seu conteúdo. Entre as mulheres de menor renda e escolaridade, as que mais sofrem com violências, esse desconhecimento é ainda maior.

“É muito difícil procurar um direito que você sequer sabe que existe”, resume Beatriz. “Esse número mostra que nossos esforços de comunicação estão muito aquém do tamanho do problema”, aponta.

Mesmo assim, 75% das entrevistadas acreditam que a Lei Maria da Penha protege as mulheres, o que indica uma confiança simbólica na legislação, contrastando com a dificuldade de navegar pelos caminhos até ela. O conhecimento sobre serviços como Cras, Creas, Casas Abrigo e Casa da Mulher Brasileira permanece praticamente estagnado desde 2023.

ABN C/ Estado de Minas

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