Centenas de refugiados sírios na França se reuniram na Praça da República, no centro de Paris, para celebrar a vitória contra o regime, com amigos ou familiares que se juntaram de forma espontânea para exprimir a alegria pelo momento histórico.
Para muitos deles, a “esperança vem acompanhada da angústia” da espera dos próximos dias e semanas. Para outros, o importante é manter viva a memória das prisões sírias, símbolos dos piores abusos de Bashar al-Assad.
“Estou respirando pela primeira vez em muito tempo, é um dia especial”, confidenciou uma estudante durantes as manifestações em Paris. “Esta é a primeira vez que podemos dizer ‘Assad foi embora’”, declarou uma síria que acompanhava a manifestação. “Não tenho como descrever esse dia. Pela primeira vez, podemos dizer ‘Assad não nos governa’. A família de Assad já não está mais no poder”, comemoravam os sírios no centro da capital francesa.
“Pensei que nunca veria esse dia chegar”
O chefe de redação do Syria Report e investigador associado do Conselho Europeu de Relações Externas (ECFR), Jihad Yazigi, reagiu com espanto à queda do ditador sírio Bashar al-Assad. “Hoje, podemos ver a esperança renascer, mesmo que haja muitas preocupações. A queda de Bashar al-Assad é o melhor dia dos últimos 13 anos”, afirmou em entrevista à RFI nesta segunda-feira (9). “Eu pensei que nunca veria esse dia”, confessa.
De acordo com ele, há também angústia pelo que pode vir pela frente.“Muitos amigos meus desapareceram, muitos ainda esperam entes queridos saírem da prisão, mas não sabem se estão mortos, em outro lugar ou foram enterrados pelo regime”, conta Yazigi.
Relembrar as torturas do regime Assad
O cartunista Najah Albukai é refugiado político e autor do livro “Tous témoins” (“Todas as testemunhas”, em tradução livre). Ele descreveu à RFI o terror que presenciou quando foi capturado várias vezes pelas forças de Damasco entre 2012 e 2015, acusado de envolvimento em manifestações contra o regime e, posteriormente, acusado por apologia ao terrorismo. Ele conta que sofreu violência física e que ficou detido em celas que chegavam a comportar “80 pessoas dentro de espaços que nem chegavam a 10 metros quadrados”.
“Os interrogatórios eram feitos em locais onde havia marcas dos golpes, de sangue, pessoas eletrificadas. Cada vez que saíamos do corredor víamos pessoas penduradas pelas mãos, sendo torturadas (…) Na saída, eu via cadáveres de prisioneiros mortos pelas torturas ou pelas péssimas condições sanitárias”, detalhou Najah Albukai.
O cartunista revelou que os prisioneiros sobreviventes eram obrigados a transportar corpos para valas comuns. “O primeiro corpo que carreguei tinha o número 5.535”, escrito a caneta, se recorda. “Mais do que o regime, ele (Assad) construiu muitas prisões e jamais imaginou que milhões de pessoas se manifestariam contra ele”, conclui o cartunista.
Sírios na Europa querem visitar seu país
Mesmo que não saibam nada sobre o futuro que os espera, muitos sírios dizem agora que querem regressar ao seu país para ajudar a reconstruí-lo.
“É um momento de alegria, medo, ansiedade e a certeza de que há esperança, a esperança de construir uma Síria democrática”, declarou Rudi, presidente da União dos Estudantes Exilados, no domingo, em Paris.
A Alemanha acolheu um milhão de refugiados sírios desde 2015, quando Angela Merkel abriu as suas fronteiras. Milhares deles também mostraram a sua alegria este domingo com a notícia da queda de Bashar, em todo o país. Em Kreuzberg, no centro de Berlim, uma manifestação espontânea reuniu milhares de pessoas. Dezenas de carros, com as capotas cobertas com as cores da Síria percorreram as ruas da cidade, saudados pela multidão.
Sabah e as suas amigas conduziam com as janelas abertas, os cabelos ao vento, cantando a plenos pulmões. “Não, eles não são islâmicos, é apenas a população que está contra Assad! E a mídia alemã está apresentando isso como se fossem soldados islâmicos…”, disse.
“Dois de nossos primos, que pensávamos estarem mortos há doze anos, hoje encontramos seus nomes em uma lista de pessoas vivas que acabaram de ser libertadas da prisão”, relatou um homem na multidão.
Na capital grega, várias centenas de sírios também foram à Praça Syntagma para comemorar. Mas, embora o clima fosse de júbilo, alguns sírios estavam mais uma vez se perguntando sobre o futuro político de seu país, preferindo ser cautelosos antes de considerar um retorno imediato.
Foi em grego que um idoso sírio, vestindo um terno azul antigo, deu início às festividades. No entanto, na praça central de Atenas, assim como em Paris, foram principalmente homens jovens que cantaram e dançaram para celebrar com os conterrâneos.
Leia tambémVeja reações pelo mundo à queda de Bashar al-Assad na Síria
Maram, uma aluna do ensino médio, vive com sua família na Grécia há sete anos. “Estamos extremamente felizes com o que está acontecendo na Síria”, disse ela. “Nosso país nos foi devolvido e as coisas estão finalmente melhorando. Ninguém quer viver em um país em guerra”, confidenciou.
Abdulrahman Al Diab, 40 anos, é acima de tudo um realista: “Eu sonho com isso, mas estou me perguntando se é o momento certo para voltar à Síria. No momento, há diferentes grupos de oposição por toda parte em Damasco, Aleppo, Hama e Homs. Nos próximos dias, quando todos estiverem pedindo a libertação do país, temo que esses diferentes grupos lutem entre si pelo poder”.
Os manifestantes de toda a Europa sabem que a estabilidade da nova Síria ainda está longe de ser garantida. Mas, por enquanto, é hora de comemorar.
“Minha mãe está livre pela primeira vez em sua vida. Ao telefone, ela me disse: ‘Meu filho, eu quero vê-lo novamente, quero que você volte para casa!’ Já se passaram 13 anos desde que deixei meu país, declarou Malik Al-Zaraï, 31 anos, morador da Grécia e natural de Damasco.
Fonte: RFI