Anadia/AL

6 de novembro de 2025

Anadia/AL, 6 de novembro de 2025

Wagner Moura faz seu melhor papel no espetacular ‘O Agente Secreto’

À frente da empreitada, Wagner Moura crava o que talvez seja a sua melhor interpretaçã

ABN - Alagoas Brasil Noticias

Em 5 de novembro de 2025

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Imagem: Vitrine

Por: Roberto Sadovski

Existe algo fascinante já na primeira cena de “O Agente Secreto”, filmaço do diretor Kleber Mendonça Filho. Em um posto de combustível de beira de estrada, Marcelo (Wagner Moura) abastece seu Fusca. Poucos metros à frente, um corpo estendido no chão e coberto com papelão espera alguma providência para sua remoção – o que, em pleno Carnaval, não será tão logo.

O absurdo do cenário estilo mundo cão, entrecortado por um certo senso de humor mordaz, logo cede a uma sensação perene de impotência e perigo quando uma viatura da polícia encosta. Não para tratar do defunto, mas para extorquir qualquer coisa – dinheiro, cigarro – do viajante cansado. O tom muda, a tensão é palpável, não dá para chacoalhar a paranoia. Este era o Brasil nos anos 1970. Este é só o começo da jornada de “O Agente Secreto”.

Este início, que já estava na cabeça de Kleber antes mesmo de ele escrever o roteiro, não só resume à perfeição a maneira que o filme será aos poucos desfraldado, mas também a absurda preocupação com detalhes, com desenvolvimento de personagens, com (re) criação de mundo. Cada personagem em “O Agente Secreto”, por menor que seja, é rabiscado com o mesmo cuidado, dirigido com a mesma precisão, interpretado com o mesmo afinco. É um assombro!

À frente da empreitada, Wagner Moura crava o que talvez seja a sua melhor interpretação. Voltando a trabalhar com sua língua nativa após mais de uma década em produções além das fronteiras, o ator baiano apresenta um trabalho mais contido e discreto, abraçando em seu cerne a realidade de um país então encurralado. Na generosidade de sua interpretação, todo o elenco encontra espaço para crescer e preencher o filme. O resultado são personagens já completos ao ser revelados.

Wagner Moura em 'O Agente Secreto'
           Imagem: Vitrine

“O Agente Secreto” mostra o retorno de Marcelo ao Recife com uma “missão” aparentemente simples: buscar seu filho, criado pelos avós por circunstâncias que o filme aos poucos deixa claras, obter novas identidades e deixar o país em exílio, decisão comum a muitos brasileiros ao longo dos anos de chumbo. O responsável por sua queda, um empresário desprezível como muitos que lucraram com a corrupção do regime militar, não tarda a colocar um preço em sua cabeça e despachar uma dupla de assassinos para realizar o serviço.

Em torno dessa trama, Kleber Mendonça consegue, de forma formidável, traduzir um sentimento. “O Agente Secreto” é um filme político, capaz de retratar o clima de opressão sem mencionar a palavra “ditadura” uma vez sequer. Longe de militares raivosos e dos porões da tortura, ele traz um tipo diferente de horror. O do cotidiano permeado pela paranoia, da vida expressada por palavras medidas, dos canalhas que prosperaram graças ao governo, das pessoas obrigadas a se esconder nas sombras por erguer a voz contra estes donos do poder. Não havia heróis, e sim pessoas comuns dispostas a atos extraordinários.

Nada disso, contudo, faz de “O Agente Secreto” um filme pesado ou sombrio. O roteiro inteligente contrasta o momento histórico sufocante com um Recife retratado com beleza – do Carnaval contagiante, do colorido das ruas, das pessoas que insistem em viver plenamente apesar das circunstâncias. É um sentimento percebido nos detalhes: um flerte na repartição pública em que Marcelo busca um fragmento de seu passado, a família de desgarrados no condomínio onde ele se abriga, a honestidade desconcertante de D. Sebastiana, síndica deste mesmo condomínio, interpretada pela espetacular Tânia Maria, MVP da produção.

Wagner Moura e a incomparável Tânia Maria em 'O Agente Secreto'
           Imagem: Vitrine

A reconstituição de uma época tão distante, mas que se faz tão presente, vai além do trabalho impecável de pesquisa, figurinos e direção de arte. “O Agente Secreto” é um filme com cheiro, com temperatura, toda uma atmosfera carregada por Kleber para um mundo de luz e som em que cada pedaço de cinema conta uma história. A impressão é que a produção foi rodada secretamente nos anos 1970 e somente agora revelada ao público.

Toda essa estrutura denuncia a evolução assombrosa do talento narrativo de Kleber. Se antes havia uma certa sensação de incompletude, mesmo em seus trabalhos mais festejados, aqui ela inexiste. Não há pontas soltas ou momentos de inchaço, e sim um cineasta em pleno domínio do ofício, ciente do peso da história que ele conduz, mas seguro o bastante para também se divertir com ela – o prêmio de direção em Cannes não foi ao acaso.

Essa certeza acerca da capilarização da trama – o filme traz saltos temporais no passado e no futuro costurados com precisão pela ótima montagem – abre espaço para “O Agente Secreto” materializar, por exemplo, a Perna Cabeluda, lenda urbana criada pelo jornalista e escritor Raimundo Carrero quando trabalhava no Diário de Pernambuco, usada, assim como outras criações absurdas ou mesmo receitas de bolo, para preencher as páginas do jornal quando notícias eram suprimidas pelos militares.

O diretor Kleber Mendonça Filho orienta Wagner Moura no set de 'O Agente Secreto'
          Imagem: Vitrine

No filme, a Perna Cabeluda ganha “vida” e salta livre nas noites do Recife, atacando pessoas com condutas morais que ela não aprova. É a proverbial materialização lúdica do medo muito real da perseguição estatal, que dá a “O Agente Secreto” um respiro fantástico em meio à sua textura histórica muito real. O regime militar era, afinal, uma máquina opressora e violenta, distante dos relatos de netos de covardes coniventes que expõem sua ignorância com o habitual “meu avô dizia que o governo militar era tudo muito melhor”.

Não era, como “O Agente Secreto” atesta em seus próprios momentos de violência, física e psicológica, em que a temperatura é alarmante. Seja no conflito iniciado em um jantar carregado de tensão em que a personagem de Alice Carvalho perde a paciência com um canalha arrogante. Ou na naturalidade em que os assassinos (Roney Villela e Gabriel Leone) terceirizam o trabalho para aproveitar a praia. Ou ainda no breve interlúdio em que um delegado (Robério Diógenes) exibe um sobrevivente da Segunda Guerra Mundial (Udo Kier) como brinquedo numa vitrine.

“O Agente Secreto” é o filme mais político que você vai ver sem jamais usar política como palanque. É overdose sensorial perfeita para uma sessão dupla com “Uma Batalha Após a Outra” (fica a dica). É cinema vibrante, ciente de suas ferramentas como pulso narrativo e comentário social. Vai incomodar as pessoas certas e lavar a alma de todo brasileiro que entende o passado para encarar o futuro. É a melhor produção nacional em pelo menos 20 anos, que ousa insistir na crença de um país possível.

Redação com Uol/ Splash

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