
Por: Simone Machado
O câncer de mama é o tipo mais comum entre as mulheres e neste ano o Brasil deve registrar 73.610 novos casos, segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer). Apesar dos avanços no diagnóstico e no tratamento, só em 2024 mais de 20 mil mulheres morreram por causa da doença.
Embora a maioria dos casos surja de maneira esporádica, ou seja, sem relação com fatores hereditários, entre 5% e 10% têm origem genética. Isso significa que, em uma parcela das pessoas, o risco está relacionado às mutações herdadas que aumentam a predisposição ao desenvolvimento da doença.
Foi o caso da psicóloga Jéssica Mras Garcia, 33. Em 2023 ela descobriu que tinha uma mutação no gene BRCA2 que aumenta a chance de o organismo desenvolver tumores malignos, não só de mama, mas também de ovário e pâncreas.
A descoberta dessa mutação no gene ocorreu depois que a psicóloga fez um mapeamento genético, indicado por um oncologista. Na época, a mãe de Jéssica tratava de um câncer de ovário.
“Em 2021 minha mãe foi diagnosticada com câncer e ao longo do tratamento ela comentou com a médica que a minha avó tinha falecido de câncer de pâncreas havia alguns anos. Isso acendeu um alerta e fomos encaminhadas ao geneticista”, recorda Jéssica.
Ela e a mãe fizeram o mapeamento genético. O exame analisa o DNA em busca de alterações em genes específicos, permitindo identificar pessoas que possuem maior risco de desenvolver câncer de mama, mesmo antes de qualquer sinal da doença. A mutação no gene BRCA2 foi encontrada nas duas.
A herança genética e o risco aumentado
As mutações genéticas mais conhecidas associadas ao câncer de mama ocorrem nos genes BRCA1 e BRCA2 (siglas em inglês para gene do câncer de mama 1 e gene do câncer de mama 2). Eles são responsáveis pela reparação de danos no DNA das células. Quando sofrem mutações, perdem parcialmente essa capacidade de proteção, o que aumenta as chances de o organismo desenvolver tumores malignos não só de mama, mas também de ovário, pâncreas e próstata.
Mulheres com mutação no BRCA1 têm de 60% a 80% de risco de desenvolver câncer de mama até os 70 anos, enquanto aquelas com mutação no BRCA2 apresentam risco de 40% a 70%.
Mastectomia preventiva
Como a mutação do gene BRCA2 foi identificada em Jéssica, ela foi aconselhada a passar por uma mastectomia bilateral redutora de risco, ou seja, a retirada das duas mamas como forma de prevenir um eventual câncer.
“Na hora que recebi o resultado e que me falaram dessa cirurgia, eu não tive dúvidas, tinha certeza que era isso que eu ia fazer. Eu vi todo o processo de tratamento do câncer da minha mãe e não queria passar por aquilo também”, diz.
Jéssica fez a cirurgia em agosto do ano passado. Segundo ela, as mamas foram encaminhadas para análise e foi constatada a formação de células atípicas, o que significa que ela provavelmente teria câncer de mama em um curto espaço de tempo.
“Nós mulheres sabemos como o seio é importante. Me ver sem peito por um tempo foi bem estranho e assustador. Depois passei por todo o processo de reconstrução mamária, que também é bem complicado e complexo. Mas hoje estou bem e sei que foi a melhor decisão que eu poderia tomar”, diz.
Quando o mapeamento é indicado
O mapeamento genético não é um exame de rotina. Ele é recomendado, segundo a SBGM (Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica), para pessoas com histórico familiar de câncer de mama em parentes de primeiro grau; para pacientes que tiveram tumores bilaterais ou múltiplos casos de câncer de mama e ovário na família; ou ainda quando uma mulher já diagnosticada com câncer apresenta características suspeitas.
“É importante salientar que quem tem que fazer o teste genético são pessoas que têm o histórico da família já testado e os familiares de pessoas que sabidamente carregam esses genes com mutação, como irmãos, pai, mãe e filhos. E todas as meninas e mulheres que tiveram câncer de mama abaixo dos 65 anos e todos os homens que tiveram câncer de mama”, ressalta Fernando Zamprogno, coordenador de Oncologia do Grupo Kora Saúde.
O mapeamento genético é feito com uma amostra de sangue ou saliva, que é enviada a um laboratório especializado. A partir desse material, os profissionais analisam o DNA para verificar a presença de mutações patogênicas conhecidas.
“Se for uma coleta de sangue, o paciente não precisa de jejum. Já a saliva requer que o paciente não tenha ingerido nem água, nem nenhum tipo de alimento nos últimos 30 minutos. Ou seja, é muito simples essa coleta para o teste genético”, explica Allyne Queiroz Cagnacci, oncogeneticista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
O resultado pode levar de três a oito semanas, dependendo da complexidade do painel genético utilizado.
A predisposição genética para câncer de mama não escolhe sexo. Tanto os homens quanto as mulheres podem ter alterações que aumentam o risco de desenvolver a doença e devem, portanto, realizar o teste genético.
“Se um homem tiver o diagnóstico de câncer de mama, é importantíssimo que ele faça a testagem genética para ver se ele está desenvolvendo essa doença por um fator hereditário”, explica Maira Caleffi, mastologista e presidente voluntária da Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama). “Isso pode ser muito importante para o resto da família dele saber, tanto irmãs, quanto filhas e filhos, para que eles possam receber acompanhamento médico.”
Acesso e limitações no SUS
Embora o mapeamento genético seja uma ferramenta poderosa de prevenção ao câncer de mama e outros tipos, o acesso ainda é desigual no Brasil.
Na rede privada, o custo de um exame pode variar entre R$ 1,6 mil e R$ 4 mil, dependendo do tipo de painel genético solicitado. Já no SUS (Sistema Único de Saúde), o teste está disponível em poucos centros de referência.
O estado de Goiás é pioneiro em oferecer o teste genético pelo SUS, e criou a lei 20.707 em 2020 para implementar em todo o estado a oferta do exame genético gratuitamente. O projeto é uma parceria da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás com a UFG (Universidade Federal de Goiás), que faz o sequenciamento no Cegh (Centro de Genética Humana).
Desde o início de 2024 até maio deste ano foram realizados 409 exames gratuitos, que identificaram 73 casos positivos em pacientes e familiares. Todas as pessoas diagnosticadas passaram a ser acompanhadas pelo SUS.
Outros estados como Rio de Janeiro e Minas Gerais também possuem legislações próprias para a oferta do teste genético para prevenção do câncer de mama.
Em setembro, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou o Projeto de Lei 5.181/2023, que garante o acesso a testes genéticos pelo SUS para mulheres com alto risco de desenvolver câncer de mama, ovário ou colorretal. A proposta será analisada pela Câmara dos Deputados.
Redação com Uol/ Viva Bem

















