Anadia/AL

19 de janeiro de 2025

Anadia/AL, 19 de janeiro de 2025

Walderez: a alagoana que sobreviveu ao ataque alemão e escapou da morte dentro de uma caixa de Leite Moça

Submarino alemão torpedeou embarcação em que ela estava, um dos fatos que motivou a entrada do Brasil na guerra.

ABN - Alagoas Brasil Noticias

Em 2 de dezembro de 2024

A 1

Fato ocorrido com alagoana foi um dos que motivaram a entrada do Brasil na 2ª Guerra. Ailton Cruz

Por Jamylle Bezerra

No quinto andar de um edifício situado no bairro da Jatiúca, em Maceió, reside a aposentada Walderez Moura Cavalcante, de 86 anos, que leva uma vida comum para a idade, e tem o tempo dividido entre a fisioterapia, a terapia ocupacional e as sessões com psicólogo. Mas quem olha para a senhora de cabelos brancos, com dificuldade para andar e a voz trêmula e baixa, nem imagina o que ela carrega desde muito cedo, quando tinha apenas 3 anos e 9 meses de idade e o mundo vivenciava o maior conflito armado da história da humanidade: a 2ª Guerra Mundial.

Dona Walderez é alagoana e sobrevivente de um naufrágio ocasionado por um bombardeio de um submarino alemão na costa da Bahia, fato ocorrido em 17 de agosto de 1942, e que entrou para a história após deixar mais de 60 pessoas mortas. Esse e mais outros quatro naufrágios provocados pela Alemanha no Brasil fez com que o país decidisse entrar na guerra, declarando apoio ao bloco dos Estados Unidos.

A pequena Walderez estava junto com o pai, o marinheiro Octávio de Barros Cavalcante, no navio Itagiba, que naufragou após ser torpedeado. Ela foi encontrada dentro de uma caixa de madeira de leite condensado Moça, da marca Nestlé, flutuando em alto-mar, quando não mais havia esperanças de encontrar sobreviventes da tragédia. O pai dela, que trabalhava no convés da embarcação, ficou ferido em decorrência do ataque alemão, mas conseguiu sobreviver.



					Walderez: a alagoana que sobreviveu ao ataque alemão e escapou da morte dentro de uma caixa de Leite Moça
Walderez mostra livro com relatos de sobreviventes. Ailton Cruz

Ambos foram resgatados. O pai foi encaminhado para um hospital, imaginando que a filha estivesse morta. Walderez, no entanto, que segurava firme na caixa, sem compreender muito o que acontecia, enquanto observava os corpos das vítimas da tragédia flutuarem, foi levada para a casa do prefeito de Valença, cidade da Bahia, onde levou uma queda e quebrou o braço cerca de dois dias depois do naufrágio. Também foi levada ao hospital e o destino fez com que ela reencontrasse o pai.

A idosa recebeu a equipe da Gazeta na última quinta-feira (28), na casa dela, e contou detalhes desse episódio e do que decorreu depois dele, citando a dor que carregou por toda a vida ao relembrar a tragédia e destacando que, mais de 80 anos depois do episódio que marcou a sua história para sempre, a humanidade nada aprendeu.

“O que eu vivi na época da guerra é o que nós vivemos hoje. Um diz de um lado que quer paz e o outro grita do outro que quer guerra. E vamos todos sobrevivendo a tudo isso”, afirma Walderez, que é psicóloga aposentada, mãe de três filhas, avó de três netos e aguardava, no dia da entrevista, a chegada do primeiro bisneto.

Ela guardou consigo a história do naufrágio por cerca de 70 anos, e até uns 14 anos atrás, nenhum familiar da idosa tinha conhecimento de que ela era uma sobrevivente. Até que uma das filhas se deparou, na internet, com uma matéria que citava o nome da alagoana e a questionou sobre o assunto. Foi quando tudo veio à tona. Por sofrer bastante ao relatar os fatos vividos, ela preferiu manter o silêncio por tantas décadas, assim como fez o pai dela, que morreu sem falar sobre o assunto com ninguém.

“Esse episódio mudou toda a minha história e eu passei parte da minha vida chorando. Quando lembro da situação, só tenho vontade de chorar. Não gosto de falar sobre esse assunto e não conversei com meus filhos e netos sobre ele. É uma história de tristeza. Quando falo, me arrepio”, afirma.



					Walderez: a alagoana que sobreviveu ao ataque alemão e escapou da morte dentro de uma caixa de Leite Moça
Walderez mostra registro de quando encontrou o pai no hospital. Ailton Cruz

Relação com o pai

A pequena Walderez estava no navio de forma clandestina, acompanhando o pai, que era funcionário da embarcação. Ela conta que passava o dia brincando com outra criança, a Beatriz, que era filha de um capitão e também sobreviveu ao episódio. A mãe e os sete irmãos de Walderez estavam em Maceió, onde moravam, quando o ataque alemão aconteceu.

“Era 10h50 da manhã, perto da hora do almoço,e eu estava junto da bomba d’água, brincando com uma vassoura que meu pai tinha improvisado para mim, quando ouvi um apito muito forte e vi uma fumaça. Alguém me colocou em uma caixa e pediu que eu não soltasse. Meu pai afundou junto com os fios da telegrafia, mas conseguiu subir e foi resgatado com uma fratura na bacia. Ele foi socorrido antes de mim, então, achou que eu estava morta. Fiquei sozinha no mundo e me levaram para a casa do prefeito”, relata Walderez, destacando ter nascido no mesmo dia do genitor, 22 de novembro.

“Eu sempre gostei muito do meu pai. Para todos os lugares ele me levava. Ele era para mim um prêmio sem preço”, completa. Octávio de Barros Cavalcante, mesmo após o naufrágio, continuou trabalhando como marinheiro, profissão na qual se aposentou. Ele morreu aos 86 anos.

Assim como a relação com o pai, Walderez nutriu, a vida inteira, um sentimento diferenciado pelo mar. Não só pela ligação de sobrevivência que tem com ele, mas também por tudo o que viveu morando em Alagoas. Os avós dela, por exemplo, residiam em Paripueira, de frente para o mar, quando o local nem era cidade ainda.

Hoje, com a saúde debilitada e com dificuldade de locomoção, é do mar que ela sente mais falta. “Sempre tive uma relação com o mar muito profunda e eu considero que ele é como se fosse a minha casa. Sinto muita saudade de ir à praia”, conta.



					Walderez: a alagoana que sobreviveu ao ataque alemão e escapou da morte dentro de uma caixa de Leite Moça
Walderez Moura sobreviveu a naufrágio após ter sido colocada dentro de uma caixa. Ailton Cruz

História

Segurando um livro raro, datado de 1943, dona Walderez mostra, com cuidado, algumas imagens registradas após o ataque alemão. São inúmeros corpos sem vida jogados na areia. Vítimas de todas as idades, que não tiveram a mesma sorte que ela e o pai.

A edição, elaborada a partir dos relatos dos sobreviventes, traz, inclusive, um texto escrito à mão pelo pai dela, e uma foto de quando os dois se reencontraram no hospital. A obra ficou guardada a sete chaves por muitos anos e é uma edição que ajuda a contar um pouco da história não só da família da alagoana, mas do Brasil na época da guerra, completando as lacunas deixadas pelo relato de Walderez, que já não tem mais tanta firmeza e nem certeza nas palavras.

A história da sobrevivente do naufrágio hoje é de domínio público. A Nestlé e a Marinha, por exemplo, reconhecem o fato e a importância dele para a história.



					Walderez: a alagoana que sobreviveu ao ataque alemão e escapou da morte dentro de uma caixa de Leite Moça
Nestlé reconhece veracidade dos fatos narrados pela alagoana.

O capitão dos Portos, Rodrigo Garcia, conta que esteve, na semana passada, na casa da dona Walderez, onde, juntos, puderam rememorar a história dela. “É uma história que tem uma ligação muito próxima com a Marinha porque ela estava embarcada no Itagiba e esse navio foi torpedeado por um submarino alemão, em plena Segunda Guerra Mundial, e ela foi resgatada por um navio da Marinha, chamado Aragipe. É uma heroína”, ressaltou.

Redação com Gazeta Web

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