Confessar-se! Etimologicamente, admitir com intensidade a própria culpa, reconhecer-se equivocado. Uma ação de valor dúbio. Para alguns, sinal de fraqueza: afinal, quem gosta de admitir que está errado? Para outros, um ato sincero de coragem genuína: a humildade de reconhecer em si as fraquezas é que permite o progresso, qualquer que seja a intenção.
Mas no campo espiritual, confissão não é apenas uma palavra de múltiplos sentidos ou aferição de valores. É sacramento da penitência; é sinal visível de uma graça invisível; é ação salvífica de Deus que opera em mistério através do sacerdote e do penitente. Para entender o que se esconde espiritualmente neste sacramento, é preciso percorrer o caminho, que tem como ponto de partida a misericórdia divina e a sua instituição sacramental no Novo Testamento.
Instituição do sacramento da Penitência
Em primeiro lugar, precisamos entender o que significa sacramento. Sabendo que se aproximava a sua Paixão, quis Jesus prometer algo extremamente significativo e poderoso àqueles que o seguissem: “não vos deixarei órfãos!” (Jo 14,18). Em outra narração do Evangelho, dessa vez em Lucas, após a sua Ressurreição, voltou a afirmar: “Eu estarei convosco sempre até o fim dos tempos” (Mt 28,20). Cristo permanece no mundo pela ação do Espírito na Igreja, mas também pelos sacramentos. Como afirma Santo Tomás de Aquino, os sacramentos são instrumentos nas mãos de Deus para nossa salvação.
Mas onde se encontram as origens da Reconciliação? Já no Antigo Testamento, há uma variedade intensa de textos em que se demonstra o poder da misericórdia divina que se manifesta nas ações de salvação que se realizam em favor de Israel e em favor da conversão do povo eleito, numa relação íntima de um Criador que ama sem limites a sua criação. Também na vida missionária de Jesus sua pregação está diretamente relacionada à conversão dos pecadores e ao perdão gratuito que o Pai deseja os dar.
Porém, quando falamos na instituição dos sacramentos da nova lei (cf. Catecismo 1210), precisamos ir ao Novo Testamento, afinal é Cristo que os institui. Vamos, então, outra vez ao Evangelho de João. No capítulo 20, versículos 22 e 23, o Ressuscitado fala aos discípulos: “Recebei o Espírito Santo! Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos”.
Ao ler esses versículos algo se torna claro: Jesus, que tem o poder soberano do perdão, confere a mesma graça aos seus apóstolos, para que eles apliquem a eficácia da misericórdia àqueles que estiverem arrependidos dos seus pecados. Ou seja, é Deus que continua sempre disposto ao perdão da humanidade, como bem nos recorda o Papa Francisco! Mas esse perdão se torna um ato mediado pela presença de um ministro da misericórdia que acolhe e direciona o penitente a um caminho de mudança de vida.
O desenvolvimento do sacramento
Cristo instituiu o sacramento da penitência, ainda que não tenha usado a palavra “sacramento” ou que não tenha definido como confessar-se, da forma como hoje conhecemos. Isso só foi se desenvolvendo ao longo da história da Igreja, desde os primórdios das comunidades pós-pascais até os dias de hoje.
Com o passar dos anos, na história da Igreja foi amadurecendo a compreensão do sentido teológico da penitência, e, consequentemente, a forma como viver essa presença visível de uma ação invisível de Deus. Porém, a origem e a eficácia não sofreram sequer um arranhão.
O sacramento da reconciliação, como também é conhecido, era feito de maneira bem diferente de hoje. Se alguém caísse em falta grave depois do Batismo, precisava fazer penitência pública pelos pecados e penitência que poderia durar anos antes que fosse concedido o perdão. Apenas a partir do séc. VII é que entrou em prática a confissão particular, secreta e privada. Assim sendo, o crente pode confessar-se com frequência. O Concílio de Latrão (1215) impôs a todos os fieis o dever de confessar-se ao menos uma vez por ano.
Por que confessar-se?
Os Padres da Igreja gostam de chamá-lo de “segunda tábua da salvação depois do naufrágio”: o primeiro salvamento veio com o batismo, que nos livra da desgraça; a penitência nos dá uma nova chance de salvação! A confissão é uma penitência pós-batismal. Por isso, é chamada de irmã do batismo, em que somos curados na nossa dignidade filial perdida sob os escombros do pecado que, voluntariamente, aceitamos cometer. No sacramento da Penitência, faz-se como o filho pródigo da parábola de Lucas: tocados em nossa consciência pela graça do Espírito Santo, retoma-se o caminho de volta na esperança de alcançar misericórdia nos braços do Deus de amor, a quem chamamos de Pai.
A Igreja nos ensina que a força presente na Penitência reconstitui em nós a graça de Deus e nos une com máxima amizade (cf. Catecismo 1468). Este sacramento nos reconcilia com a Igreja curando a quebra de comunhão causada pelo pecado. A Penitência traz mais uma vez a vida de Deus a cada fiel que, em sua inconstância humana, peca!
Exatamente porque todos pecamos, precisamos continuamente retornar ao único tribunal da história humana em que mesmo ao declarar-se culpado se é perdoado de suas faltas. Ir até a confissão significa ir ao encontro da misericórdia de Deus que sempre nos acolhe e que sempre nos convida a uma conversão autêntica, a uma mudança de vida. Não se trata apenas de um alívio na consciência humana ou uma espécie de “passaporte” que nos permite viver os outros sacramentos. Não! É um reconhecer-se necessitado do perdão de Deus, motivado por um desejo sincero de mudar de vida!
George Lima
Seminarista da Com. Canção Nova
*Redação com Santuário. Canção Nova