Por Rogério Tomaz Jr
O jornalista e militante político Santiago Cúneo, que foi um dos amigos mais próximos de Javier Milei antes que o economista entrasse na política, voltou a acusar o atual presidente da Argentina de possuir “imagens de pornografia infantil” (sic) em um tablet que usava quando era comentarista econômico da Crônica TV, onde o jornalista também trabalhava. A acusação foi feita em um programa do canal IP Notícias, na noite desta sexta-feira (18), do qual Cúneo participava ao vivo no estúdio.
Em 2024, o mesmo jornalista afirmou, em suas redes sociais e em entrevistas a emissoras de rádio e televisão, que Milei fazia parte de uma “rede de pedofilia” que atuava na Argentina. Naquela ocasião, no mês de junho, Cúneo apresentou a denúncia formalmente à Justiça, registrando o caso no tribunal Criminal e Correcional Federal nº3, em Buenos Aires. Até hoje, não foi sequer chamado a prestar depoimento.
Santiago Cúneo também já disse, inclusive em programa de televisão, que Milei lhe revelou que chegou a assessorar um narcotraficante para conseguir fechar as contas do mês. Além das fortes acusações de natureza criminal, Cúneo é um dos maiores críticos da política econômica do atual governo, sendo conhecido pelos comentários ácidos e carregados de insultos ao ex-amigo, a quem considera “entreguista” e “traidor”.
Javier Milei – e tampouco qualquer pessoa ligada a ele – jamais desmentiu ou contestou em público o jornalista. Ironias da vida, o presidente tem uma postura diametralmente oposta em relação a qualquer crítica feita à sua gestão política ou ao seu comportamento público. Qualquer questionamento ou comentário negativo sobre suas medidas, mesmo de usuários anônimos ou irrelevantes nas redes sociais, recebe de volta respostas agressivas e iradas, mais parecidas a um ataque de fúria do que a qualquer forma de debate político.
Deputado condenado por pedofilia
O contexto da denúncia agora, entretanto, é bem diferente. No meio da semana, o ex-deputado Germán Kiczka, apoiador de Milei, foi condenado a 14 anos de prisão por posse e divulgação de material com abuso sexual infantil. O irmão de Germán, Sebástian, também foi condenado pelo caso e recebeu pena de 12 anos de prisão. Entre os materiais que os irmãos – que tentaram fugir para o Brasil em agosto do ano passado – tinham em seus computadores, constavam vídeos de crianças em práticas de zoofilia, revelou o jornal La Nación, o mais antigo da Argentina.
Ademais, Javier Milei resolveu – ninguém sabe ainda por que razão – se meter na briga entre duas figuras da televisão argentina, Viviana Canosa (canal 13) e Mariana Fabbiani (América). Ao longo da semana, no seu programa, Canosa acusou jornalistas e personalidades midiáticas de integrarem uma rede de tráfico e abuso sexual de menores atuante no país. A denúncia foi levada pela jornalista ao Tribunal Federal de Cassação Penal de Buenos Aires na terça-feira (15). Fabbiani foi uma das pessoas que questionaram a colega e as duas passaram a se revezar em ataques mútuos nos seus respectivos programas.
Na tarde de quinta-feira (17), através de sua conta no Twitter/X, Milei tomou partido de Fabbiani e atacou o grupo Clarín [a Globo da Argentina] e a dupla que dirige a programação da TV América, de Viviana Canosa, Adrian Suar e Pablo Codevilla.
A resposta de Canosa ao presidente veio também no seu programa e foi duríssima. “Eu me perguntava ontem à noite enquanto chorava, de emoção, de sensações nobres… me perguntava por que ele veio criticar alguém como eu, que está denunciando tráfico de pessoas. Por que, em vez de se preocupar com o dólar, com a inflação, com a LIBRA, ele se preocupa comigo? Eu não sou tão importante, mas a denúncia é”, continuou, referindo-se a Milei.
“Quero perguntar ao presidente se o tráfico de pessoas e o abuso de menores lhe interessam. Se for assim, por favor, que entre em contato comigo e trabalhemos juntos”, continuou.
“O que o Presidente fez é gravíssimo. O chefe do Poder Executivo se intrometendo no Poder Judiciário e violando a separação de poderes que nossa Constituição estabelece. Por que o Poder Executivo está exercendo pressão sobre o Poder Judiciário? Espero que não seja para influenciar a investigação”, afirmou Canosa.
Bomba nas redes sociais
Com o tema sobre a suposta rede de pedofilia já instalado há dias no debate público, a nova denúncia de Santiago Cúneo contra o presidente caiu como uma bomba nas redes sociais. Começaram a aparecer as menções de Milei sobre o tema, inclusive uma analogia que ele fez diversas vezes para difundir suas ideias libertárias. “O Estado é como um pedófilo no jardim de infância”, afirmou Milei várias vezes ao longo da última década, em palestras, entrevistas e debates na televisão. A partir daí começaram a circular, em grupos de WhatsApp na Argentina, vários vídeos ligando os pontos e questionando se Milei é pedófilo.
No programa desta sexta-feira (18), Cúneo também disse que Milei usava os vídeos de abuso sexual de menores que tinha no seu tablet “para explicar por que Murray [Rothbard] tinha razão que um menor poderia consentir sexo com adulto”. Perguntado pelo apresentador porque Milei ou alguém próximo a ele jamais havia lhe contestado, Cúneo foi taxativo: “Não responde porque é tudo verdade”.
Quando Cúneo levou a denúncia aos tribunais, no ano passado, o boxeador Gonzalo “Patón” Basile revelou numa entrevista à TV Crônica que recebia de cinco até sete vídeos pornôs de Milei por dia. O boxeador reclamou e avisou Milei que não queria receber esse tipo de material, pois tinha filhos pequenos. O então economista pediu desculpas e explicou que se tratava de uma lista de transmissão. “Então me tire das listas”, cobrou Basile, que mostrou o conteúdo ao apresentador na entrevista.
Cúneo, que tem o apelido de “Dogo Argentino”, é candidato a deputado nacional nas eleições legislativas de outubro. Seu nome encabeça a lista de um partido do campo mais conservador do peronismo, o Movimento Democrático Confederal Argentino, do qual é o fundador e principal dirigente.
Estranhamente, a grande mídia da Argentina cobriu nos mínimos detalhes as denúncias de Canosa e a sua briga com as personalidades e autoridades (como Patrícia Bullrich) que a contestaram, mas nenhuma notícia sobre a acusação de Cúneo foi publicada até o momento em que fecho esta matéria.
A pergunta que fica é: o Judiciário vai atuar desta vez para apurar a denúncia ou vai se fingir de morto outra vez?
*Rogério Tomaz Jr., jornalista, acompanha de perto a política no Uruguai, Chile e Argentina, onde residiu (2020-2022).
Redação com Revista Fórum
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