Anadia/AL

26 de outubro de 2024

Anadia/AL, 26 de outubro de 2024

A violência doméstica contra os homens e o silêncio social e jurídico

"É preciso ter outro olhar para as leis que tratam da violência doméstica, pois, omitir-se à frente de injustiças, também é praticá-la" | 12:04 hs

ABN - Alagoas Brasil Noticias

Em 20 de julho de 2024

Amo Direito

Por: José Rosa Neto

Em nosso país o fenômeno da violência doméstica parece afetar somente as mulheres. É verdade que a violência contra elas representa a maioria dos casos. Entretanto, é mais que evidente que a tal violência existe também contra os homens, sendo que neste caso ela ocorre de forma distinta da violência contra a mulher. Para se entender melhor é preciso que se veja a violência no sentido amplo, ou seja, que ela nem sempre está associada a agressões físicas, mas na maioria das vezes a ofensas verbais, ameaças, humilhações, depreciações, dentre outras. Dentre os crimes mais comuns contra o sexo masculino no âmbito familiar, envolvem tapas, beliscões, socos, arremessos de objetos, tesouras, facas, além de xingamentos ou acusações, que acabam por causar sofrimento físico e psicológico.

Há que ressaltar que quando o crime ocorre contra a mulher, além da divulgação e grande promoção da mídia, existem vários institutos de proteção, seja para violência física, seja para a psicológica, além da criação de lei específica para protegê-la.

No caso da violência doméstica contra o homem, o seu silêncio faz com a violência pareça não existir. Inclusive, já se tem conhecimento de que é por motivo de constrangimento, vergonha ou medo de ser ridicularizado que ele, mesmo sofrendo agressões físicas leves ou graves de sua companheira, prefere não conversar com ninguém a respeito, e nem mesmo procurar ajuda das autoridades competentes. Caso muito comum, por exemplo, é a pressão emocional que os homens sofrem num processo de separação judicial, devido ao medo de perderem o contato com os filhos.

É importante deixar claro que não há intenção de confronto com os alarmantes números de violência doméstica sofrida pelas mulheres. Apenas demonstrar que a violência contra os homens também existe; e que ela deve ser tratado pela sociedade e pela justiça com o mesmo rigor com que se trata a violência contra a mulher. Ora, não se concebe ser regra em um país democrático de direito uma proteção jurídica motivada pelo gênero, por maior que sejam as circunstâncias. Não pode o magistrado ficar fazendo julgamento baseado na letra da lei, uma vez que o assunto, além de relevante, vai além da esfera penal, envolvendo direitos humanos, justiça e sentimentos familiares.

1. Da mudança de comportamento e o silêncio dos homens

É fato que o espaço ocupado pelas mulheres no mercado de trabalho na atualidade é muito grande. Hoje elas comandam suas casas, são chefes de família, têm várias pessoas sob sua dependência, tendo as mesmas funções que outrora era exclusiva dos homens. Por outro lado, com a escassez de emprego, muitos homens ficaram fora do mercado de trabalho, dependendo da mulher para o sustento da casa. Assim, diante dessas dificuldades e pelo seu próprio subjetivismo, acabam por se sentirem fragilizados diante da sua companheira, a qual muitas vezes os submete a agressões psicológicas e até físicas. Por ser considerado o sexo forte, o homem por vergonha da família, de vizinhos, amigos e até da polícia e justiça, não denunciam. Exatamente como acontecia com a mulher no passado: a vítima fica oculta e a agressora permanece impune.

Situação interessante ocorre quando dentro de determinada família a filha é agredida pelo pai ou pela mãe. Imediatamente há incidência da lei Maria da Penha, com todo o rigor que lhe é peculiar. Porém, se quem sofrer a agressão for o filho, ignora-se o fato, quando muito há transação penal, o que traz grande transtorno ao jovem, que se sente emocionalmente aviltado. Isso demonstra evidente afronta ao princípio da isonomia previsto no artigo  da Constituição Federal. Desconsideram que em ambos os casos, o agressor (a) fragiliza o agredido (a), independente do gênero.

Assim, no nosso país falar em violência doméstica é ter tacitamente o agressor como sendo o homem. É verdade que as pesquisas mostram sempre dados elevadíssimos de agressões físicas e psicológicas contra elas. Porém, já se sabe, também, que esses dados acontecem justamente devido ao silêncio dos homens, que quando agredidos, silenciam, o que dá azo a uma estatística equivocada.

Segundo Sara Próton, “o stress diário decorrente de humilhações e agressões psicológicas e verbais aliados a outros fatores, potencializam o desequilíbrio emocional do homem”. O silêncio social retira a fala da vítima, que é obrigada a permanecer calada por vergonha, medo de ser ridicularizado. Entretanto, na teoria existe a chamada “simetria entre os sexos”, que diz que as mulheres comentem violência doméstica numa frequência idêntica a dos homens.

Infelizmente nossa sociedade faz uma mistificação de que toda violência doméstica é sofrida por mulheres, quando na verdade os institutos da violência doméstica geral é totalmente diferente da violência doméstica contra a mulher, sendo o primeiro disciplinado pela Lei 10.886/2004 e o segundo pela Lei 11.340/2006.

2. Da desigualdade de tratamento jurídico-social

Numa análise jurídica pode se ver as contradições entre alguns dispositivos de proteção a violência doméstica e a família existente em nosso país. Assim, enquanto o artigo 226§ 8º da Constituição Federal faz referência a proteção da família no sentido amplo, coibindo a violência no âmbito das relações familiares, a Lei Maria da Penha destina-se tão somente as mulheres. Desta forma, ao criar o instituto da violência doméstica, a lei, em abstrato, não tinha a pretensão de restringi-la somente à mulher, sendo bem mais amplo a sua aplicabilidade. Nesse sentido, aduz Mirabete (2011), que “a violência doméstica é historicamente tratada como violência de gênero, ou seja, não se considera o intuito do legislador em proteger a pessoa no âmbito familiar, independente do sexo”.

O fato de a violência sofrida pela mulher ser mais difundida faz pensar que inexiste a violência contra os homens. Diferente de outros países como o Reino unido e Portugal, o Brasil nem sequer faz pesquisas ou estatísticas de registros a respeito da violência contra os homens. Na maioria das vezes encara-se a violência da mulher como não causadora de dano, nem físico, nem psicológico.

Ora, não se pode afirmar que a mulher seja a única vítima real ou potencial na violência doméstica ou mesmo em qualquer relacionamento íntimo. Quando não se estende a aplicação da Lei Maria da Penha aos homens, há uma evidente negativa de direitos humanos. Aliás, para a doutrina o homem pode ser vítima de violência doméstica, haja vista a previsão do artigo o artigo 129§ 9º, do Código Penal, que trata da violência doméstica e que não faz diferenciação de sexo. O que eles não alcançam são as medidas de assistência e proteção da lei Maria da Penha.

A sociedade culturalmente aceita os atos de violência feminina sob argumento de que em geral não são físicas; o que não constitui uma verdade. Nesse sentido, Cesare Lombroso aduz que no universo feminino existem as criminosas natas, as criminosas por ocasião (são dissimuladas) e as criminosas por paixão. Para Durkeim, a educação dada às mulheres pelos pais e professores, por ser mais gentil que para os homens, permite a elas carta branca para exagerar seus sentimentos, emoções e reações, inclusive criminosas (ALMEIDA, 2001).

O tabu sobre a violência contra os homens é tão grande que o silencio social e jurídico não é quebrado nem com a sua morte. Nem sequer vislumbra-se uma provável motivação por conflitos domésticos cotidianos, como nos casos de suicídios de policiais que vem aumentando substancialmente em nosso país.

A Fundação Oswaldo Cruz/RJ, realizou um estudo sobre agressões no namoro entre 3200 estudantes de escolas públicas e particulares. Concluíram que nove em cada dez adolescentes praticam ou sofrem violência no namoro, em que a maioria das agressões vinham das meninas (30%) e a minoria dos meninos (17%). O Reino unido foi um dos primeiros a investigar os abusos sexuais cometidos por mulheres contra homens em 2017 e constatou que 80% dos homens nunca contou o ocorrido pra ninguém. O Brasil nunca fez uma estatística sobre esse tipo de agressão, entretanto realizou um questionário no google forms com a participação de 833 homens em 2018, onde 63,6% afirmaram já terem sofrido algum tipo de violência de suas companheiras.

3. Da proteção jurídica do homem no crime de violência doméstica

É preciso ter outro olhar para as nossas leis que tratam da violência doméstica e familiar, já que tanto homens quanto mulheres podem ser vítimas de tais violências. Não há que se fazer diferenciação do sujeito passivo priorizado a mulher em detrimento do homem.

Em defesa mulher, promovem-se seminários, congressos, além de inúmeras políticas públicas. No âmbito jurídico a proteção é melhor ainda. A começar pela Lei 10.886/2004, que é conhecida pela lei da “violência doméstica”; em seguida vem a Lei 11.340/06, denominada por Lei Maria da Penha; e, atualmente o artigo 147-B, introduzido pela Lei 14.188/2021, que trata da violência psicológica contra a mulher.

Acresce-se a isso o fato de que a palavra da vítima mulher na maioria dos casos (como ocorre nos crimes sexuais), por si só, basta para o convencimento do Juiz, tendo grande valor probatório; o que possibilita, em tese, a ocorrência de um grande número de denúncias falsas baseadas em vingança.

No caso da proteção para os homens as leis são muito mais tímidas, podendo apenas lançar mão da lei da violência doméstica (Lei 10.886/2004), válida tanto para o homem quanto para a mulher. Assim, se ele for agredido poderá fazer uso do artigo 129§ 9º do Código Penal, o qual estabelece pena de detenção de 3 (três) meses a 3 (três) anos para a agressora. No caso de serem vítimas de agressões e ameaças, e precisarem de medidas protetivas, visando o afastamento da agressora, deverão requerer as medidas cautelares do artigo 319, incisos II e III do código de Processo Penalin verbis:

Art. 319: São medidas cautelares diversos da prisão:

II-proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstancias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar risco de novas infrações;

III-proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstancias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou o acusado dela permanecer distante.

Atualmente a jurisprudência, frente a vulnerabilidade da vítima e independente do gênero, vem aplicando a Lei Maria da Penha por analogia. Destarte, tem-se o caso em que o Juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, do Juizado Especial Criminal de Cuiabá, que aplicando por analogia a Lei Maria da Penha, acatou os pedidos do autor da ação, pois este disse sofrer agressões físicas, psicológicas e financeiras por parte da ex mulher. Assim, o Juiz determinou como medida protetiva, que a agressora permanecesse pelo menos 500 metros de distância do agredido. Noutro caso, também em São Paulo, no julgamento de uma relação homo afetivo, o juiz determinou como medida protetiva que o agressor mantivesse distância mínima de 250 metros de seu companheiro. Também envolvendo um casal homossexual, no Estado de São Paulo, foi usada a Lei Maria da Penha para punir um dos parceiros da relação (Estadão, 2011).

Considerações finais

Vimos que tanto os homens quantos as mulheres podem ser vítimas de violência doméstica e familiar. Vimos também que na prática o tratamento jurídico dado ao homem na condição de vítima de agressões femininas ainda é muito deficiente, e que em que pese a violência contra a mulher ser demasiadamente grande, também existe a violência das mulheres contra os homens, seja física ou psicológica, mas que devido ao seu silêncio e falta de políticas públicas de proteção, essas violências ficam esquecidas.

É necessário que o Brasil adote medidas rigorosas contra a violência doméstica, entretanto, sem diferenciação de gênero. Ora, se todos somos iguais perante a lei, não há como se aceitar diferenciações em sua aplicabilidade, sob o argumento de que essa igualdade é somente formal e que a mulher é um sexo frágil, adotando política de ações afirmativas. É preciso tratar a violência doméstica como resultado da interação de ambas as partes na relação, e não com a mentalidade baseada em teorias das políticas ideológicas. Entender que ambos são possíveis agressores e vítimas, rechaçando leis sexistas que atendam somente a mulher como vítima. É preciso ver a relação homem e mulher com os olhos do direito, da justiça e da igualdade.

Referências Bibliográficas

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. Ed.23. São Paulo: Saraiva, 2008.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal vol 2. ed.14. São Paulo: Saraiva, 2014.

GOMES, Luiz Flávio. Violência “Machista’ da mulher e a Lei Maria da Penha: A mulher bate em homem e em outra mulher. Fonte: Ifg.com: Disponível em: http://wwwIfg.com.br. Acesso em 07/07/2021

GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. ed. 14. Rio de Janeiro: Impetus, 2020.

PRÓTON, Sara. O silêncio Social e Jurídico na violência afetiva contra a mulher. Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/violencia-afetiva-contra-homens/. Acesso em 06 de jul de 2021.

Disponível em:

1.:<https://tiagosaraiva7.jusbrasil.com.br/artigos/117000469/aspectos-sociaisejuridicos-da-violencia-domestica-contraohomem/>Acesso em 06 de jul de 2021.

2.<https://www.conjur.com.br/2021-jul-29/tripode-silencio-sociedade-violencia-homens> Acesso em: 06 de jul de 2021.

José Rosa Neto

Mestre em Ciências jurídicas; doutorando em Ciências jurídicas; Especialista em Segurança Pública; Professor Direito Penal/Processo Penal; PCERJ e Palestrante.

*Redação com Jus Brasil

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