Por Carlos Nealdo / Agência Alagoas
Em 1989, a noviça Rozileide Francelina dos Santos, então com 19 anos, decidiu trocar o hábito pelo uniforme da Polícia Militar de Alagoas, ao tomar conhecimento do primeiro concurso que a corporação faria para a formação de praças destinada a mulheres. Vinda de uma família pobre do município de Santana do Ipanema, no Sertão alagoano, Rozileide via no ingresso à corporação a possibilidade de se estabilizar financeiramente.
Naquela época, restava aos poucos mais de 36 mil habitantes do município – segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – trabalhar no comércio ou ensinar. E ela não queria nem uma coisa, nem outra. “Eu precisava de algo que me desse estabilidade”, relembra ela, que na época nem sabia o que significava estabilidade.
Feita a escolha, era a hora de comunicar a decisão à família, que não recebeu a notícia como Rozileide gostaria. “Não foi visto com bons olhos. Uma mulher policial [naquela época, para eles] era absurdo. Disseram que eu iria ser amante dos policiais e que era coisa de mulher perdida”.
Apesar de se sentir magoada, ela deixou o convento Nossa Senhora da Conceição, no Recife (PE), e fez a inscrição no concurso, no qual foi aprovada. Curiosa desde pequena em relação às mulheres que deixaram marcas de ousadia e bravura, ela tomou conhecimento da história de Maria Quitéria de Jesus – a primeira mulher a fazer parte do Exército Brasileiro, disfarçada de homem, para lutar na Guerra da Independência – ainda criança, nos bancos escolares.
“No período do curso de formação de soldados, em várias situações me vinha à memória a história de bravura de Maria Quitéria. Assim como ela, eu perdi a minha mãe e busquei ser uma brava guerreira, o que para época era tido como audácia para uma mulher”, conta.
A história de Rozileide Francelina dos Santos é uma das 35 resgatadas pela jornalista e cabo da Polícia Militar de Alagoas Fernanda Alves Calheiros, em sua dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Intitulado “Memória e Arquivo: um estudo sobre a inserção da mulher na Polícia Militar de Alagoas”, o estudo foi apresentado no dia 23 de agosto e aprovado com indicação de publicação pela banca examinadora.
Nele, a jornalista e agora mestra foca na história das primeiras 35 mulheres que ingressaram no primeiro Curso de Formação de Soldados Femininos da PM alagoana, realizado em 1989. Dois anos antes, a Polícia Militar de Alagoas já havia instituído, por meio da Lei nº 4.877, a Companhia de Polícia Feminina, cujas primeiras três cadetes seriam incorporadas um ano depois. “Essas mulheres foram enviadas para formação nas Academias de Polícia Militar de Pernambuco e Minas Gerais, porque Alagoas não tinha academia de polícia na época”, lembra.
O trabalho de Fernanda Alves, no entanto, se concentra na história das praças, cuja turma levaria o nome de Maria Quitéria de Jesus, em homenagem à heroína brasileira. Durante meses, a jornalista esquadrinhou os arquivos da Polícia Militar de Alagoas, analisando fichas das pioneiras, além de realizar entrevistas com boa parte delas e consultar documentos no Arquivo Público e Biblioteca Pública Graciliano Ramos, em Maceió. O resultado é pura história.
Redação com Agência Alagoas