A violência contra as mulheres no Brasil alcançou o maior nível já registrado, de acordo com a 5ª edição do relatório “Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil” (2025). O estudo, realizado pelo instituto Datafolha, foi divulgado em 10 de março pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O documento revela que 37,5% das mulheres brasileiras relataram ter vivenciado ao menos uma situação de violência nos últimos 12 meses, o que equivale a 21,4 milhões de vítimas. Esse é o maior número desde o início da série histórica da pesquisa.

Entre os dados mais alarmantes, se destaca o fato de que as mulheres vítimas de violência relataram, em média, três tipos diferentes de agressões no último ano. A violência física atingiu 16,9% das entrevistadas, o que representa quase 9 milhões de mulheres.

De acordo com o relatório, 32,4% das mulheres afirmaram ter sofrido violência física ou sexual por parte de um parceiro, ou ex-parceiro. Quando somadas as situações de violência psicológica, como insultos, humilhação e isolamento social, o percentual sobe para 40,7%.

Mulheres entre 25 e 34 anos são as mais afetadas, com 46,8%, seguidas pelas mulheres negras, que representam 41,9%. As divorciadas apresentam a maior taxa de vitimização, com 58,5% relatando agressões.

Cenário em Alagoas é preocupante 

Para contextualizar esses dados na realidade de Alagoas, o Cada Minuto entrevistou a advogada Anne Amaral, mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e especialista no atendimento a mulheres.

“Os dados nacionais do relatório Visível e Invisível trazem informações preocupantes e reflete uma realidade de violência sistêmica e estrutural vivida pelas mulheres. Quando comparamos e fazemos um recorte desses dados nacionais para a realidade vivida no estado de Alagoas, o cenário é ainda mais alarmante”, alerta.

A especialista afirma que de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020, 35,6% das mulheres alagoanas relataram ter sofrido algum tipo de violência nos últimos 12 meses.

“Em Alagoas, dados mais recentes revelam um cenário preocupante. A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 registrou um aumento de quase 30% nas denúncias de violência contra a mulher no estado em 2024, comparado a 2023. Além disso, 68,6% dos suspeitos identificados nas denúncias eram homens, enquanto 20,4% eram mulheres cometendo violência contra outras mulheres”, esclarece.

A advogada destaca que o Estado segue a média nacional, com altos índices de violência contra mulheres. Segundo a Fiocruz e o IPEA, a vulnerabilidade é agravada pela desigualdade social e pela falta de políticas públicas eficazes.

Advogada especialista no atendimento a mulheres, Anne Amaral | Foto: Arquivo Pessoal

Agressões físicas e abusos sexuais predominam em AL

A especialista destaca ainda que, no Estado, a violência física e sexual cometida por parceiros íntimos é a forma mais comum de violência doméstica. Ela também menciona dados da Secretaria de Segurança Pública de Alagoas (SSP/AL), que revelam que, em 2020, 58,3% das denúncias de violência doméstica envolviam agressões físicas, enquanto 12,5% estavam relacionadas a abusos sexuais no contexto familiar.

“Já em 2024, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 identificou que 68,6% dos suspeitos de atos de violência cometidos contra mulheres eram homens, indicando que grande parte dessas agressões ocorre no contexto de relações íntimas”, destaca.

Para ela, este fato  corrobora a prevalência de violência por parceiros íntimos, que, como indicado no levantamento nacional, é uma característica dominante nos casos de violência doméstica tanto em Alagoas quanto no Brasil.

A advogada ressalta que a Defensoria Pública do Estado de Alagoas (DPE/AL) tem registrado um aumento no número de casos de violência sexual no contexto conjugal, com mulheres frequentemente se sentindo pressionadas a manter o silêncio devido a fatores culturais e sociais.

“O dado de 32,4% de mulheres que já sofreram violência física ou sexual por parte de parceiros íntimos, portanto, também é representativo de uma realidade similar no estado de Alagoas, disse.

Medo de retaliação e dependência econômica dificultam denúncias 

A especialista aponta que vários fatores dificultam o registro de denúncias de mulheres que são vítimas de violência em Alagoas. “O medo de retaliação e a dependência econômica estão entre os maiores obstáculos. Dados da Secretaria de Política para as Mulheres de Alagoas (Semudh/AL) indicam que 70% das mulheres vítimas de violência doméstica no estado relataram receio de represálias por parte dos agressores”.

Ela também pontua a falta de acesso a serviços públicos especializados, a exemplo de abrigos temporários, apoio psicológico e a ausência de profissionais intérpretes de libras, que agravam este cenário.

“Em Alagoas, a Defensoria Pública do Estado relata que, em muitos casos, as mulheres não se sentem seguras em realizar a denúncia devido à fragilidade do sistema de proteção e à escassez de recursos destinados à assistência às vítimas. Também existe a questão da cultura de culpabilização das mulheres, onde muitas delas não buscam ajuda por receio de serem responsabilizadas pela violência sofrida’”, afirma.

Políticas públicas descontinuadas e cortes impõem desafios 

O relatório nacional sobre o enfrentamento à violência de gênero aponta que, em diversos estados brasileiros, políticas públicas voltadas para essa área foram descontinuadas ou sofreram cortes significativos nos últimos anos.

A especialista defende que em Alagoas, o cenário é similar, com avanços em algumas áreas, mas também com dificuldades que comprometem o progresso no enfrentamento da violência contra a mulher.

Ela menciona que apesar dos avanços, como a criação de unidades especializadas para o atendimento a mulheres vítimas de violência, o Estado enfrenta desafios financeiros e estruturais.

“A crise fiscal do estado tem impactado diretamente a continuidade de programas essenciais de prevenção e acolhimento”, relata. Esse cenário reflete uma descontinuidade de ações que, até então, estavam contribuindo para a proteção das mulheres em situação de violência.

Para a advogada, a Lei Maria da Penha, embora seja aplicada em Alagoas, enfrenta obstáculos na execução de políticas integradas com outras áreas, como saúde e educação. Ela cita a falta de eficiência e colaboração entre essas áreas dificulta a resposta rápida e efetiva aos casos de violência.

Além disso, afirma que os números da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 indicam que a violência continua a ser um problema alarmante no estado. Em 2024, o número de denúncias aumentou quase 30%, um sinal de que, apesar dos esforços, a violência de gênero persiste em níveis elevados.

“Os dados mostram que a violência contra a mulher é uma realidade que não pode ser ignorada, e os investimentos em políticas públicas precisam ser urgentes e sustentáveis para mudar essa realidade”, afirma.

De acordo com ela, a falta de recursos financeiros, a capacitação inadequada dos profissionais e a integração falha entre os serviços de apoio às vítimas são fatores que comprometem a eficácia das políticas públicas em Alagoas.

Medidas para reduzir índices de violência contra mulheres no Estado

A advogada também defende a importância de adotar medidas urgentes e estruturais para reduzir este cenário. Para ela, a ação imediata deve focar no fortalecimento dos canais de denúncia, como a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, além de ampliar o acesso à informação sobre os direitos das mulheres e os serviços disponíveis.

“Garantir que as mulheres conheçam e utilizem essas ferramentas, pode ser decisivo para romper o ciclo da violência”, afirma. Anne também menciona a necessidade de capacitar os profissionais que atendem diretamente as vítimas, como policiais, agentes de saúde e assistentes sociais.

E ainda argumenta que o treinamento adequado é essencial para oferecer um atendimento mais eficaz, humano e acolhedor. “Esse preparo pode ser crucial para a identificação precoce de sinais de violência e para o encaminhamento correto das vítimas aos serviços especializados”, explica.

Ela tamnbém enfatiza a importância de aumentar a presença policial nas áreas com altos índices de violência doméstica, citando como exemplo a Patrulha Maria da Penha, que realiza o monitoramento diário de mulheres em situação de risco. “Intensificar a atuação dessa patrulha e aumentar o patrulhamento nas regiões mais afetadas pode atuar de forma preventiva e reduzir o número de agressões”, comenta.

A longo prazo, Anne Amaral acredita que é fundamental investir em programas de educação e conscientização sobre igualdade de gênero, começando desde a infância. “É na escola e nas comunidades que podemos desconstruir estereótipos machistas e prevenir a violência nas futuras gerações”, aponta.

Ela também defende políticas públicas que promovam a autonomia econômica das mulheres, como programas de capacitação profissional e acesso a crédito. “Essas ações permitem que as mulheres se libertem de relações abusivas sem depender financeiramente dos agressores”, acrescenta.

Boas práticas e iniciativas no combate à violência de gênero

Anne diz que Alagoas tem adotado boas práticas no combate à violência de gênero que podem servir como modelo para outros estados. Entre elas, se destacam:

– Casa da Mulher Alagoana: Criada em 2013, oferece acolhimento e atendimento especializado para mulheres vítimas de violência, com apoio jurídico, psicológico e social.

– Patrulha Maria da Penha: Implantada em 2015, garante a segurança de mulheres em risco e combate a reincidência de violência doméstica por meio de monitoramento e ações preventivas;

– Delegacia da Mulher em Maceió: Oferece atendimento especializado com profissionais capacitados, visando agilidade no registro de ocorrências e encaminhamento para serviços especializados;

– Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM): Oferece suporte psicológico, jurídico e social para mulheres em situação de violência, com acompanhamento contínuo e abordagem multidisciplinar.

A reportagem solicitou à Secretaria de Estado da Segurança Pública de Alagoas (SSP/AL) informações sobre as medidas adotadas para enfrentar o aumento das denúncias de violência contra a mulher no estado, bem como os planos estratégicos da pasta para reduzir esse tipo de crime. Até o fechamento deste texto, não houve resposta. O espaço segue aberto.