Por: Naian Lucas Lopes
O CIB (Cadastro Imobiliário Brasileiro), apelidado de “CPF dos imóveis”, é um sistema nacional criado para identificar e unificar os dados de todos os imóveis do país, urbanos, rurais, públicos ou privados.
Regulamentado pela Lei Complementar nº 214/2025 e pela Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025, o CIB faz parte da reforma tributária e busca centralizar informações hoje dispersas entre cartórios, prefeituras, órgãos fiscais e ambientais.
Ao Portal iG, Lucas Bettim, especialista em direito imobiliário e sócio do escritório Benites Bettim Advogados, afirma que “o Cadastro Imobiliário Brasileiro é voltado à criação de um identificador único para cada imóvel no país. Sua base será alimentada por informações provenientes de registros municipais, estaduais e cartorários, unificadas por meio do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais, o Sinter.”
O CIB terá como principal função consolidar, em uma única plataforma, dados que hoje estão fragmentados.
“Na prática, cada imóvel urbano ou rural receberá um código georreferenciado que passará a constar obrigatoriamente em escrituras, registros e certidões. Esse código permitirá rastrear a vida jurídica e tributária do bem — desde sua matrícula até operações de compra, venda, locação, incorporação e integralização ao capital social” , explica Bettim.
O especialista destaca que o sistema não substitui os cartórios nem os cadastros municipais.
“O CIB atuará como um sistema de referência nacional, servindo de base para padronizar e harmonizar informações em todo o território. A ideia é reduzir divergências cadastrais, fraudes e sobreposições de registros, além de facilitar o cruzamento de dados públicos e privados.”
A implementação do CIB será gradual. As capitais e o Distrito Federal devem integrar seus sistemas até dezembro deste ano, e os dados estarão disponíveis a partir de janeiro do ano que vem. Os demais municípios ingressarão a partir de 2027, seguindo um cronograma escalonado.
Bettim ressalta que “as prefeituras e cartórios terão prazos para se adequar, e é essencial que essa adaptação seja gradual e coordenada, para evitar inconsistências ou atrasos na operação do sistema.”
Além da unificação de informações, um dos pontos que mais gera dúvidas é o impacto sobre os tributos imobiliários.
Lucas afirma que “o CIB, por si só, não cria novos tributos nem modifica as alíquotas vigentes. Essa é, inclusive, a posição oficial da Receita Federal. Contudo, a integração e atualização das bases cadastrais poderão ter reflexos indiretos na arrecadação.”
De acordo com o especialista, o sistema permitirá que estados e municípios revisem valores venais e de referência dos imóveis, que são usados como base de cálculo para tributos como IPTU, ITBI e ITCMD.
“O que pode ocorrer é uma correção dos valores declarados, não uma majoração legal de imposto. A Lei Complementar nº 214/2025 e a Instrução Normativa 2.275/2025 preveem a possibilidade de estimar valores de referência com metodologia definida e disponibilizá-los publicamente no Sinter. Isso aumenta a transparência e exige critérios técnicos claros para evitar aumentos disfarçados” , explica.
O especialista destaca que o impacto fiscal será, em grande parte, resultado do aprimoramento cadastral e da atualização de valores, não da criação de novos tributos.
“Por exemplo, cidades que já atualizam anualmente os valores venais, como São Paulo, não devem ter alterações significativas. Em outros municípios, a correção de cadastros defasados pode levar a ajustes de 20% a 50% em imóveis subavaliados, mas isso depende da realidade local” , detalha.
Ele também ressalta que o CIB vai funcionar como uma espécie de base nacional para rastrear todas as transações imobiliárias.
“A partir de 2026, o código será obrigatório em escrituras, registros e certidões. Cartórios e prefeituras deverão compartilhar os dados imediatamente após os registros de compra, venda ou locação. Isso cria maior segurança contra fraudes, lavagem de dinheiro e disputas de propriedade, além de facilitar financiamentos e regularizações fundiárias” , pontua.
O especialista alerta, no entanto, que a implementação não será simples.
“A principal dificuldade será a integração tecnológica entre os diversos sistemas existentes. O Brasil tem realidades muito distintas: há municípios com cadastros eletrônicos modernos e outros que ainda dependem de processos manuais. A padronização das informações e a interoperabilidade entre prefeituras, cartórios, órgãos ambientais e fiscos estaduais exigirão investimentos em tecnologia, atualização de sistemas e capacitação de servidores públicos e registradores” , afirma.
Outro desafio destacado pelo advogado é a adaptação dos serviços notariais.
“A Instrução Normativa nº 2.275/2025 estabelece que os serviços notariais e de registro deverão adotar o código CIB em todos os documentos e compartilhar, de forma eletrônica e estruturada, os atos praticados. Isso impõe uma adaptação significativa às rotinas cartorárias e requer a atualização dos sistemas utilizados” , diz o especialista.
“A implementação envolve custos de integração, compatibilização de dados e suporte operacional. A governança do sistema precisará ser clara, com definição de papéis, responsabilidades e mecanismos de fiscalização, sob pena de atrasos e inconsistências” , completa.
A proteção de dados pessoais é outro ponto central do CIB
Segundo o especialista, “a centralização de informações imobiliárias em uma base nacional impõe atenção redobrada à proteção de dados pessoais e patrimoniais. O CIB deverá seguir rigorosamente os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados, especialmente no que se refere à finalidade específica do tratamento, limitação de acesso, segurança da informação e responsabilização.”
O controle das informações no CIB será estruturado para definir quem poderá acessar os dados, em quais situações e para quais finalidades. O compartilhamento entre órgãos públicos deverá ocorrer dentro dos limites legais e com mecanismos de rastreabilidade.
Registros de acesso, segregação por perfis e auditorias periódicas são algumas das medidas previstas para garantir a integridade e a confidencialidade das informações.
Mesmo que os registros imobiliários sejam públicos, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) exige cuidado com informações sensíveis, como valores, vínculos patrimoniais e dados pessoais dos proprietários.
O equilíbrio entre transparência pública e proteção da privacidade será um dos maiores desafios do novo sistema, exigindo camadas de segurança digital, autenticação forte e políticas de prevenção a incidentes cibernéticos.
O CIB também poderá ter impactos indiretos sobre o setor imobiliário e investidores. A maior precisão nos cadastros permitirá identificar imóveis subavaliados ou não declarados, aumentando a transparência e a fiscalização.
Grandes locadores ou administradoras de imóveis poderão ser mais afetados, enquanto pequenos proprietários tendem a ter efeitos neutros ou até benefícios, com transações simplificadas e inconsistências reduzidas.
Modelos internacionais
O sistema foi inspirado em modelos internacionais, como o de Portugal, implementado no ano passado, e tem como referência a experiência do CPF para pessoas físicas.
O objetivo é modernizar o Brasil, garantindo que cada imóvel tenha um identificador único, seguro e rastreável, facilitando transações imobiliárias e fortalecendo o sistema tributário.
Em relação à reforma tributária, o CIB servirá como base para o IVA dual, que substituirá tributos existentes a partir de 2027, com redução de alíquotas previstas: 70% na alíquota para aluguéis e 50% para vendas.
Isso deve evitar aumento na carga geral do setor imobiliário, conforme explicou Bettim. A preocupação com alta de impostos, portanto, se restringe a ajustes nos valores venais e não à criação de novos tributos.
O Cadastro Imobiliário Brasileiro terá múltiplos efeitos práticos: unificação de dados, maior segurança jurídica, rastreabilidade de transações e potencial atualização de valores de impostos, sempre dentro da lei.
O CIB é uma ferramenta de padronização, transparência e governança do mercado imobiliário, que exige adaptação tecnológica e atenção à proteção de dados, sem criar impostos novos.
A previsão é que, a partir do ano que vem, todos os imóveis urbanos e rurais do país tenham seu código único, e que a integração completa dos municípios ocorra até 2027.
O CIB deve transformar a forma como imóveis são registrados e fiscalizados no Brasil, aproximando a gestão nacional de padrões internacionais e garantindo maior clareza nas transações imobiliárias.
Redação com IG