Por Plinio Teodoro
Pivô do mais novo levante de Jair Bolsonaro (PL) para tentar anular a delação de Mauro Cid, o advogado Eduardo Kuntz tem um histórico de ações contra Alexandre de Moraes e é um dos principais interlocutores do governador Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) junto ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Filho de Christiano Kuntz – segundo Tenente da Reserva do Exército e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) -, Eduardo apresentou à corte nesta segunda-feira (16) uma ata notarial de 51 páginas revelando que foi ele quem trocou mensagens com o perfil @gabrielar702, atribuído a Gabriela Cid, esposa de Mauro Cid, e que teria sido usado pelo tenente coronel.
Além de revelar toda a troca de mensagens com o perfil, atribuído a Cid, a partir de 29 de janeiro de 2024, o advogado pede a anulação da delação do militar, que suspenderia todo o processo da quadrilha golpista de Bolsonaro.
“Assim sendo, com essa brevíssima introdução que pode e deve ser explorada com a leitura das mais de 50 páginas de conversas entabuladas e que integram a Minuta da Ata Notarial anexa às 143 (cento e quarenta e três) laudas do Auto de Investigação Defensiva Criminal, já é possível verificar que o malfadado acordo de colaboração premiada firmado com o TC Cid não pode e nem deve prosperar e, assim sendo, toda a sua prova dele derivada também deve ser imediatamente desconsiderada”, diz no documento.
Uma parte dos diálogos foi vazado e divulgado pela Veja em março de 2024. Uma outra parte das conversas estampou a capa da revista – que se aliou ao bolsonarismo – na última sexta-feira (13) – como “provas” de que Cid teria mentido.
No mesmo dia, Moraes autorizou nova busca e apreensão na casa de Cid e a Polícia Federal ouviu o militar. O ministro ainda determinou que a Meta, dona do Facebook e do Instagram, fornecesse os dados do usuário do perfil e todas as mensagens enviadas e recebidas pela conta nos últimos dois anos.
Atual advogado de Cid, que é citado nas conversas com Kuntz, Cezar Bitencourt afirmou que as mensagens vazadas à Veja seriam “uma miserável fake news”.
Na ata notarial endereçada a Moraes, Kuntz diz que foi Cid quem teria o procurado no dia 29 de Janeiro de 2024 para relatar que estaria sofrendo pressão para, na delação, embasar a linha investigativa da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República.
O perfil chegou a ser citado pelo advogado de Bolsonaro, Celso Villardi, que se dirigiu a Cid para “saber se ele fez uso em algum momento para falar de delação de um perfil no Instagram que não está no nome dele”. Cid negou. Ao final, Villardi voltou a dizer que “queria saber se ele nunca usou perfil de mídia social para falar com alguém”.
Três dias depois, a Veja estampou Cid na capa dizendo que ele teria mentido no depoimento ao STF e revelando novas trocas de mensagens com Kuntz. A “reportagem” embasou a narrativa do clã Bolsonaro e de membros da quadrilha golpista para pedir anulação da delação – e de toda investigação.
Histórico contra Moraes
Com ligação histórica com a direita paulista – herdada do pai Christiano, de quem é sócio em escritório de advocacia -, Eduardo Kuntz está no centro dos principais ataques contra Alexandre de Moraes nos últimos anos.
Kuntz atuou como advogado de Eduardo Tagliaferro, ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) – órgão subordinado à presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Nesse caso, o advogado fez a defesa na investigação sobre o vazamento misterioso do conteúdo do aparelho celular do ex-assessor de Moraes para o jornalista Glenn Greenwald e para a Folha, que resultou em uma série de reportagens para tentar desgastar o ministro do STF, considerado algoz do clã Bolsonaro.
Na ação em que pediu ainda a “nulidade de todos os atos praticados” por Moraes – incluindo a apreensão do celular de Tagliaferro -, Kuntz classificou o inquérito aberto a pedido do ministro como “chincana processual” e fez ataques diretos ao ministro.
“Essa verdadeira, em tese, ‘chicana processual’ possivelmente trata-se de uma clara tentativa de evitar que o feito saia de sua relatoria e seja mantido o seu ‘intocável poder’, pois, segundo a imprensa, há forte descontentamento, inclusive por parte dos demais Ministros desta E. Corte Suprema, quanto à absurda autuação e ‘autodistribuição ‘do inquérito pelo ministro arguido sobre fatos dos quais é diretamente interessado”, relatou.
Com ligações estreitas com Michel Temer (MDB), Eduardo Kuntz tem trânsito no meio militar e faz a defesa, entre outros, de dois ex-assessores alvos de inquéritos envolvendo Jair Bolsonaro (PL): o coronel do Exército Marcelo Câmara, membro da organização criminosa descrita no inquérito dos atos golpistas; e o capitão de corveta Marcela da Silva Vieira, que foi preso nas investigações sobre o furto de joias da Presidência.
Ambos atuaram juntamente com Cid e a ligação do tenente coronel com Câmara teria feito com que ele procurasse o advogado via redes sociais, segundo a versão dos bolsonaristas.
Chefe de gabinete adjunto de Documentação Histórica da Presidência – responsável, entre outros, pelas joias e presentes – durante o mandato de Bolsonaro, Marcelo Vieira foi nomeado para a função por Michel Temer (MDB) em 2017 e mantido por Bolsonaro no cargo.
Kuntz também atuou na defesa de outros bolsonaristas acusados de atuar na Organização Criminosa de Bolsonaro, como Tércio Arnaud, que comandou o Gabinete do Ódio, e Fabio Wajngarten, que se afastou do corpo de advogados do ex-presidente ao ser indiciado na quadrilha de furto de joias.
Segundo Malu Gaspar, em sua coluna no jornal O Globo no dia 18 de maio de 2024, a decisão de Moraes de soltar Câmara – braço direito do tenente-coronel Mauro Cid – se deu após Tarcísio, Temer e o comandante do Exército, Tomás Paiva, procurarem o ministro dizendo que ele “precisava começar a ‘calibrar’ suas decisões para diminuir os ataques a ele mesmo e ao Supremo por parte da extrema direita”.
A reunião para pressionar Moraes teria sido articulada justamente pelo advogado Eduardo Kuntz, pivô da nova narrativa bolsonarista para anular a delação de Cid.
Toda a pressão funcionou, e Moraes executou um recuo tático – que, além de operar uma guinada radical na posição do relator do caso Seif, também levou à soltura do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, no último dia 3 [de abril de 2024]”, diz a jornalista d’O Globo.
Ainda segundo Malu Gaspar, “a soltura de Câmara também entrou no ‘pacote’ que envolve a absolvição do senador Jorge Seif (PL-SC) no processo que julga a sua cassação no TSE.
“Em troca, o governador descartou nomear um desafeto de Moraes para comandar a Procuradoria-Geral do Estado e colocou no posto um procurador aprovado pelo ministro”, segue a jornalista, em referência à nomeação de Paulo Sergio Oliveira e Costa, ex-diretor da Escola Superior do MP-SP, para a Procuradoria-Geral do Estado. Terceiro na lista tríplice, o novo PGE teria forte ligação e foi indicado a Tarcísio por Moraes.
“Armação política”
Pivô das “denúncias” de Glenn e da Folha de S.Paulo contra Alexandre de Moraes em agosto de 2024, Tagliaferro afirmou que sua prisão em 9 de maio de 2023 por violência doméstica foi “armação política”.
Na ocasião, o celular dele foi apreendido ilegalmente pelo delegado José Luiz Antunes, que “disse havia chegado uma ordem do ministro Alexandre de Brasília, que esse telefone seria encaminhado a São Paulo e depois para Brasília'”. O aparelho, no entanto, nunca foi enviado a Brasília e, segundo Tagliaferro, teria sido manipulado nos seis dias em que passou sob a responsabilidade da Polícia paulista.
“A absoluta estranheza desde a apreensão em uma delegacia completamente diversa dos fatos inicias, sua forma desvinculada a qualquer decisão judicial, sua devolução sem respeito ao procedimento de deslacre na minha presença, uma certidão que demonstra que o conteúdo foi acessado e o fato de estar corrompido e impedir a migração dele para o aparelho novo não são mais do que suficientes? Me parece bastante lógico que alguém manipulou o aparelho durante os seis dias”, disse em entrevista ao Estadão.
Em uma das reportagens citada por Alexandre de Moraes na sentença – “Carla Zambelli e o celular de Tagliaferro, por onde teriam vazado as “denúncias” da Folha contra Moraes” -, a Fórum antecipou que as conversas foram vazadas do celular de Tagliaferro e que o aparelho ficou seis dias em posse da Polícia Civil comandada por Tarcísio de Freitas.
Outra questão levantada pela Fórum na reportagem é quem teria antecipado e fornecido fotos da prisão de Tagliaferro à deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP).
Antes de qualquer notícia na mídia, Carla Zambelli divulgou na rede X na manhã do dia 9 de maio que “o assessor de um homem poderoso no Brasil está na delegacia, porque tentou matar a esposa, dando vários tiros dentro de casa ontem à noite”.
“A imprensa está querendo esconder, mas já temos gente nossa na porta da delegacia, esperando ele sair. Mais tarde darei notícias”, diz a publicação da bolsonarista, claramente uma ilação em relação ao que de fato estava ocorrendo.
Às 9h03 do mesmo dia, Zambelli voltou à tona e publicou uma foto de Tagliaferro dentro do camburão, algemado.
“O xerife das fake News. A pergunta que não sei responder e já fiz um pedido de informações: ele ainda está trabalhando para o ministro Alexandre de Moraes?”, indagou a deputada nas redes, incitando a horda de seguidores contra o ministro do STF.
* Redação com Revista Fórum
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